Isobloco: a startup que desbrava a construção civil
O isobloco é feito com cimento, é mais leve que um tijolo normal e consegue reduzir de 10 a 12% o custo das paredes em uma obra
Carolina Ingizza
Publicado em 15 de dezembro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 15 de dezembro de 2019 às 07h00.
Pergunte a qualquer pessoa o que é uma startup e ela vai falar sobre aplicativos, softwares, computadores e outros temas ligados à tecnologia. É o que vem mais fácil à mente. Mas a Isobloco segue no sentido concretamente oposto, voltada para a implantação de um novo modelo de construção higrotérmico, realmente sustentável e autossuficiente energeticamente. Mas não se espante sozinho: até o próprio inventor, Henrique Ramos, só descobriu que gerenciava uma startup depois de alguns contatos com o Sebrae em Alagoas.
A proposta é bem interessante: imagine uma casa sem aquela parede que esquenta no poente, em pleno litoral nordestino; ou um sistema construtivo encerrado quando a parede é erguida, sem necessidade de acabamento. Isso é possível por meio do uso do isobloco, feito com cimento em um encaixe fêmea-fêmea, mais leve e resistente que um tijolo normal, que consegue reduzir de 10% a 12% o custo das paredes, parte considerável de qualquer obra.
O engenheiro mecânico Henrique Ramos teve a ideia de montar a Isobloco há dois anos, observando as tendências na Europa durante os 12 anos em que morou em Portugal. De volta a Maceió, ele imaginava mais um produto a ser vendido na Define, empresa que tem com a esposa, Ana Ramos, para revenda de produtos de construção a seco e sustentável. Para melhor organizar a inserção desse novo bloco, no final de 2018, ele foi ao Sebrae e conversou com Áurea Andrade, que abriu a mente do empreendedor.
Áurea é analista da Unidade de Comércio e Serviços (UCS) do Sebrae em Alagoas e gestora do Projeto de Startups, que atende empreendedores digitais de todo o estado, desde 2012. E o que ela disse para marcar tanto Henrique? “A sua empresa deve estar aqui, porque entra no conceito de negócio de impacto social e ambiental. Como ainda está na fase inicial, a gente pode utilizar todas as metodologias e apoios relacionados à forma de desenvolver uma startup”, incentivou Áurea. A partir daí, tudo mudou.
Relação com startups
A Isobloco, apesar de ter nascido como um produto físico, tem uma forte ligação com energia renovável, internet das coisas e os Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU). “Quando eu disponibilizo uma plataforma e um aplicativo de relacionamento, eu começo a abrir as possibilidades de escalonamento do meu negócio”, ponderou Henrique, posicionando sua empresa dentro da definição de startup ao esclarecer que o termo não se aplica exclusivamente a empreendimentos digitais.
E, assim como a disrupção da TI, ele percorreu muitas etapas em um curto espaço de tempo. Posicionamento enquanto startup, prototipagem, Mínimo Produto Viável (MVP), testes de mercado, instalação da fábrica em Marechal Deodoro (e definição de que ela seria de pequeno porte, passível de uma unidade móvel dentro de canteiros de obras e de ser instalada em outros pontos de Maceió ou cidades do estado para estar mais perto dos compradores), formas diversificadas de vendas e investimentos. Tudo isso ocorreu apenas na primeira metade de 2019, quando ele começou a frequentar as reuniões mensais do Projeto de Startup na sede do Sebrae, em Maceió.
Se os demais colegas estranharam sua presença? Foi mais uma relação de curiosidade saudável e identificação de oportunidades de parcerias para os dois lados.
“Tem coisas que são complementares. Por exemplo, uma empresa desenvolveu um aplicativo para gestão de obra, então ela sabe que uma obra com tijolo, reboco e areia é complicada. Se for com isobloco, pode criar um padrão [mais simples] dentro do app. Quem trabalha com sistemas de realidade aumentada também viu vantagem porque, como o padrão de parede é muito simples, dá para comparar o que está feito com o desenho no projeto e dizer qual o percentual produzido.”, explicou.
E as parcerias não são só com startups alagoanas. A Isobloco está construindo um protótipo junto com o Laboratório de Estruturas e Materiais (LEMA) da Universidade Federal de Alagoas (Ufal), que fará os laudos para normas de desempenho. A partir daí, o bloco tem validação técnica necessária para trabalhar também para os prédios altos. “Cada laudo que a gente consegue é capaz de abrir novos mercados.”, ponderou Henrique.
