Exame Logo

Steinbruch explica a fusão CSN-Corus

"Somos benchmark mundial em termos de Ebtida. Eles são grandes, estão no primeiro mundo, mas não têm resultado", afirma Benjamin Steinbruch, presidente da CSN. O "eles", no caso, é a anglo-holandesa Corus, empresa que se associou à CSN e formará o quinto maior grupo siderúrgico do mundo. O primeiro grande desafio do empresário é provar […]

EXAME.com (EXAME.com)
DR

Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

"Somos benchmark mundial em termos de Ebtida. Eles são grandes, estão no primeiro mundo, mas não têm resultado", afirma Benjamin Steinbruch, presidente da CSN. O "eles", no caso, é a anglo-holandesa Corus, empresa que se associou à CSN e formará o quinto maior grupo siderúrgico do mundo. O primeiro grande desafio do empresário é provar que o negócio não é uma fusão disfarçada da CSN pela Corus. Leia, a seguir, a íntegra da entrevista.

EXAME - Qual a lógica por trás do negócio CSN-Corus?

Benjamin Steinbruch - Minha idéia era transformar a Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em empresas globais. Ou seja, pegaríamos a Vale, juntaríamos com a CSN e faríamos seis negócios. Seriam seis empresas brasileiras competindo no mercado globalizado. Mas não conseguimos implementar essa idéia por vários motivos. Por isso começamos a discutir outros caminhos para a CSN.

EXAME - Por que não deu certo? Desentendimento entre os sócios?

Steinbruch - Organizamos o consórcio Brasil porque tínhamos carência de capital. A única maneira era juntar o máximo possível de capital para conseguir ganhar o leilão da Vale. Se eu soubesse que o ágio seria tão baixo não teria colocado tanta gente. Na medida que você coloca muita gente, cada um entra com um interesse. Tinha banco estrangeiro, banco nacional, fundo de pensão, empresa privada brasileira, clube de funcionários das duas companhias. Na verdade, existia um grupo que tinha o interesse comum em comprar a companhia. Existia essa intenção original de manter a Vale inteira e transformá-la num player global. Isso era o que nos unia. Depois, quando houve a mudança nos fundos de pensão, o negócio começou a se perder, e a coisa começou a ficar impossível. Então veio a chance do descruzamento.

EXAME - Como foi o descruzamento?

A mesma coisa. Ou seja, o plano era deixar a CSN e a Vale seguirem seus próprios caminhos. E as duas tinham interesse de se internacionalizar. Nesse meio tempo, tivemos o mesmo tipo de conversa com a ThyssenKrupp e com a Arbed. Primeiro com a Arbed. Ficamos mais de seis meses discutindo a fusão das companhias. Eles nos ofereceram a gestão da companhia naquele momento. Por uma questão de falta de prática de negociação da nossa parte, achamos esquisito que um grupo estatal daquele tamanho nos oferecesse a gestão. No mercado, dizia-se que eles eram muito pesados, que não agregariam nada. Para nós ficou a impressão que deveria ter alguma coisa errada na empresa deles.

EXAME - Isso foi quando?

Steinbruch - Foi com o descruzamento. Aí a gente não fez o negócio. Eles seguiram o caminho deles. Fizeram a associação com os franceses, criaram a Arcelor. O engraçado é que o pessoal que negociou com a gente está na Arcelor hoje. E eles nos falaram: "Tá vendo Benjamin? A gente queria fazer negócio com você e entregaria a gestão da empresa de verdade. Não era brincadeira". Depois veio a conversa com a ThyssenKrupp. Tínhamos um memorando de entendimento antigo para juntar as atividades. Aquilo que a gente ia fazer com a Vale, a gente ia fazer com a Thyssen. Eles tinham uma mineradora, a Ferteco, pela qual seria possível unificar logística e explorar sinergias da parte siderúrgica e, assim, criar uma grande empresa multinacional.

EXAME - Como foi essa negociação?

Steinbruch - A conversa foi muito difícil. Fundamos com eles uma associação para a indústria automobilística, na qual a CSN tem 51%. Mas não conseguimos implementar as outras etapas, porque eles venderam a Ferteco para a Vale do Rio Doce. Então decidimos ir para os Estados Unidos, porque o mercado da Europa já estava reestruturado. No Brasil, não adiantaria crescer, porque iríamos ficar muito grandes dentro de um país pequeno em termos de comércio internacional. Se fossemos procurar fusões no Brasil, não alcançaríamos a globalização.

EXAME - O senhor acha que não? Isso é uma coisa que vem sendo questionada. Vocês tentaram se unir a Companhia Siderúrgica de Tubarão...

Steinbruch - A gente queria comprar a CST. E perdemos para a Acesita. Naquele momento, fomos muito criticados por querer um tempo para reestruturar o setor siderúrgico, buscar forças aqui dentro para poder ir para fora. Hoje, com a vinda de empresas estrangeiras para o país, nossa prioridade é buscar o mercado internacional, nem que seja para voltar mais tarde. Não adianta montar um bloco brasileiro, sem participação lá fora, para competir com empresas estrangeiras que têm no Brasil a fonte de 10% de seus negócios globais. Essas empresas podem ficar brincando por aqui por dez anos. A única maneira de sermos respeitados é ter presença fora. Acreditar no contrário, como fizemos, foi um erro. Há quem diga que mudei meu discurso. Não é isso. A gente tem que aprender com a vida. Se naquele momento nos fosse permitido reestruturar a indústria siderúrgica brasileira, poderíamos ter uma empresa forte, com potencial de comprar outras no exterior. Como não conseguimos a reestruturação e os estrangeiros vieram para cá _ certo ou errado, eles estão aqui _ não adianta ficar fazendo brincadeirinha.

EXAME - Não adiantaria, por exemplo, uma fusão entre CSN e Gerdau?

Steinbruch - Não. Porque a gente não consegue expandir o mercado lá fora. Cada um tem sua estratégia. A Gerdau não usa o Brasil como base exportadora. Ela tem um negócio aqui e compra pequenas siderúrgicas no mundo com o mercado ao redor delas. No nosso caso, como temos o minério, a logística e como somos integrados, o que faz sentido é usar nossa competitividade para agregar valor ao produto nos mercados americano e europeu. Então, uma fusão com a Gerdau não faria sentido. Com a Açominas já seria diferente. Existe complementaridade. Só que a CSN é muito maior que a Açominas -- e aí poderia haver dificuldades na fusão. Juntar com a Usiminas não faz sentido também. Não temos muita sinergia. Teria só uma lógica de mercado. Além de consolidar os passivos, não teríamos acesso ao mercado internacional.

