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Esta brasileira tem 25 anos e duas startups milionárias

Em entrevista, Camila Achutti, 25, defende ensino de programação nas escolas e conta que quer encontrar mais mulheres em negócios de inovação.

Camila Achutti, fundadora da Mastertech (Mastertech/Divulgação)

Mariana Desidério

Publicado em 4 de julho de 2017 às 06h00.

Última atualização em 4 de julho de 2017 às 10h23.

São Paulo – Camila Achutti tem 25 anos e é dona de duas startups com foco em inovação ecom faturamentos milionários. Apesar do sucesso, quando olha em volta, Camila não se reconhece entre seus pares. “Ser empreendedora em tecnologia é não se reconhecer no entorno. Vou a eventos de fundadores e só tem homens”, desabafa.

Mas a empreendedora não tem tempo para se intimidar com sua situação de minoria. Fundadora da consultoria em inovação Ponte 21 e da plataforma de educação em tecnologia Mastertech, ela e sua equipe estão de mudança do Cubo, espaço de coworking do banco Itaú que abriga startups inovadoras com as dela, e onde estiveram instalados por cerca de dois anos. “Não cabemos mais aqui”.

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Também trabalha na primeira rodada de investimento do Mastertech, aberta este mês e que pretende captar 2 milhões de dólares. Com o dinheiro, Camila quer expandir o negócio e levar cursos de tecnologia a milhares de alunos. “A programação não deveria ser um fim, mas um meio. Assim como se aprende a ler e escrever, deveríamos aprender a programar”, defende.

Em entrevista a Exame.com, a empreendedora fala sobre tecnologia, os planos para suas startups, as dificuldades de empreender no Brasil e o que perdemos por não termos mais mulheres nos ambientes de inovação. “Estaríamos num mundo muito melhor”.

Leia a entrevista:

Exame.com - Você tem duas empresas, uma delas é a Ponte 21. O que ela faz?

Camila Achutti - Eu e o Felipe Barreiros somos sócios na Ponte 21 e no Mastertech e combinamos que seremos sócios em tudo o que a gente for fazer. A Ponte 21 nasceu quando nenhum de nós tinha dinheiro para começar uma startup, então pegamos o que a gente sabia fazer de melhor e começamos a empresa. Ambos tínhamos uma sensação de que a gente não se encaixava muito no mercado corporativo de tecnologia, então nos colocamos na posição de facilitadores dessa coisa que amedrontava muita gente que era fazer software.

Colocamos o slogan de um novo produto em oito semanas, falávamos que se durasse mais que oito semanas não era um MVP [Mínimo Produto Viável, na sigla em inglês], e aí a gente acabou sendo contratado pelas áreas de inovação de grandes empresas. Atendemos Renault, Leroy, Itaú, grandes empresas que não tinham braço interno pra gerenciar os projetos de inovação.

E o Mastertech?

É uma plataforma de educação de habilidades do século 21 . A gente tem três vertentes: tecnologia, UX e design de negócios, então a gente fala que é um lugar pra você aprender tudo o que você quiser. A gente tem alguns formatos de formação: o maior é o Boot Camp, que é super imersivo, mas também temos cursos e workshops.

E como ele surgiu?

Eu e o Fê nos conhecemos trabalhando com educação de tecnologia e a gente sempre teve muito prazer em ensinar as pessoas o que a gente fazia. E a gente percebeu que a Ponte 21 era incrível, super lucrativa, mas ela distanciou um pouco a gente dessa missão de ensinar tecnologia. Foi aí que em novembro de 2015 nasceu o Mastertech. Na real a gente não sabia que estava nascendo uma startup.

Como assim?

Nós já tínhamos o mote de oito semanas que vinha da Ponte 21, então pensamos: será que em oito semanas a gente consegue criar o profissional ideal para as empresas? Em oito semanas o que eu posso ensinar pra esse cara que vai mudar a vida dele? Como eu faço ele ter um shift de carreira em oito semanas?

Então desenhamos um currículo: vamos ensinar lógica, programação web, programação de app, internet das coisas, inteligência artificial, impressão 3D, e também gestão ágil de projetos e design thinking.

Resumo da opera, dia 4 de janeiro começou o primeiro Boot Camp do Mastertech. O curso foi visto como o primeiro Boot Camp do Brasil e a gente pensou: ‘Eita! Quer dizer que isso é uma empresa? E aí a gente correu, criou site, pensou em próximas datas (porque a gente nem tinha próximas turmas , a gente realmente não percebeu que estava criando uma empresa).

