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Especializar-se num setor ou avançar em outros mercados?

A carioca Cravo conquistou grandes clientes ao dar treinamento para vendedores de empresas de telecomunicações. A dúvida é crescer nessa área ou procurar outros setores

Mônica Reis e Cristiane Brandão, sócias da Cravo (Marcelo Correa)

Mônica Reis e Cristiane Brandão, sócias da Cravo (Marcelo Correa)

DR

Da Redação

Publicado em 18 de fevereiro de 2011 às 11h48.

Os pedagogos, designers e psicólogos que trabalham na carioca Cravo passam quase metade do expediente bolando joguinhos para celular, computadores, sites e até para tabuleiros de papelão. Os jogos são destinados a treinar vendedores que precisam melhorar seu desempenho.
A maior cliente da Cravo é a Oi, uma das últimas grandes operadoras a entrar no mercado paulista de celulares. Recentemente, os vendedores da Oi em São Paulo estavam com dificuldade de convencer clientes da concorrência a mudar de plano. A Cravo desenvolveu então um jogo com conquista de territórios, inspirado no tabuleiro War. Os funcionários da Oi tinham de formular novas argumentações de venda a cada negativa de compra por parte dos exércitos inimigos. “Depois desse treinamento, a conversão de clientes prospectados aumentou 30%”, diz a jornalista Mônica Reis, de 37 anos, sócia da Cravo.

Companhias de telecomunicações como Oi e Embratel representam cerca de 70% do faturamento da Cravo, que deve atingir 5 milhões de reais neste ano — o dobro do obtido em 2009. De uns tempos para cá, os resultados do trabalho da Cravo com as telefônicas chamou a atenção de companhias de outros setores, como a rede de postos Ipiranga, a Petrobras e o banco Santander, interessadas em substituir seus velhos calhamaços de apostilas pelo treinamento mais dinâmico conseguido com os jogos. "De uma hora para a outra se abriram novas portas de crescimento", diz a publicitária Cristiane Brandão, de 39 anos, a outra sócia da empresa.

Mas atender esses novos clientes tem dado certa dor de cabeça para Mônica e Cristiane. Como os cursos preveem o desenvolvimento de habilidades específicas dependendo  do setor, a concepção de cada um deles é praticamente artesanal. "Cada vez que aparece um cliente que não é de telecom, precisamos deslocar funcionários para aprofundar conhecimentos naquela outra área", diz Cristiane. "Não tem sido muito produtivo."

Surgiu, então, a dúvida: vale a pena montar uma equipe multidisciplinar para prospectar todo tipo de cliente ou é melhor investir energias num único setor, criando outros produtos para telecomunicações? Concentrar-se no mercado de telecom, no qual a empresa se tornou conhecida, permitiria ganhar escala — o que é importante para a rentabilidade. "Ainda há espaço para crescer nessa área e temos uma equipe preparada para isso", afirma Mônica.

A Cravo cresceu no atendimento a empresas de telefonia a partir de 2008, depois que Mônica convidou a amiga Cristiane, que trabalhava como gerente de marketing numa grande operadora, para se tornar sua sócia. Com os contatos feitos no tempo de executiva, Cristiane logo conquistou operadoras como clientes. Também aproveitou para levar ex-subordinados dela, que já conheciam as particularidades do setor, para a Cravo. "No emprego anterior, minha função era estruturar lojas e treinar vendedores", diz Cristiane. "Percebi que quando usávamos joguinhos o aprendizado era mais rápido."

Embora possa parecer mais seguro, trilhar um caminho conhecido também tem seus riscos. O principal deles é depender demais de um único setor. Pode ocorrer, por exemplo, um processo de consolidação que, além de diminuir o número de clientes, fortaleça o outro lado da mesa de negociação. Também é perigoso se determinados problemas se espalharem por todo um mercado, como perceberam recentemente muitos pequenos e médios empresários que atendiam o setor financeiro, afetado com a crise mundial. Se optar pela diversificação, a Cravo poderia começar se aprofundando em seguros, gás e energia, mercados de onde vieram novos clientes. "Seria preciso investir um bocado para contratar equipes com conhecimentos diferentes dos que temos hoje", afirma Mônica. Ao atender clientes de outros setores, as sócias também temem perder o foco do negócio e desperdiçar tempo e recursos num investimento de resultado incerto.