EXAME - E o mercado americano?

Steinbruch - Pensamos nos EUA depois que o negócio com a Thyssen não deu certo. Na Europa, qualquer grupo brasileiro consegue no máximo uma fusão. Nos EUA é diferente. Fomos até lá no papel de compradores porque o país não reestruturou seu setor siderúrgico, estão fazendo isso agora. E enfrentam uma situação muito difícil. Por isso, tínhamos chance de comprar alguma coisa.

EXAME - Mas vale a pena? As siderúrgicas americanas estão numa situação quase falimentar...

Steinbruch - Mas essa é a nossa chance de comprar. Podemos fazer um negócio inteligente. Fomos para lá há um ano e meio. Posso dizer que hoje somos a siderúrgica latino-americana que mais entende do mercado americano. Examinamos tudo o que foi possível, e a conclusão é que a estrutura da siderurgia americana não permite nenhum outro investimento ou reestruturação.

EXAME - Por quê?

Steinbruch - Porque eles têm um passivo de aposentadoria monstruoso. Problemas com planos de saúde. Pior que isso: têm o problema sindical. Nesse ano e meio, conseguimos resolver a questão dos fundos de pensão, a ambiental, dos planos de saúde. Mas não conseguimos vencer a questão sindical. Por exemplo: estávamos quase fechando com a Bethlehem Steel. Iríamos ficar com a usina da Costa Leste, e os franceses, com a da região dos lagos. Apesar de os dirigentes da Bethlehem Steel quererem o negócio, não conseguimos flexibilizar os sindicatos.

EXAME - Mesmo com todos os problemas dessas usinas, seria um bom negócio?

Steinbruch - Sim. Elas têm 5 bilhões de dólares de passivo entre planos de saúde e fundos de pensão. A gente conseguiu zerar esses problemas. Se o sindicato tivesse aceitado nossas regras trabalhistas teria sido um grande negócio. Faria todo sentido. Mas daí os mercados americanos fecharam, os preços subiram, o setor começou a respirar. As usinas não resolveram seus problemas estruturais, mas convivem com a artificialidade. O preço subiu, isso fez com que elas começassem a gerar caixa e o sindicado endureceu mais ainda. Então nosso sonho americano terminou. Nossa opção para crescer passou a ser a Europa. A Ásia é muito distante, tem outra cultura. Apesar disso, estamos começando a olhar a China. Negócios pequenininhos. Devagar, com cuidado.

EXAME - E na Europa...

Steinbruch - Restou a Europa. A Arcelor não podia mais fazer negócio. A ThyssenKrupp não deu certo. Todas as outras companhias nos olhavam como produtor de baixo custo. Todas elas. Eu dizia que estávamos dispostos a fazer qualquer coisa, desde que sobrevivamos como entidade e tenhamos uma parte importante do capital e da gestão.

EXAME - Mas a Corus também não vê a CSN como uma produtora de baixo custo?

Steinbruch - Não. A conversa foi a mesma com a Corus, com a Arbed, com a Thyssen e com a Bethlehem Steel: a gente faz negócio, compra, fusão, o que for. Mas a gente fica como sócio de longo prazo, estrategista, com importância reconhecida tanto no capital como na gestão. Falamos disso com a Corus e ela aceitou conversar nessa base. Foi por isso que demoramos tanto tempo nessa negociação. Eles são seis vezes maiores em faturamento. Quatro vezes em produção. Têm 200 anos de história. Há 400 PhDs dentro da Corus. Eles são muito bons no que fazem e nós reconhecemos isso. E eles reconhecem a produtividade da siderurgia brasileira -- não só a nossa. O Ebtida das empresas européias está por volta de 10%, o da indústria brasileira está por volta de 30% a 40%. O nosso é acima de 40%. Somos benchmark mundial em termos de Ebtida. Eles são grandes, estão no primeiro mundo, mas não têm resultado.

EXAME - Aliás, a Corus vem tendo prejuízo já há algum tempo...

Steinbruch - Tem. Eles estão procurando e reconhecendo nossa competitividade internacional. Quando vieram aqui, se surpreenderam. Diziam que nunca tinham visitado uma usina tão automatizada e moderna quanto a de Presidente Vargas. Estávamos procurando a internacionalização, e eles, resultado -- por isso saiu negócio. Por que tivemos uma condição tão favorável na negociação? Porque a margem de contribuição da CSN é pouco menor que a margem de contribuição da Corus, apesar de eles serem muito maiores. Com relação aos resultados da Corus, nos anos de 1996, 1997 e 1998, a empresa ganhou dinheiro. Muito dinheiro mesmo. Fizeram um balanço fantástico. Em 1998, a libra esterlina se fortaleceu, a Inglaterra ficou fora da Comunidade Européia. Em 1999, tiveram um prejuízo grande, por conta da moeda. Ficaram fora de mercado porque perderam capacidade exportadora. E a British Steel era tremendamente exportadora. No mesmo ano, 1999, a Corus fez uma fusão com a Hoogovers, holandesa. A Hoogovers é o espelho da CSN na Europa. Tínhamos contato com eles desde a privatização -- nos davam assessoria para altos-fornos, para templates. Eles se juntaram e começaram a fazer uma reestruturação que permitisse, apesar da diferença da moeda, que a Corus fosse competitiva na Europa. Fecharam uma unidade grande, demitiram 10 000 pessoas em 2000 e 2001 e estão finalizando a fusão em 2002. Serão competitivos com a gente ou sem a gente a partir de 2003.

EXAME - Tem uma coisa estratégica que é a mina, a Casa de Pedra...

Steinbruch - Mas a mina fica dentro da nova empresa. É verdade que é um diferencial, mas ele vai ser explorado dentro do grupo. E faz diferença.

EXAME - A criação da holding TopCo vem sendo questionada...

