Revista Exame

A guerra fiscal é mundial e o Brasil corre o risco de ficar para trás

Para o economista Bernard Appy, diretor do Centro de Cidadania Fiscal, há uma corrida global para baixar impostos e atrair investimentos

Appy, do Centro de Cidadania Fiscal: "O Brasil precisa resolver logo as distorções tributárias" (Ana Paula Paiva/Valor/Folhapress/Exame)

Appy, do Centro de Cidadania Fiscal: "O Brasil precisa resolver logo as distorções tributárias" (Ana Paula Paiva/Valor/Folhapress/Exame)

LB

Leo Branco

Publicado em 29 de março de 2018 às 09h07.

Última atualização em 1 de agosto de 2018 às 15h21.

economista Bernard Appy tem se dedicado a uma missão árdua nos últimos três anos: encontrar soluções para os problemas do bizantino sistema tributário brasileiro. Ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda de 2003 a 2009, Appy fundou em 2015 o Centro de Cidadania Fiscal, um núcleo de pesquisas sobre a modernização da maneira como os brasileiros pagam impostos. De lá para cá, tem assessorado o Congresso a elaborar uma proposta de simplificação do emaranhado de impostos sobre consumo de bens e serviços, como ICMS, ISS e IPI. Mais recentemente, o Centro voltou os olhares para outro enrosco: a guerra fiscal entre os países. Na entrevista a seguir, Appy explica por que a reforma tributária aprovada pelo presidente Donald Trump no ano passado, bem como movimentos semelhantes em outros países, pode reduzir os investimentos privados no Brasil — e como deve ser enfrentado o novo problema.

Qual é a relevância da reforma tributária americana para o comércio global?

A mudança aprovada pelo governo de Donald Trump no ano passado reduziu o imposto de renda das empresas de 35% para 21%. Países como Argentina e França seguiram o exemplo e reformaram seus tributos. Além disso, a reforma aboliu as taxas sobre o lucro gerado pelas empresas americanas no exterior. É um modelo hoje adotado por praticamente todos os países desenvolvidos.

O que está por trás dessas mudanças?

Está em curso uma guerra fiscal em escala mundial para atrair investimentos. O modelo anterior facilitava a migração de recursos de países centrais para outros com carga tributária mais baixa. Além disso, dificultava que esse capital voltasse ao país de origem, que, via de regra, cobrava impostos mais altos. Estima-se em 3 trilhões de dólares os recursos de empresas americanas retidos no exterior. Boa parte desses recursos é de gigantes da tecnologia, como a Apple, cuja sede fiscal é na Irlanda para economizar impostos. Aqui, a JBS só não fez o mesmo porque o BNDES, investidor da empresa, barrou.

Como as novas regras vão frear essa migração de empresas e capitais?

Pelo modelo anterior, ao repatriar o lucro obtido no exterior, uma empresa pagava a diferença entre os impostos da origem e do destino. Por exemplo: se quisesse resgatar o lucro auferido no Paraguai, que cobra 10% de imposto de renda, uma empresa americana pagaria 25%. Se fosse resgatar dinheiro obtido no Brasil, onde a alíquota é de 34%, pagaria 1%. Do ponto de vista tributário, investir aqui ou no Paraguai custava a mesma coisa: 35%. A reforma de Trump acabou com isso.

De que maneira a mudança na legislação americana afeta o Brasil?

Seguimos cobrando uma alíquota de imposto de renda sobre empresas que, se não é a maior do mundo, certamente está entre as mais altas. Além disso, ainda tributamos o lucro auferido no exterior. Isso afasta investimentos estrangeiros e também motiva a migração de recursos de empresas brasileiras para fora do país.

Algo está sendo feito sobre o problema?

Em março, o presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, criou um grupo de trabalho integrado pelos economistas Marcos Lisboa [da escola de negócios Insper], Zabetta Macarini [do Getap, fórum sobre assuntos tributários], Isaías Coelho [da Fundação Getulio Vargas] e por mim. Vamos olhar para o tema e para outras distorções de nosso sistema tributário.

Quais delas?

Um tema importante é a isenção de tributos na distribuição de dividendos. O modelo em si, pouco adotado no mundo, não é equivocado. O oposto, a taxação de dividendos, incentiva a retenção de lucros num negócio. Mas isso nem sempre é o mais eficiente para a economia — geralmente é melhor levar o capital para uma startup promissora do que o manter numa empresa pouco inovadora. O problema é que a isenção abre brechas à chamada “pejotização”, em que prestadores de serviço se tornam sócios das empresas em que trabalham e recebem via dividendos para escapar dos impostos. Além disso, só o Brasil isenta tributos sobre o ágio em fusões e aquisições de empresas, o que gera enormes disputas judiciais com o Fisco. Por fim, há muitos benefícios no imposto de renda das empresas. A ideia é discutir os dois lados: ver em que o Brasil é mais oneroso do que a média mundial e também em que somos mais generosos.

Há espaço para colocar as ideias em discussão na Câmara ainda neste ano? 

A ideia é fazer a discussão amadurecer. Se não fizermos essa discussão qualificada, o que vai acontecer? Aparecerão empresas reclamando que o país precisa baixar o imposto de renda da pessoa jurídica porque o Brasil se tornou pouco competitivo, mas sem discutir outras distorções. E vai ter quem queira tributar dividendo sem olhar a alta alíquota do imposto de renda para pessoa jurídica. Temos de fazer uma discussão só: como resolver a falta de atração para os investimentos e reduzir as distorções tributárias. 

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