Eles quebraram o mesmo negócio 5 vezes. Hoje, faturam R$ 2,4 mi
Fabrício Milesi e Luiz Gheller criaram o Vakinha, plataforma que intermediou mais de 144 mil doações em 2017. Mas não foi nada fácil chegar a esse número
Mariana Fonseca
Publicado em 11 de março de 2018 às 08h00.
Última atualização em 11 de março de 2018 às 08h00.
São Paulo – Para os empreendedores Fabrício Milesi e Luiz Gheller, todo o esforço para abrir um negócio com impacto social (e com margens de lucro apertadas) parecia ter sido em vão. Em 2012, eles quebraram seu site pela quinta vez – e os investidores estavam prontos para deixar de apostar na ideia .
O negócio, chamado Vakinha, nasceu com a missão de ajudar pessoas com causas a arrecadarem dinheiro. A plataforma reúne campanhas tão diversas quanto escrever um livro, estudar no exterior, fazer uma peça de teatro, levantar ONGs pelo meio ambiente e salvar quem possui doenças graves.
Diante da falência , foi apenas dando um passo para trás que os empreendedores conseguiram relançar o empreendimento e alcançar os números que imaginavam. Em 2017, o Vakinha intermediou mais de 144 mil “vaquinhas” e faturou 2,4 milhões de reais. A meta para 2018 é aumentar tais valores – incluindo, para isso, um ensaio de internacionalização.
Na corda bamba das despesas e receitas
A ideia do Vakinha surgiu quando Gheller iria casar e se mudar para Barcelona, na Espanha. Não fazia sentido para o casal pedir equipamentos de cozinha ou jogos de pratos na lista de casamento - e sim dinheiro para custear a mudança de país.
Foi aí que Gheller e seu futuro cunhado, Milesi, perceberam que os sites disponíveis para organizar a arrecadação eram confusos e não inspiravam confiança.
Gheller casou em 2006 e ficou dois anos em Barcelona, mas a oportunidade de criar um negócio continuou na cabeça dos empreendedores. Eles começaram a tocar o projeto em 2007, enquanto um trabalhava com internet em Barcelona e o outro trabalhava com comércio exterior no Brasil.
“Minha empresa iria fechar e eu já queria empreender em alguma coisa. Nós nos demos conta que focar em um site que fazia ‘vaquinhas’ tinha um potencial muito maior do que focar apenas em dinheiro para quem vai se casar”, conta Milesi.
A ideia de negócio conquistou um investimento-anjo de 100 mil reais em março de 2008 e uma parceira exclusiva com o portal de internet UOL, que hospedaria o futuro site e faria os pagamentos via PagSeguro. As novidades fizeram Gheller retornar de Barcelona e atuar presencialmente no Vakinha.
“A parceria era muito importante. Achamos que as pessoas não se sentiriam confortáveis em pagar pela internet sem um meio reconhecido”, conta Gheller.
O Vakinha foi ao ar em janeiro de 2009, com um modelo de monetização de comissão de 1% do valor das doações. Assim, o negócio só pagaria os altos custos de servidor com um bom volume transacionado.
Mas isso não aconteceu. “A gente esperava receber mil visitas por dia, mas recebíamos uma. O movimento ainda era muito pequeno para bancar a operação. Não tínhamos tráfego consistente e enfrentávamos dificuldades técnicas quando havia um surto de visitas”, conta Milesi.
Em três meses, o retorno financeiro não veio nem para pagar os funcionários e o investimento-anjo secou. O Vakinha quebrou pela primeira vez e fechou 2009 com um faturamento anual de apenas 2.000 reais.
Apesar disso, o negócio acumulou alguns casos de doações notáveis, com 200 usuários por mês, e os investidores-anjo pensaram no longo prazo do negócio. Foram feitos novos aportes para manter o negócio vivo. Cada uma das três rodadas de investimento rendia para até sete meses de operação. O Vakinha não conseguiu atingir o ponto de equilíbrio entre receitas e despesas nesse prazo e quebrou mais três vezes seguidas.
A cada nova injeção de capital, os empreendedores tentavam achar formas de expandir e rentabilizar o negócio. A primeira decisão foi encerrar a exclusividade com o PagSeguro, único meio de pagamento.
O Vakinha desenvolveu um software próprio, assumindo sua gestão financeira e de risco das transações. “Nossa margem é muito pequena, então tivemos de desenvolver um sistema que garantisse a veracidade de cada transação. Foi a partir dessa dor e da nossa experiência com as doações que fizemos o programa, que nos dá muita independência e poder de decisão por meio de análise de dados própria.”
Mesmo com as inovações, o Vakinha ainda enfrentava problemas com o tamanho de seu servidor, que não suportava muitos acessos, e com a falta de experiência do público potencial com doações pela internet.
Para efeitos de comparação, a plataforma de crowdfunding mais reconhecida internacionalmente – o americano Kickstarter – foi fundada em abril de 2009, depois do Vakinha. “Chegamos cedo demais, quando as pessoas ainda usavam o Orkut”, afirma Gheller.
Em 2012, o investimento-anjo total chegou a 550 mil reais. O negócio crescia, mas o ponto de equilíbrio entre receitas e despesas ainda não estava ao alcance – e novos competidores surgiam no mercado, como sites de crowdfunding.
