Revista Exame

A ilusão da eficiência tecnológica

Nossas máquinas nunca foram tão eficientes — e, no entanto, o homem nunca consumiu tanta energia quanto hoje

Carro elétrico na Alemanha: com ele os problemas ambientais aumentam ou diminuem? (Sean Gallup/Getty Images)

Carro elétrico na Alemanha: com ele os problemas ambientais aumentam ou diminuem? (Sean Gallup/Getty Images)

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Da Redação

Publicado em 9 de abril de 2012 às 09h19.

São Paulo - O senso comum costuma ser um bom conselheiro na maioria das situações de nossa vida, mas, no mundo da economia, ele às vezes prega algumas peças. Reza a crença popular, por exemplo, que a melhor forma de enfrentar uma crise é apertando o cinto. Se todos — governo incluído — fizerem isso, porém, a crise só vai piorar.

Também é contraintuitiva uma das noções mais caras à teoria econômica, a lei das vantagens comparativas. Segundo ela, em muitas situações, os países devem parar de produzir e passar a importar de concorrentes, ainda que eles sejam menos eficientes — e todos vão ganhar com isso.

No mundo da sustentabilidade, o senso comum está por trás de um dos mantras mais repetidos em tempos de mudança climática, o de que as novas tecnologias são a salvação do planeta. A aritmética parece fazer sentido. Uma lâmpada LED consome cerca de 10% da eletricidade das lâmpadas tradicionais.

Uma TV moderna consome uma fração dos modelos antigos. Um carro hoje faz quase 20 quilômetros por litro de gasolina, ante cerca de 6 no passado. Portanto, quanto mais cedo esses produtos substituírem os antigos, menos emissões de CO2 haverá para ajudar a aquecer o planeta. Teríamos, aí, o caminho para um mundo mais sustentável.

Bem, talvez as coisas não sejam tão simples assim. É o que defende o jornalista e escritor americano David Owen, um especialista em temas relativos ao meio ambiente, em seu livro mais recente.

A obra é provocativa já no título, The Conundrum — How Scientific Innovation, Increased Efficiency, and Good Intentions Can Make Our Energy and Climate Problems Worse (“O Conundrum — Como a inovação científica, os ganhos de eficiência e as boas intenções podem tornar nossos problemas energéticos e climáticos ainda piores”, numa tradução livre). Tecnologias, diz ele, costumam fascinar a maioria.

Adoramos inovações e estamos prontos a migrar para elas assim que isso se torna possível. E o tempo, nesse caso, joga a favor do consumidor — conforme nossas máquinas se tornam mais eficientes, elas gradualmente ficam mais baratas, para o deleite de milhões.

“Se olharmos uma família e imaginarmos que tudo em torno dela — o carro, a TV, as lâmpadas, o computador, a geladeira — passou a gastar menos energia, a aritmética faz sentido. Essa família vai mesmo ter um impacto menor no clima”, diz Owen. “Mas a conta relevante é outra: ao criarmos novos carros, geladeiras e TVs, o que acontece com as vendas?”

Nos anos 50, uma família americana gastava 10% de toda a sua renda anual para comprar uma televisão, então um bem de luxo. Atualmente, o americano gasta 0,8% da renda para levar para casa um produto comparável. Não surpreende que o total de televisores no mundo tenha crescido quase 50 vezes nas últimas décadas.


O ponto de Owen, em resumo, é que os produtos estão de fato mais “verdes”. Mas estão também mais baratos e tornaram-se acessíveis para bilhões de pessoas. A conta energética, portanto, piorou.

Quando se olha a história como uma metanarrativa de milênios, o argumento de Owen fica mais claro. Na antiga Babilônia, era preciso trabalhar por 48 horas para conseguir a energia hoje necessária para acender uma lâmpada de 75 watts por 1 hora. Um cidadão do mundo rico gasta atualmente meio segundo de trabalho para pagar pela mesma quantidade de energia.

A maior eficiência energética está na base do enorme avanço econômico que tivemos como espécie. Owen resgata um debate nascido em plena Revolução Industrial, quando o economista inglês William Stanley Jevons cunhou um argumento conhecido como Paradoxo de Jevons.

Segundo ele, o uso mais eficiente do carvão, a base energética nos primórdios do capitalismo, teria como consequência um uso cada vez maior dessa fonte de energia. De lá para cá, nasceu o mundo moderno. Vivemos mais e melhor e somos provavelmente mais felizes. Criamos novos brinquedinhos constantemente. E nunca consumimos tanta energia quanto hoje. 

No fundo, o maior mérito de Conundrum é mover o foco de um debate puramente técnico para uma discussão mais profunda. Enquanto não formos capazes de alterar nosso modo de vida e refrear a ânsia humana de ter sempre mais, dificilmente escaparemos da ameaça de caos ambiental.

E é aí também que o argumento de Owen pode soar catastrofista. Não é razoável esperar o nascimento de uma consciência ambiental tão poderosa que possa refrear o apelo das inovações tecnológicas. Qual a saída, então? Owen defende, por exemplo, que vivamos mais próximos uns dos outros, de preferência em casas menores.

A proximidade proporcionada pelas metrópoles, se acompanhada da correta infraestrutura, pode produzir um ganho brutal em termos de emissões. É algo que vai na contramão de propostas românticas — e equivocadas — do movimento ambientalista, que enxerga as grandes cidades como parte do problema, não da solução.

A visão de Owen, claro, não é uma unanimidade. Para alguns especialistas, é necessário pesar com calma ganhos e perdas proporcionados pelas novas tecnologias. Em teoria, um ganho tão brutal na eficiência energética poderia mais do que compensar o aumento de consumo. O debate vai continuar — mas, espera-se, a partir de um novo patamar.

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