Steinbruch - Ela não é holding. É uma empresa-espelho da CSN. O que a gente está fazendo é criar uma CSN global. Teremos uma assembléia que vai migrar os acionistas da CSN para essa empresa. Com a mesma condição de capital, mesma estrutura, tudo igual. A CSN global fica como dona da CSN. Ela vai dar ativos da CSN para a Corus, que vai emitir ações da nova empresa para a CSN Global. De tal forma que a CSN Global passa a ter 37,6% da nova empresa. Aqui vão ativos e passivos para a Corus. E a Corus paga esses ativos e passivos com ações.

EXAME - Por que não uma troca direta?

Steinbruch - Porque a gente queria ter uma governança forte na companhia. Se eu fizesse uma troca de ações pura e simples, a CSN seria diluída. O maior acionista dessa nova empresa seria a Vicunha Siderurgia, com 17,8%. O segundo seria o BNDES, com 8%. O terceiro, com 5%. A gente continuaria sendo maior. Mas com 37,6% a gente tem o veto. Com mais de 25%, a empresa tem o direito a veto. Conseguimos indicar quatro conselheiros em 12, dois executivos em oito, presença nos quatro comitês da companhia -- remuneração, nomeação (qualquer nomeação e promoção tem de passar pelo comitê, e a gente tem um dos três votos), auditoria e meio ambiente. Tudo funciona por unanimidade -- tanto nos comitês, quanto no board. Se tenho 36,7% da companhia, tenho muito mais força.

EXAME - Isso é bom para os minoritários?

Steinbruch - É bom.

EXAME - As ações da CSN Global não tendem a ser menos valorizadas que as ações da CSN Corus?

Steinbruch - Acho que é o contrário. Se fosse uma holding, a resposta não é nem sim. É talvez. A liquidez dela vai continuar igual. Será listada aqui e lá. Vamos trabalhar com três moedas: euro, dólar e libra. Vai ter uma arbitragem natural. Não tem nada mais do que as ações dentro dela. Acho que ela tende a ter muita liquidez e permitirá que instituições que não têm acesso ao mercado externo possam fazê-lo por meio da CSN Global.

EXAME - Já surgiram informações de que alguns minoritários estão se colocando contra...

Steinbruch - Eles não conhecem a operação.

EXAME - Não são 80% que têm de migrar?

Steinbruch - Não. São 50% mais um. A gente vai fazer explicações tantas quantas forem necessárias para minoritários, para bancos, para governo, para o que for. Porque a operação é essa. Ela é transparente e limpa como isso. E a reposta é essa: eu poderia fazer uma troca pura e simples, só que eu teria 17,6%. Não era isso o que a gente queria. A gente queria ter uma posição forte. Então o segredo desse negócio é a gente ter 37,6%.

EXAME - Vocês podem vender, não podem?

Steinbruch - Podemos. Esses 37,6% são tão fortes dentro da prática inglesa que eles vieram discutir com a gente e falar: "Olha, a gente está fazendo o negócio para valorizar o ativo para todo mundo. Se vocês quiserem manter os 37,6% vai ser uma distorção tão grande da realidade do mercado acionário inglês, que o mercado vai castigar a gente". Temos os 37,6% só para class one transaction. O que é isso? Fusão, incorporação, venda, qualquer coisa assim, a gente vota com 37,6% na assembléia. Para o resto, votamos com 29,9%. Para fazer parte do rol de melhores companhias listadas da Inglaterra - nas quais os fundos podem investir - temos de estar enquadrados dentro das regras inglesas. Foi isso que fizemos. Quando sentei pela primeira vez para negociar com os caras, pedi 50% mais um. Mas, se fosse assim, os ativos seriam desvalorizados. A gente teve uma discussão dura, no limite, para que pudéssemos ter uma avaliação favorável do mercado europeu e conforto em termos de governança. Essa foi a dificuldade da discussão. Temos uma participação completamente diferenciada. Se você analisar as 100 melhores empresas listadas, não vai encontrar nenhuma que tenha 37,6%.

EXAME - Você pode vender até 25% e continuar com o poder de veto, não é isso?

Steinbruch - Não. É mais do que isso. De 37,6% até 25,1%, nós podemos vender e manter os mesmos direitos. Se ficarmos abaixo de 25,1% perdemos o veto e alguns direitos. Mas de 3,7% a 25,1%, podemos vender que não acontece nada. Tem uma limitação. Podemos vender 3% ao ano em condições normais ou 6% se necessário, em função de maus resultados. Ter um ano infeliz, ou dois anos infelizes, por exemplo. Se acontecer alguma crise, qualquer coisa assim, podemos vender mais para honrar os compromissos.

EXAME - Você pretende manter essa participação?

Steinbruch - Pretendo.

EXAME - A Vicunha Siderurgia tem uma dívida razoável, que precisará honrar. E a partir de 2003 os vencimentos das debêntures são bem mais pesados...

Steinbruch - Não, são iguais. Em 2003, 2004, 2005, são mais ou menos 300 milhões de reais por ano.

EXAME - Para poder pagar isso você vai precisar ter dividendos...

Steinbruch - E que dividendos!

EXAME - Você está confiante que conseguirá tudo isso?

Steinbruch - O business plan mostra que sim.

EXAME - O temor do mercado é que você venda sua participação para pagar as dívidas...

Steinbruch - Só posso vender nessas condições. O que eu tiver de liquidez é para abater do total da dívida. A política de dividendos que a gente conseguiu é 40%. Podemos ter uma política de dividendos mais agressiva a partir de 2004. Nessa negociação teve o seguinte: dissemos que faríamos o negócio dentro dessas condições de governança e de capital e dissemos também que nosso negócio é aço. Então, eles teriam de sair de aço inoxidável e de alumínio, para que pudéssemos fazer a melhor empresa do mundo, a mais competitiva em aço.

EXAME - Esses ativos eles já venderam...

Steinbruch - Já venderam o negócio de aço inoxidável e anunciaram a venda do alumínio. Com isso, o endividamento deles vai lá para baixo. Então, a empresa nova nasce com quase nada de dívida. De acordo com o business plan conservador que fizemos, é possível ter uma remuneração desejável por meio da distribuição de dividendos para abater a dívida da Vicunha Siderurgia. Se não der certo, temos esse seguro da venda. Se você pegar o valor da companhia, 6,7 bilhões de dólares, qual você escolhe?

EXAME - Eu vi 6 bilhões...