O Vakinha não havia virado novamente e quebrou pela quinta vez. Foi aí que o negócio recebeu um ultimato: os investidores não aportariam mais nada que não fosse para encerrar de vez a operação.
Gheller e Milesi queriam continuar errando e aprendendo – mas teriam de fazê-lo com os próprios recursos. “Qualquer empresa mais organizada e capitalizada poderia começar a partir de tudo que a gente avançou e nos superar em força. Era um terrorismo constante. Recebi indireta até da minha sogra para largar tudo”, diz Milesi.
Os empreendedores fizeram as contas de quanto precisariam para viver e demitiram todos os funcionários, além de fechar o escritório do Vakinha. O site ficou ativo, mas atendendo apenas as questões mais urgentes de pagamento. Enquanto Milesi continuou no negócio, Gheller resolveu se distanciar da empresa e investir em um e-commerce de sapatos femininos, usando seu quarto como estoque.
A loja online começou a se pagar no ano seguinte. Em 2014, já com um escritório, Gheller cedeu um espaço para o Vakinha e, junto com Milesi, voltou a trabalhar no empreendimento de doações. “Como eu já tinha uma fonte de recursos, conseguimos dar um passo mais estruturado. Começamos a reescrever o site”, conta Gheller.
Expansão
Em março de 2015, o Vakinha lançou um site completamente novo. Com novo visual e tecnologia, a plataforma corrigiu fatores importantes, como problemas de acesso nos picos de visitas.
“A gente sempre defendeu que, para trazer a pessoa que faz ‘vaquinha’ no mundo físico para o mundo online, o site tinha de ser muito fácil de usar, com segurança de transação e uma taxa baixa. Se não, o cara arruma outro jeito de fazer. Sofremos bastante com receita no começo, mas entendemos que era mais escalável, que atrairia mais pessoas”, afirma Gheller.
O Vakinha sempre praticou a mesma taxa que o PagSeguro cobrava dos usuários no início da empresa, que é de 6,4%. O empreendedor afirma que outras plataformas “cobram de 13 a 17%”. O ticket médio por doação é de 90 reais.
No meio do mesmo ano, os empreendedores notaram como o movimento havia aumentado tanto pelas mudanças internas quanto pela popularização do modelo, com a maior adoção dos pagamentos online e com o trabalho da concorrência de crowdfunding. O Vakinha escalou e começou a recompor sua equipe.
Os progressivos sucessos das mais diversas campanhas para doações – desde estudantes que queriam recursos para estudar fora até peças de teatro e causas sociais – acabou atraindo mais anunciadores de “vaquinhas” e mais doadores. Os empreendedores, que se surpreendiam antes com quem arrecadava 10 mil reais na campanha, passaram a achar comum doações que batiam 400 mil reais.
O maior recorde de arrecadação do Vakinha foi de 3 milhões de reais, obtido em 2017. A campanha era para Joaquim, um menino que nasceu com Atrofia Muscular Espinhal (AME) e necessitava de um medicamento de alto custo. A família arrecadou quase 1,5 milhões de reais, segundo o site do Vakinha, mas doações feitas após o encerramento da campanha completaram o valor.
“Outras famílias que viviam a mesma doença, na mesma semana, arrecadaram um milhão de reais. Os pais do Joaquim são muito ativos nas redes e montaram um movimento sobre a AME”, conta Gheller.
O Vakinha fechou 2017 com mais de 144 mil campanhas e um volume transacionado de 37,4 milhões de reais. Isso gerou um faturamento de 2,4 milhões de reais ao negócio.
Finalmente, a empresa está devolvendo o dinheiro aportado pelos investidores-anjo. “Fizemos uma distribuição de lucros no final do ano passado. Queremos devolver o mais rápido possível, mas estamos avaliando se vale a pena devolver lucros agora – o que, do ponto de vista de participação, é bem válido – ou reinvestir na empresa, devolvendo ainda mais dividendos.”
Para 2018, o Vakinha espera acelerar o crescimento e trabalhar melhor sua margem de lucro. A expectativa é fazer 250 mil campanhas, com 70 milhões de reais movimentados, e faturar 5 milhões de reais.
As campanhas incluem parcerias com organizações não governamentais, que podem cadastrar projetos específicos no site – por exemplo, beneficiar um certo hospital ou escola. “As pessoas doam mais se visualizam diretamente a causa dos recursos, no lugar de enviar dinheiro à ONG em si”, diz Milesi.
Além disso, o Vakinha está com um piloto de cartão pré-pago para seus usuários usufruírem do dinheiro arrecadado (por enquanto, apenas na cidade de São Paulo). Também quer expandir seus meios de pagamento, adotando doações via depósito bancário e via moedas digitais, como bitcoin.
O plano de aceitar criptomoedas se relaciona com a expectativa de internacionalizar o Vakinha, afirma Milesi. O negócio já aceita pagamentos internacionais e possui algumas campanhas escritas em inglês.
“Começaremos nossa expansão por campanhas com propósitos exportáveis e, em 2019, realmente ensaiamos uma expansão para países como o México. A entrada em novos países é mais complicada, pois já existem ferramentas que atendem os mercados locais”.
As margens apertadas continuam – mas os empreendedores já deixaram os pesadelos de falência para trás.