Para uma reflexão sobre as duas alternativas, Exame PME ouviu o executivo Milton Bonservizzi, diretor de marketing e inteligência de mercado da CTBC, operadora de telefonia do grupo mineiro Algar. Outro ponto de vista veio do consultor Sérgio Rivas, especializado em recursos humanos e processos. Também deu seu parecer o empreendedor José Mário Tagliassachi, sócio da paulista Arcitech, fornecedora de operadoras de telefonia. Veja o que eles disseram.


Atender bem um setor
Sérgio Rivas, consultor de recursos humanos

Não vejo razão para diversificar agora. Um motivo é que o mercado de telecomunicações é bastante dinâmico — conseguir atendê-lo bem já é difícil. Nenhuma operadora brasileira, fixa ou móvel, cogita parar de crescer e de inovar agora. Promoções e novos aparelhos aparecem a todo
instante, e os profissionais precisam ter suas táticas de venda constantemente recicladas. O outro motivo é que a estratégia da Cravo requer funcionários superespecialistas. Se a intenção é permanecer como butique de cursos de treinamento, o que vem dando certo, dificilmente será possível ganhar escala com diversificação. Minha recomendação é que, daqui para a frente, as sócias recusem delicadamente os clientes de outros setores. O risco é drenar energias e diminuir a qualidade justamente no mercado em que a luta foi dura para se firmar. Além disso, os investimentos na diversificação exigiriam um capital de giro que as sócias podem não ter agora ou que pode fazer falta para fortalecer a atuação no setor de telecom, abrindo espaço para a entrada de concorrentes.

Diversificar a clientela
José Mário Tagliassachi, sócio da Arcitech, fornecedora do setor de telefonia

Eu acabei me identificando muito com a dúvida das sócias da Cravo. Minha empresa, a Arcitech, foi fundada para fornecer estruturas de rede
para operadoras de telefonia e televisão a cabo. Foi uma boa decisão, mas, enquanto dependíamos demais desse setor, passei por alguns sustos, sobretudo entre 1998 e 2000. Nessa época, o endividamento em dólar das operadoras de televisão a cabo forçou-as a endurecer com os fornecedores. E no estouro da bolha ponto-com, quando muitos investimentos no mercado de telecom foram paralisados, vários contratos com fornecedores foram interrompidos abruptamente. Ao longo dos anos, adaptamos nosso portfólio para outros tipos de cliente, como concessionárias de energia e empresas de papel e celulose, e isso trouxe mais segurança. Além disso, os investimentos do setor devem mirar agora o lado da inteligência do negócio, em tecnologias capazes de melhorar a relação com os clientes já captados — e não tanto a aquisição de novos, que demanda o treinamento que a Cravo faz. Por isso, mesmo para continuar atraindo as empresas de telefonia, será preciso pensar em novos cursos, que ajudem as operadoras a melhorar o relacionamento com o cliente — e, para isso, a empresa deve usar os especialistas atuais.

Padronizar uma parte dos serviços
Milton Bonservizzi, diretor de marketing da CTBC

Não aconselho a Cravo a concentrar mais de 30% do faturamento em apenas um tipo de cliente. Colocar todos os ovos na mesma cesta já é naturalmente uma estratégia de risco, mas nesse caso há ainda outra questão importante: as operadoras já têm seus processos (de treinamento, de comunicação, de vendas) bastante amadurecidos, enquanto outros setores carecem de uma profissionalização maior. A Cravo não pode fechar os olhos para o mercado brasileiro de treinamento em geral. Não é tão difícil fazer essa diversificação como as sócias imaginam. A especialidade da empresa parece estar na capacidade de simular situações do cotidiano e ensinar pessoas a tomar decisões com base em um determinado cenário. Independentemente do setor, as necessidades são as mesmas — elas só mudam de endereço. O momento é de ganhar competitividade para crescer, e isso se dá pela escala. Sugiro criar produtos configuráveis, resultantes da combinação de alguns componentes padronizados com pitadas de customização, dependendo do cliente. Isso pode ser feito sem ameaçar a qualidade dos cursos. Mudam as instruções (neste caso, o roteiro) para que uma determinada habilidade pertinente ao setor do cliente seja estimulada, mas não muda a forma (a base estrutural do game) que faz o treinamento acontecer. A necessidade de especialistas em diferentes áreas não precisa ser suprida com a contratação de mais gente, o que de fato pesará nos custos trabalhistas. É possível propor contratos por projeto
ou pagos por hora até que um número maior de clientes de outros setores justifique os funcionários fixos, como é hoje com telefonia.

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