Steinbruch - Vamos supor que a gente passe de 37,6% para 25%. São 720 milhões de dólares que vão para a CSN Global, que irá distribuí-los na proporção dos acionistas. Temos quase metade, então seriam 340 milhões de dólares. Com 340 milhões de dólares, pagamos três anos e meio de dívida. Sem nenhum dividendo. Se, depois de três anos e meio, a gente não conseguir nenhum dividendo, é porque realmente fizemos um péssimo negócio. Tenho certeza de que não é o caso.

EXAME - Existem algumas resistências em relação ao negócio. Do BNDES, de outros credores.

Steinbruch - O BNDES não precisa aprovar a operação. O que acontece é o seguinte: precisamos mudar as garantias aos credores. Hoje, eles têm como garantia as ações da CSN. Depois do deal, as garantias serão da CSN Global. Meu argumento é que a CSN hoje negocia 2 milhões de dólares por dia. A Corus negocia 30 milhões de dólares por dia. Quanto aos acionistas minoritários: existe um prêmio enorme no início da operação para todos os acionistas. Se você pegar o valor do anúncio do deal, tinha um prêmio para os acionistas da CSN de 600 milhões de dólares. Para todos, divididos igualmente. Além de haver maior liquidez, há maior valor para o credor. Acho que é muito melhor. Agora, cabe a nós convencê-los. A gente tem de trocar a garantia e isso está sujeito à aprovação do BNDES e dos demais credores. A gente tem que convencê-los de que é o melhor negócio do ponto-de-vista do crédito.

EXAME - Vamos falar um pouco sobre a CSN. Lembro de que no dia do anuncio, o senhor disse que haveria investimentos de 1 bilhão de dólares

Steinbruch - No memorando de entendimento está escrito que haverá investimentos imediatos de 300 milhões de dólares. Para porto, mina e ferrovia. A CSN tem dois projetos antigos: o alto-forno 4 e o projeto de Itaguaí, que são conhecidos do mercado. Como são os melhores projetos, a lógica empresarial diz que, se fizermos a fusão, os primeiros investimentos em aumento de capacidade serão feitos neles. Assim como serão feitos investimentos na Inglaterra, para buscar sinergia para o aumento de produção aqui. Não é que vamos fazer investimentos aqui e deixar coisas lá. Vamos fazer investimentos aqui e lá. A idéia é ter, num primeiro momento, algo em torno de 25 milhões de toneladas, as duas empresas juntas. Nosso negócio não é ser o maior, é ser o melhor. É aquilo que eu te falei, ter o melhor Ebitda do setor, ser referência em termos de valor e ser a melhor companhia reconhecida pelo mercado em valor. O número ideal seria 33 milhões de toneladas. E pretendemos chegar lá, investindo aqui e lá. Para fazer esses investimentos, principalmente aqui, eles fecharam uma unidade enorme lá.

EXAME - O que gerou polêmica é que, logo depois do anúncio, as ações da Corus caíram. E o CEO deu uma declaração dizendo que os planos de expansão no Brasil não eram firmes.

Steinbruch - Eles virão para o Brasil. Isso trará a oportunidade de discutirmos isso em público. Propus esse negócio para crescer. Vamos aumentar esses 25 milhões de toneladas. E dentro de uma lógica empresarial. A lógica diz que o Brasil é competitivo. A lógica é que se faça aqui e que se ganhe mercado lá. Temos a possibilidade de ganhar market share por meio de nossas sinergias. Podemos explorar os Estados Unidos, a América Latina. Esse negócio está sendo feito para ganhar produção, valor.

EXAME - E a história do pau- brasil? O senhor viu o artigo que diz que a CSN pode virar exportador decommodities. O senhor, como representante dos controladores da CSN, uma empresa privada, tem o direito de fazer absolutamente o que quiser. Mas é inegável que há uma certa polêmica quanto ao valor que vai trazer para o país. [Em artigo de George Vidor, no "Jornal Brasil", intitulado "Pau-brasil", comentou-se que há um grande risco de o Brasil virar um exportador de commodities. No caso, a CSN passaria a exportar aço para que a Corus fizesse produtos de maior valor agregado na Inglaterra.]

Steinbruch - Mas está errado. Sabe por quê? O problema é que não posso dar números para você, mas a gente exportou no ano passado 265 milhões de dólares. Vamos praticamente duplicar as exportações neste ano. Somos exportadores de placa, de todo o tipo de produtos, inclusive os de maior valor agregado como a folha de flandres. Já somos um exportador tradicional de produtos de valor agregado de muita qualidade. Fizemos investimentos de 2,3 bilhões de dólares nos últimos sete anos na usina para conseguir chegar nisso. Não tem como reverter isso. A CSN é uma realidade. Vamos acrescentar outras coisas. Esse negócio de pau-brasil não existe. Tanto que os caras chegam aqui e ficam babando na usina Presidente Vargas. A gente tem um pouco de complexo de inferioridade. Concordo que não temos de ser exportador de commodities. Não somos. Hoje, se vendermos 500 milhões de dólares, já seremos um dos principais exportadores do Brasil. Se conseguirmos dobrar isso em dois, três anos... pôxa! o que a gente quer mais? Nunca seremos exportadores de commodities. Nunca fomos, não somos e não seremos.

EXAME - Vamos supor - e é só uma suposição - que o negócio não se concretize.

Steinbruch - Estamos trabalhando nessa linha também. Temos um memorando de entendimentos.

EXAME - O que acontece?

Steinbruch - Quando assinamos o memorando de entendimentos, avisamos para todo o nosso pessoal que isso é um deal considerado ideal. Mas que, se não acontecer, continuamos a buscar ganhos de produtividade. Vamos surpreender o mercado com o Ebitda no fim do ano. Procuramos fazer as coisas da seguinte maneira: se acontecer a fusão, ótimo. Se não, ótimo também.

EXAME - Se não acontecer, você acha que a CSN, do tamanho que ela é hoje, sobrevive a longo prazo?

Steinbruch - Sobrevive. Vai ser sempre uma jóinha. Pequenininha, com a margem de Ebitda maior do setor, com ganhos grandes, mas sempre suscetível à oscilação de fluxo de capital, crédito, mercado. A gente vai ficar uma jóinha regional. Para os Estados Unidos, acho que demora ainda um ano e meio, dois anos. A gente está insistindo lá, mas...