Fomos pra Nova York fazer benchmark, porque lá nos EUA na crise de 2008 bombou um monte de Boot Camp. E aqui no Brasil não tinha nada do tipo, e estávamos bem num momento de crise, no qual as pessoas precisavam mudar de carreira, estavam desempregadas, era um contexto em que um Boot Camp de oito semanas ia trazer um retorno rápido para o aluno porque ele ia começar a trabalhar depois. O timing foi muito feliz, tanto que hoje o faturamento das duas empresas é equivalente.

De quanto é esse faturamento?

A gente não abre o valor, mas já passou de R$ 2 milhões por ano em cada empresa. Hoje somando as duas empresas são quase 30 funcionários, sem contar os professores do Mastertech.

Em que pé está o Mastertech agora?

Agora a gente está dando um próximo passo na nossa jornada que é sair do Cubo, é a dor do crescimento, a gente não cabe mais aqui. Estamos indo para o nosso escritório, que vai ser lá na Paulista. Para nós é um grande marco.

A gente está entrando na fase que entendemos o que queremos fazer, escalamos, provamos nossa hipótese e abrimos nossa rodada de investimento, para conseguir escalar do tamanho que queremos. Abrimos a rodada agora em julho, queremos levantar 2 milhões de dólares.

O que pretendem fazer com esse investimento?

Temos muita vontade de sair de São Paulo, expandir fronteiras. Hoje a gente já conseguiu dar um passo que é o curso aprenda a programar em um final de semana. Já fomos para algumas capitais e vamos para várias outras até o final ano. Nosso desafio hoje é: como a gente escala uma experiência que é muito transformadora como é o Boot Camp? Como faz isso sair de 30 alunos de uma turma em São Paulo e ir para 15 mil espalhados pelo Brasil?

Então vemos que os próximos passos envolvem uma expansão em volume e em regiões, e é por isso que a gente está levantando investimento. Porque hoje a gente para de pé, mas eu não vou conseguir expandir na velocidade que eu quero. Acho que a gente achou uma metodologia legal, tem um conteúdo legal, temos uma maturidade de marca, está na hora de pensar: Beleza, eu formei quase 2 mil alunos no ano passado. E se eu quiser formar 30 mil alunos? Estamos bem nesse salto agora.

Você disse que o Mastertech foi primeiro Boot Camp no Brasil. Como é ser o primeiro?

A gente tem cases nos EUA, mas não tem ninguém aqui. A gente é first mover. Então estamos surfando a onda e dando soco em parede de pedra. Para ser first mover no Brasil em educação tem que ser muito resiliente. Tem que estar preparado pra tomar muito tapa na cara e gente está preparado para isso.

Quais as principais dificuldades que encontram?

Primeiro que fazer empresa no Brasil é uma dificuldade enorme, levantar investimento é uma dificuldade enorme. Achar professor, mão de obra. Hoje esse não é nosso maior gargalo, mas, se eu quiser escalar para 300 mil alunos, será um gargalo.

Fora que existe uma mudança cultural, trabalhar com educação de tecnologia escalável e imersiva são muitas coisas, e exige uma transformação cultural. Hoje os alunos passam 12 anos durante a educação básica sendo totalmente passivos, e aí eu venho e falo: agora é século 21, você vai ter que fazer projeto, não vai ter mais um professor que é especialista e que tem todas as respostas, você precisa aprender a aprender, sendo que a pessoa não está nem acostumada a assistir aula ativamente. Ser first mover em educação e tecnologia é um trampo porque a gente resvala em todas essas culturas.

Por que é importante ensinar tecnologia para as pessoas?

Uma coisa que me dá um pouco de medo é essa falta de letramento digital. A gente voltou para a época dos escribas, só que agora eles são digitais. E eu me sinto um pouco escriba. Tem uma parcela seleta da população que entende de tecnologia, que sabe usufruir e tira proveito disso, enquanto a massa tem que só consumir e aceitar, e os dados são roubados, a conta é invadida, o cara não sabe muito bem o que ele está fazendo. É muito perigoso o momento em que a gente vive, em que uma parcela pequena entende tudo isso e a outra só consome o que chega.

Se há algum tempo atrás inglês era um diferencial e te abria caminho para uma carreira, programação agora é um pouco isso. Não acho que programação tem que ser um fim, mas sim um meio. Assim como a gente ensina a criançadinha a ler e escrever, mas eu não espero que todo mundo vire jornalista, tinha que ensinar todo mundo o básico de programação, independentemente se vai ser programador. Para pessoa entender como o mundo está se organizando. Eu defendi o mestrado nisso.

Como você decidiu empreender?