Hacks e outros truques
A ousadia também é um plus que a Isobloco aprendeu com os colegas digitais, incluindo um hack homérico, que Henrique resume como o “Desafio da Schneider”. Indicada pelo Sebrae para concorrer ao Prêmio Nacional da Inovação, a Isobloco ficou entre os 26 finalistas nacionais entre os mil inscritos. No dia do resultado, a multinacional Schndeider lançou um desafio para que startups entregassem serviços ou produtos no escopo da internet das coisas, conceito que engloba a interconexão digital de objetos cotidianos com a internet, comunicando-se entre si e com o usuário. Isso foi ao encontro de um dos mantras de Henrique Ramos, mesmo sua startup não sendo de TI.
“Você não pode dizer que uma edificação é inteligente se a construção dela não for inteligente. Não fazer isso é o mesmo que querer que carro autônomo ande em estrada esburacada. Partindo desse princípio, eu preparei toda a documentação para o Sebrae enviar à Schneider. Eles gostaram, chamaram a gente em São Paulo para fazer o nosso pitch e nós fomos com todo o apoio e a estrutura do Sebrae para poder apresentar a Isobloco.”, contou o engenheiro.
Essa estrutura é um espaço mantido pelo Sebrae Nacional no prédio inovaBra habitat, um ecossistema criado para promover a inovação dentro e fora do Banco Bradesco, dedicado à geração de negócios baseados nas tecnologias que transformam o mundo de hoje. O espaço do Sebrae, explica Áurea Andrade, está à disposição de empreendedores digitais de todo o país, encaminhados pelo atendimento local do Sebrae.
Em outra aposta que tem como base fazer valer o que prega, a Isobloco também ganhou uma importante vitrine no Recife, onde construiu uma parede de cinco metros de comprimento por dois metros de altura sem nenhuma viga ou apoio, apenas os encaixes. O local foi a Fab Lab, outra startup física, de prototipagem rápida: você não tem as ferramentas ou equipamentos para construir um modelo da sua ideia? A Fab Lab te ajuda. A parede foi montada justamente para isolamento acústico no galpão, para separar um maquinário que fazia muito barulho.
“O Edgar [Andrade], fundador do Fab Lab, achou espetacular o isobloco e disse que quer ter lá, porque tem tudo a ver com a proposta deles. Então, a gente fez uma parceria em que cedeu os blocos para eles construírem e eles vão fazer a devolução disso em vídeo, divulgando a gente, em propaganda do isobloco.”, completou Henrique.
Relação com os ODS
Outro aspecto relevante da Isobloco é que ela é uma startup de impacto socioambiental, atingindo seis dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) da Organização das Nações Unidas (ONU).
Há redução de desperdício, uma vez que 100% das sobras do isobloco podem ser reaproveitadas na obra; há também um aspecto importante de inclusão social, pois o sistema foi projetado para utilizar a mão de obra já existente na construção civil, mediante um treinamento de, no máximo, quatro horas – ao contrário da maioria dos sistemas vigentes no mercado, que demandam tempo e especialização de equipes da construção civil.
O conforto térmico ou capacidade higrotérmica do isobloco (isolamento do frio ou calor) ganha destaque junto ao isolamento acústico, resistência à umidade (ou seja, em caso de chuva, não infiltra ou cria mofo) e ao fogo – e aqui, salvando vidas, pois o bloco mantém a temperatura e integridade por 70 minutos sob fogo de 1000° antes de começar a se deteriorar, sendo que a fumaça que produz não é tóxica. Em incêndios, grande parte dos sinistros é provocada pela intoxicação por fumaça. Esses são pontos de sustentabilidade de um negócio de impacto social e vinculado à economia do futuro, que é digital, colaborativa e sustentável.
“O que eu venho descobrindo, desde que entrei nesse processo de inovação, tecnologia, startups, é que, às vezes, você não sabe nem aonde o seu negócio ainda vai tocar. Pode tocar muito mais longe do que você imaginava. Estamos sempre testando e aprendendo na nossa relação com o cliente e o mercado e temos muito potencial ainda a explorar”, arrematou Henrique.