EXAME - Mas vocês continuam com os planos de...

Steinbruch - Continuamos e nos memorandos de entendimento está especificada a prioridade dos investimentos nos Estados Unidos.

EXAME - Você é considerado um executivo centralizador.

Steinbruch - Mas não acho ruim isso.

EXAME - E você acha que vai conseguir isso lá?

Steinbruch - Acho que lá é outro perfil. Vou ser chairman, certo?

EXAME - Certo. A partir de 2004, você se transforma nochairmanda companhia. Você vai morar em Londres? Uma curiosidade: precisa ser "sir" para assumir esse cargo? "Sir Steinbruch"?

Steinbruch - Os ingleses, quando atingem um posto alto dentro dessas companhias grandes, ganham o título de sir. Quem não é inglês não pode ter o título. Eles têm um outro título. Vou continuar sendo Benjamin, brasileiro, com a minha bandeirinha do Brasil na minha mesa. Isso não muda nada.

EXAME - Você está indo para um hábitat diferente. Você foi chamado de barão do aço e tal, mas sempre esteve no Brasil, comandou empresas brasileiras com executivos brasileiros, em ambiente brasileiro, com relacionamento brasileiro. Como é que você vê essa mudança?

Steinbruch - Vou te contar uma historinha: tenho uma bisavó que, em 1906, migrou para a Inglaterra com dois filhos - um de 14 anos e outra de 3 anos - e deixou 4 filhos na Bessarábia. Tinha ficado viúva, aos 36 anos, e foi para a Inglaterra fazer a vida e trazer comida para os outros filhos. Essa menina de 3 anos é a minha avó. Então minha bisavó e minha avó estão enterradas em Londres. Minha bisavó morreu com a gripe espanhola. Minha avó ficou oito anos na Inglaterra e saiu de lá para reencontrar os irmãos. Fui visitar o túmulo da minha bisavó e pensei: se a minha bisavó em 1906 conseguiu vencer - hoje estamos aqui graças a ela -, por que eu, em 2002, com muito mais condições e preparo, não vou conseguir? Não tenho medo. Sei que vai ser tudo diferente e será uma empresa nova. Mas me sinto preparado. Estou com todo o meu gás. Vou com humildade para aprender e com uma grande experiência. Trabalho desde os 18 anos. Fiz de tudo, não tive nenhuma moleza para chegar aonde cheguei.

Veja também

"Somos benchmark mundial em termos de Ebtida. Eles são grandes, estão no primeiro mundo, mas não têm resultado", afirma Benjamin Steinbruch, presidente da CSN. O "eles", no caso, é a anglo-holandesa Corus, empresa que se associou à CSN e formará o quinto maior grupo siderúrgico do mundo. O primeiro grande desafio do empresário é provar que o negócio não é uma fusão disfarçada da CSN pela Corus. Leia, a seguir, a íntegra da entrevista.

EXAME - Qual a lógica por trás do negócio CSN-Corus?

Benjamin Steinbruch - Minha idéia era transformar a Vale do Rio Doce e a Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) em empresas globais. Ou seja, pegaríamos a Vale, juntaríamos com a CSN e faríamos seis negócios. Seriam seis empresas brasileiras competindo no mercado globalizado. Mas não conseguimos implementar essa idéia por vários motivos. Por isso começamos a discutir outros caminhos para a CSN.

EXAME - Por que não deu certo? Desentendimento entre os sócios?

Steinbruch - Organizamos o consórcio Brasil porque tínhamos carência de capital. A única maneira era juntar o máximo possível de capital para conseguir ganhar o leilão da Vale. Se eu soubesse que o ágio seria tão baixo não teria colocado tanta gente. Na medida que você coloca muita gente, cada um entra com um interesse. Tinha banco estrangeiro, banco nacional, fundo de pensão, empresa privada brasileira, clube de funcionários das duas companhias. Na verdade, existia um grupo que tinha o interesse comum em comprar a companhia. Existia essa intenção original de manter a Vale inteira e transformá-la num player global. Isso era o que nos unia. Depois, quando houve a mudança nos fundos de pensão, o negócio começou a se perder, e a coisa começou a ficar impossível. Então veio a chance do descruzamento.

EXAME - Como foi o descruzamento?

A mesma coisa. Ou seja, o plano era deixar a CSN e a Vale seguirem seus próprios caminhos. E as duas tinham interesse de se internacionalizar. Nesse meio tempo, tivemos o mesmo tipo de conversa com a ThyssenKrupp e com a Arbed. Primeiro com a Arbed. Ficamos mais de seis meses discutindo a fusão das companhias. Eles nos ofereceram a gestão da companhia naquele momento. Por uma questão de falta de prática de negociação da nossa parte, achamos esquisito que um grupo estatal daquele tamanho nos oferecesse a gestão. No mercado, dizia-se que eles eram muito pesados, que não agregariam nada. Para nós ficou a impressão que deveria ter alguma coisa errada na empresa deles.

EXAME - Isso foi quando?

Steinbruch - Foi com o descruzamento. Aí a gente não fez o negócio. Eles seguiram o caminho deles. Fizeram a associação com os franceses, criaram a Arcelor. O engraçado é que o pessoal que negociou com a gente está na Arcelor hoje. E eles nos falaram: "Tá vendo Benjamin? A gente queria fazer negócio com você e entregaria a gestão da empresa de verdade. Não era brincadeira". Depois veio a conversa com a ThyssenKrupp. Tínhamos um memorando de entendimento antigo para juntar as atividades. Aquilo que a gente ia fazer com a Vale, a gente ia fazer com a Thyssen. Eles tinham uma mineradora, a Ferteco, pela qual seria possível unificar logística e explorar sinergias da parte siderúrgica e, assim, criar uma grande empresa multinacional.

EXAME - Como foi essa negociação?

Steinbruch - A conversa foi muito difícil. Fundamos com eles uma associação para a indústria automobilística, na qual a CSN tem 51%. Mas não conseguimos implementar as outras etapas, porque eles venderam a Ferteco para a Vale do Rio Doce. Então decidimos ir para os Estados Unidos, porque o mercado da Europa já estava reestruturado. No Brasil, não adiantaria crescer, porque iríamos ficar muito grandes dentro de um país pequeno em termos de comércio internacional. Se fossemos procurar fusões no Brasil, não alcançaríamos a globalização.