Eu acho que não era tão claro para mim, mas sempre tive vontade de ter a minha empresa, de fazer as coisas do meu jeito, meio sagitariana louca.

Eu sempre tive essa coisa do empreendedor. De ver um problema e, em vez de estagnar, tentar resolver. Na faculdade eu comecei um blog chamado Mulheres na Computação, porque eu era a única mulher na minha turma. Eu digitei no Google ‘mulheres na computação’ e não veio nada. Pensei ‘Eu sou a única pessoa que está passando por isso? Não é possível. Da próxima vez que uma mulher digitar isso no Google, vai ter conteúdo para ela’. Olhando para trás vejo que foi uma atitude empreendedora.

Como vê o cenário do empreendedorismo para mulheres?

Eu sempre acho que o fato de não termos muitas mulheres faz com que a gente deixe de resolver os problemas que precisamos resolver. Temos um olhar diferente, a nossa criação e a sociedade fazem a gente ter olhares diferentes, características que são nossas. A gente podia estar num mundo tão melhor! Quando as mulheres abrem pet shop, cabeleireiro, é legal, mas ela está ali porque o mercado não conseguiu absorver esse talento. Porque temos um mercado estruturado para homens.

Nós vemos um monte de mulher empreendendo por necessidade e não por oportunidade. As mulheres não empreendem em negócios digitais de alto impacto. Se não me engano, 54% dos empreendedores são mulheres, mas é tudo negócio offline, com pouca margem de lucro, pouca escalável, é a lojinha, o bazar. A gente tira dessas mulheres a possibilidade de se envolverem com tecnologia, a gente não mostra para essas meninas outra possibilidade.

Como criar um mercado que não seja estruturado para homens?

Vou dar um exemplo. A gente vai fazer um evento e o nome é “encontre sua/seu CTO”. Ninguém se preocupa e escrever ‘sua’ CTO. E aí eu recebi um monte de mensagem, as pessoas perguntam ‘Nossa, por que você colocou o ‘sua’ primeiro, é exclusivo para mulheres?’

Tipo, não, não é. Onde está escrito isso? Você nunca reparou que o ‘seu’ sempre está na frente? Por que está tão incomodado? Não estou entendendo...

Então a gente tenta, de um jeito leve, levantar esses pontos. E a gente vê como isso gera transformações dentro de grandes empresas. O simples fato de ser escrito diferente faz a pessoa pensar: ‘isso também é para mim’.

Como uma mulher que não tem formação em tecnologia faz para empreender na área?

Acho que o primeiro passo é perder o medo. É impressionante, eu recebo muitos e-mails de mulheres que dizem que precisam de uma mulher desenvolvedora. E você vai conversar e percebe que é porque ela tem medo, ela já foi enrolada por um programador, ela não se sente confortável de demonstrar esse desconhecimento. É muito louco como isso afeta demais a porcentagem de mulheres empreendendo com tecnologia. É diretamente proporcional. O fato de eu não ter mulheres que programam, que criam, faz com que mulheres não consigam empreender nessa área.

Meu conselho sempre é: primeiro você precisa perder o medo. Se manchou uma coisa em casa a gente se sente tão responsável, a gente sempre dá o nosso jeito. E aí quando o assunto é tecnologia não, a mulher já diz: ‘ah, mas eu não sou de tecnologia’. Peraí, você mexe no seu ceular como ninguém, manda e-mail, troca mensagem com as suas amigas, quem falou que você não é de tecnologia? Por que está deixando que a sociedade te imponha esse papel se você nem tentou?

A gente ainda tem um medo muito grande de se envolver por causa de estereótipo. Ainda acha que quem faz tecnologia é o cara geek que começou com cinco anos e, putz, agora não dá mais para mim, eu não sou um Mark Zuckerberg, ferrou, não tenho mais chance. Para mim a primeira dica é perder o medo. Como? Digitando no Google, caçado um monte de link, fazendo errado, fazendo certo, conversando , um curso aqui, outro lá.

Na sua vida como empreendedora de tecnologia que dificuldades você encontra por ser mulher?

Acho que é um lance de você continuar olhando em volta e não se reconhecer no volume. Vai num evento de fundadores e continua sendo a única mulher, vai num evento de tecnologia, continua sendo a única palestrante, vê uma capa de revista só de homens. Então pensa: será que eu merecia estar aqui? Acho que a dificuldade continua sendo a mesma da faculdade, a diferença é que hoje tenho muito mais confiança, muito mais coragem, porque eu criei uma musculatura. É treino, você se acostuma e aí começa a se colocar no lugar que deveria. Acho que a grane dificuldade é essa: não se reconhecer no entorno.

 

 

 

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