EXAME - O senhor acha que não? Isso é uma coisa que vem sendo questionada. Vocês tentaram se unir a Companhia Siderúrgica de Tubarão...

Steinbruch - A gente queria comprar a CST. E perdemos para a Acesita. Naquele momento, fomos muito criticados por querer um tempo para reestruturar o setor siderúrgico, buscar forças aqui dentro para poder ir para fora. Hoje, com a vinda de empresas estrangeiras para o país, nossa prioridade é buscar o mercado internacional, nem que seja para voltar mais tarde. Não adianta montar um bloco brasileiro, sem participação lá fora, para competir com empresas estrangeiras que têm no Brasil a fonte de 10% de seus negócios globais. Essas empresas podem ficar brincando por aqui por dez anos. A única maneira de sermos respeitados é ter presença fora. Acreditar no contrário, como fizemos, foi um erro. Há quem diga que mudei meu discurso. Não é isso. A gente tem que aprender com a vida. Se naquele momento nos fosse permitido reestruturar a indústria siderúrgica brasileira, poderíamos ter uma empresa forte, com potencial de comprar outras no exterior. Como não conseguimos a reestruturação e os estrangeiros vieram para cá _ certo ou errado, eles estão aqui _ não adianta ficar fazendo brincadeirinha.

EXAME - Não adiantaria, por exemplo, uma fusão entre CSN e Gerdau?

Steinbruch - Não. Porque a gente não consegue expandir o mercado lá fora. Cada um tem sua estratégia. A Gerdau não usa o Brasil como base exportadora. Ela tem um negócio aqui e compra pequenas siderúrgicas no mundo com o mercado ao redor delas. No nosso caso, como temos o minério, a logística e como somos integrados, o que faz sentido é usar nossa competitividade para agregar valor ao produto nos mercados americano e europeu. Então, uma fusão com a Gerdau não faria sentido. Com a Açominas já seria diferente. Existe complementaridade. Só que a CSN é muito maior que a Açominas -- e aí poderia haver dificuldades na fusão. Juntar com a Usiminas não faz sentido também. Não temos muita sinergia. Teria só uma lógica de mercado. Além de consolidar os passivos, não teríamos acesso ao mercado internacional.

EXAME - E o mercado americano?

Steinbruch - Pensamos nos EUA depois que o negócio com a Thyssen não deu certo. Na Europa, qualquer grupo brasileiro consegue no máximo uma fusão. Nos EUA é diferente. Fomos até lá no papel de compradores porque o país não reestruturou seu setor siderúrgico, estão fazendo isso agora. E enfrentam uma situação muito difícil. Por isso, tínhamos chance de comprar alguma coisa.

EXAME - Mas vale a pena? As siderúrgicas americanas estão numa situação quase falimentar...

Steinbruch - Mas essa é a nossa chance de comprar. Podemos fazer um negócio inteligente. Fomos para lá há um ano e meio. Posso dizer que hoje somos a siderúrgica latino-americana que mais entende do mercado americano. Examinamos tudo o que foi possível, e a conclusão é que a estrutura da siderurgia americana não permite nenhum outro investimento ou reestruturação.

EXAME - Por quê?

Steinbruch - Porque eles têm um passivo de aposentadoria monstruoso. Problemas com planos de saúde. Pior que isso: têm o problema sindical. Nesse ano e meio, conseguimos resolver a questão dos fundos de pensão, a ambiental, dos planos de saúde. Mas não conseguimos vencer a questão sindical. Por exemplo: estávamos quase fechando com a Bethlehem Steel. Iríamos ficar com a usina da Costa Leste, e os franceses, com a da região dos lagos. Apesar de os dirigentes da Bethlehem Steel quererem o negócio, não conseguimos flexibilizar os sindicatos.

EXAME - Mesmo com todos os problemas dessas usinas, seria um bom negócio?

Steinbruch - Sim. Elas têm 5 bilhões de dólares de passivo entre planos de saúde e fundos de pensão. A gente conseguiu zerar esses problemas. Se o sindicato tivesse aceitado nossas regras trabalhistas teria sido um grande negócio. Faria todo sentido. Mas daí os mercados americanos fecharam, os preços subiram, o setor começou a respirar. As usinas não resolveram seus problemas estruturais, mas convivem com a artificialidade. O preço subiu, isso fez com que elas começassem a gerar caixa e o sindicado endureceu mais ainda. Então nosso sonho americano terminou. Nossa opção para crescer passou a ser a Europa. A Ásia é muito distante, tem outra cultura. Apesar disso, estamos começando a olhar a China. Negócios pequenininhos. Devagar, com cuidado.

EXAME - E na Europa...

Steinbruch - Restou a Europa. A Arcelor não podia mais fazer negócio. A ThyssenKrupp não deu certo. Todas as outras companhias nos olhavam como produtor de baixo custo. Todas elas. Eu dizia que estávamos dispostos a fazer qualquer coisa, desde que sobrevivamos como entidade e tenhamos uma parte importante do capital e da gestão.

EXAME - Mas a Corus também não vê a CSN como uma produtora de baixo custo?

Steinbruch - Não. A conversa foi a mesma com a Corus, com a Arbed, com a Thyssen e com a Bethlehem Steel: a gente faz negócio, compra, fusão, o que for. Mas a gente fica como sócio de longo prazo, estrategista, com importância reconhecida tanto no capital como na gestão. Falamos disso com a Corus e ela aceitou conversar nessa base. Foi por isso que demoramos tanto tempo nessa negociação. Eles são seis vezes maiores em faturamento. Quatro vezes em produção. Têm 200 anos de história. Há 400 PhDs dentro da Corus. Eles são muito bons no que fazem e nós reconhecemos isso. E eles reconhecem a produtividade da siderurgia brasileira -- não só a nossa. O Ebtida das empresas européias está por volta de 10%, o da indústria brasileira está por volta de 30% a 40%. O nosso é acima de 40%. Somos benchmark mundial em termos de Ebtida. Eles são grandes, estão no primeiro mundo, mas não têm resultado.

EXAME - Aliás, a Corus vem tendo prejuízo já há algum tempo...

Steinbruch - Tem. Eles estão procurando e reconhecendo nossa competitividade internacional. Quando vieram aqui, se surpreenderam. Diziam que nunca tinham visitado uma usina tão automatizada e moderna quanto a de Presidente Vargas. Estávamos procurando a internacionalização, e eles, resultado -- por isso saiu negócio. Por que tivemos uma condição tão favorável na negociação? Porque a margem de contribuição da CSN é pouco menor que a margem de contribuição da Corus, apesar de eles serem muito maiores. Com relação aos resultados da Corus, nos anos de 1996, 1997 e 1998, a empresa ganhou dinheiro. Muito dinheiro mesmo. Fizeram um balanço fantástico. Em 1998, a libra esterlina se fortaleceu, a Inglaterra ficou fora da Comunidade Européia. Em 1999, tiveram um prejuízo grande, por conta da moeda. Ficaram fora de mercado porque perderam capacidade exportadora. E a British Steel era tremendamente exportadora. No mesmo ano, 1999, a Corus fez uma fusão com a Hoogovers, holandesa. A Hoogovers é o espelho da CSN na Europa. Tínhamos contato com eles desde a privatização -- nos davam assessoria para altos-fornos, para templates. Eles se juntaram e começaram a fazer uma reestruturação que permitisse, apesar da diferença da moeda, que a Corus fosse competitiva na Europa. Fecharam uma unidade grande, demitiram 10 000 pessoas em 2000 e 2001 e estão finalizando a fusão em 2002. Serão competitivos com a gente ou sem a gente a partir de 2003.

EXAME - Tem uma coisa estratégica que é a mina, a Casa de Pedra...

Steinbruch - Mas a mina fica dentro da nova empresa. É verdade que é um diferencial, mas ele vai ser explorado dentro do grupo. E faz diferença.

EXAME - A criação da holding TopCo vem sendo questionada...

Steinbruch - Ela não é holding. É uma empresa-espelho da CSN. O que a gente está fazendo é criar uma CSN global. Teremos uma assembléia que vai migrar os acionistas da CSN para essa empresa. Com a mesma condição de capital, mesma estrutura, tudo igual. A CSN global fica como dona da CSN. Ela vai dar ativos da CSN para a Corus, que vai emitir ações da nova empresa para a CSN Global. De tal forma que a CSN Global passa a ter 37,6% da nova empresa. Aqui vão ativos e passivos para a Corus. E a Corus paga esses ativos e passivos com ações.

EXAME - Por que não uma troca direta?

Steinbruch - Porque a gente queria ter uma governança forte na companhia. Se eu fizesse uma troca de ações pura e simples, a CSN seria diluída. O maior acionista dessa nova empresa seria a Vicunha Siderurgia, com 17,8%. O segundo seria o BNDES, com 8%. O terceiro, com 5%. A gente continuaria sendo maior. Mas com 37,6% a gente tem o veto. Com mais de 25%, a empresa tem o direito a veto. Conseguimos indicar quatro conselheiros em 12, dois executivos em oito, presença nos quatro comitês da companhia -- remuneração, nomeação (qualquer nomeação e promoção tem de passar pelo comitê, e a gente tem um dos três votos), auditoria e meio ambiente. Tudo funciona por unanimidade -- tanto nos comitês, quanto no board. Se tenho 36,7% da companhia, tenho muito mais força.

EXAME - Isso é bom para os minoritários?

Steinbruch - É bom.

EXAME - As ações da CSN Global não tendem a ser menos valorizadas que as ações da CSN Corus?

Steinbruch - Acho que é o contrário. Se fosse uma holding, a resposta não é nem sim. É talvez. A liquidez dela vai continuar igual. Será listada aqui e lá. Vamos trabalhar com três moedas: euro, dólar e libra. Vai ter uma arbitragem natural. Não tem nada mais do que as ações dentro dela. Acho que ela tende a ter muita liquidez e permitirá que instituições que não têm acesso ao mercado externo possam fazê-lo por meio da CSN Global.

EXAME - Já surgiram informações de que alguns minoritários estão se colocando contra...

Steinbruch - Eles não conhecem a operação.

EXAME - Não são 80% que têm de migrar?

Steinbruch - Não. São 50% mais um. A gente vai fazer explicações tantas quantas forem necessárias para minoritários, para bancos, para governo, para o que for. Porque a operação é essa. Ela é transparente e limpa como isso. E a reposta é essa: eu poderia fazer uma troca pura e simples, só que eu teria 17,6%. Não era isso o que a gente queria. A gente queria ter uma posição forte. Então o segredo desse negócio é a gente ter 37,6%.

EXAME - Vocês podem vender, não podem?

Steinbruch - Podemos. Esses 37,6% são tão fortes dentro da prática inglesa que eles vieram discutir com a gente e falar: "Olha, a gente está fazendo o negócio para valorizar o ativo para todo mundo. Se vocês quiserem manter os 37,6% vai ser uma distorção tão grande da realidade do mercado acionário inglês, que o mercado vai castigar a gente". Temos os 37,6% só para class one transaction. O que é isso? Fusão, incorporação, venda, qualquer coisa assim, a gente vota com 37,6% na assembléia. Para o resto, votamos com 29,9%. Para fazer parte do rol de melhores companhias listadas da Inglaterra - nas quais os fundos podem investir - temos de estar enquadrados dentro das regras inglesas. Foi isso que fizemos. Quando sentei pela primeira vez para negociar com os caras, pedi 50% mais um. Mas, se fosse assim, os ativos seriam desvalorizados. A gente teve uma discussão dura, no limite, para que pudéssemos ter uma avaliação favorável do mercado europeu e conforto em termos de governança. Essa foi a dificuldade da discussão. Temos uma participação completamente diferenciada. Se você analisar as 100 melhores empresas listadas, não vai encontrar nenhuma que tenha 37,6%.

EXAME - Você pode vender até 25% e continuar com o poder de veto, não é isso?

Steinbruch - Não. É mais do que isso. De 37,6% até 25,1%, nós podemos vender e manter os mesmos direitos. Se ficarmos abaixo de 25,1% perdemos o veto e alguns direitos. Mas de 3,7% a 25,1%, podemos vender que não acontece nada. Tem uma limitação. Podemos vender 3% ao ano em condições normais ou 6% se necessário, em função de maus resultados. Ter um ano infeliz, ou dois anos infelizes, por exemplo. Se acontecer alguma crise, qualquer coisa assim, podemos vender mais para honrar os compromissos.

EXAME - Você pretende manter essa participação?

Steinbruch - Pretendo.

EXAME - A Vicunha Siderurgia tem uma dívida razoável, que precisará honrar. E a partir de 2003 os vencimentos das debêntures são bem mais pesados...

Steinbruch - Não, são iguais. Em 2003, 2004, 2005, são mais ou menos 300 milhões de reais por ano.

EXAME - Para poder pagar isso você vai precisar ter dividendos...

Steinbruch - E que dividendos!

EXAME - Você está confiante que conseguirá tudo isso?

Steinbruch - O business plan mostra que sim.

EXAME - O temor do mercado é que você venda sua participação para pagar as dívidas...

Steinbruch - Só posso vender nessas condições. O que eu tiver de liquidez é para abater do total da dívida. A política de dividendos que a gente conseguiu é 40%. Podemos ter uma política de dividendos mais agressiva a partir de 2004. Nessa negociação teve o seguinte: dissemos que faríamos o negócio dentro dessas condições de governança e de capital e dissemos também que nosso negócio é aço. Então, eles teriam de sair de aço inoxidável e de alumínio, para que pudéssemos fazer a melhor empresa do mundo, a mais competitiva em aço.

EXAME - Esses ativos eles já venderam...

Steinbruch - Já venderam o negócio de aço inoxidável e anunciaram a venda do alumínio. Com isso, o endividamento deles vai lá para baixo. Então, a empresa nova nasce com quase nada de dívida. De acordo com o business plan conservador que fizemos, é possível ter uma remuneração desejável por meio da distribuição de dividendos para abater a dívida da Vicunha Siderurgia. Se não der certo, temos esse seguro da venda. Se você pegar o valor da companhia, 6,7 bilhões de dólares, qual você escolhe?

EXAME - Eu vi 6 bilhões...

Steinbruch - Vamos supor que a gente passe de 37,6% para 25%. São 720 milhões de dólares que vão para a CSN Global, que irá distribuí-los na proporção dos acionistas. Temos quase metade, então seriam 340 milhões de dólares. Com 340 milhões de dólares, pagamos três anos e meio de dívida. Sem nenhum dividendo. Se, depois de três anos e meio, a gente não conseguir nenhum dividendo, é porque realmente fizemos um péssimo negócio. Tenho certeza de que não é o caso.

EXAME - Existem algumas resistências em relação ao negócio. Do BNDES, de outros credores.

Steinbruch - O BNDES não precisa aprovar a operação. O que acontece é o seguinte: precisamos mudar as garantias aos credores. Hoje, eles têm como garantia as ações da CSN. Depois do deal, as garantias serão da CSN Global. Meu argumento é que a CSN hoje negocia 2 milhões de dólares por dia. A Corus negocia 30 milhões de dólares por dia. Quanto aos acionistas minoritários: existe um prêmio enorme no início da operação para todos os acionistas. Se você pegar o valor do anúncio do deal, tinha um prêmio para os acionistas da CSN de 600 milhões de dólares. Para todos, divididos igualmente. Além de haver maior liquidez, há maior valor para o credor. Acho que é muito melhor. Agora, cabe a nós convencê-los. A gente tem de trocar a garantia e isso está sujeito à aprovação do BNDES e dos demais credores. A gente tem que convencê-los de que é o melhor negócio do ponto-de-vista do crédito.

EXAME - Vamos falar um pouco sobre a CSN. Lembro de que no dia do anuncio, o senhor disse que haveria investimentos de 1 bilhão de dólares

Steinbruch - No memorando de entendimento está escrito que haverá investimentos imediatos de 300 milhões de dólares. Para porto, mina e ferrovia. A CSN tem dois projetos antigos: o alto-forno 4 e o projeto de Itaguaí, que são conhecidos do mercado. Como são os melhores projetos, a lógica empresarial diz que, se fizermos a fusão, os primeiros investimentos em aumento de capacidade serão feitos neles. Assim como serão feitos investimentos na Inglaterra, para buscar sinergia para o aumento de produção aqui. Não é que vamos fazer investimentos aqui e deixar coisas lá. Vamos fazer investimentos aqui e lá. A idéia é ter, num primeiro momento, algo em torno de 25 milhões de toneladas, as duas empresas juntas. Nosso negócio não é ser o maior, é ser o melhor. É aquilo que eu te falei, ter o melhor Ebitda do setor, ser referência em termos de valor e ser a melhor companhia reconhecida pelo mercado em valor. O número ideal seria 33 milhões de toneladas. E pretendemos chegar lá, investindo aqui e lá. Para fazer esses investimentos, principalmente aqui, eles fecharam uma unidade enorme lá.

EXAME - O que gerou polêmica é que, logo depois do anúncio, as ações da Corus caíram. E o CEO deu uma declaração dizendo que os planos de expansão no Brasil não eram firmes.

Steinbruch - Eles virão para o Brasil. Isso trará a oportunidade de discutirmos isso em público. Propus esse negócio para crescer. Vamos aumentar esses 25 milhões de toneladas. E dentro de uma lógica empresarial. A lógica diz que o Brasil é competitivo. A lógica é que se faça aqui e que se ganhe mercado lá. Temos a possibilidade de ganhar market share por meio de nossas sinergias. Podemos explorar os Estados Unidos, a América Latina. Esse negócio está sendo feito para ganhar produção, valor.

EXAME - E a história do pau- brasil? O senhor viu o artigo que diz que a CSN pode virar exportador decommodities. O senhor, como representante dos controladores da CSN, uma empresa privada, tem o direito de fazer absolutamente o que quiser. Mas é inegável que há uma certa polêmica quanto ao valor que vai trazer para o país. [Em artigo de George Vidor, no "Jornal Brasil", intitulado "Pau-brasil", comentou-se que há um grande risco de o Brasil virar um exportador de commodities. No caso, a CSN passaria a exportar aço para que a Corus fizesse produtos de maior valor agregado na Inglaterra.]

Steinbruch - Mas está errado. Sabe por quê? O problema é que não posso dar números para você, mas a gente exportou no ano passado 265 milhões de dólares. Vamos praticamente duplicar as exportações neste ano. Somos exportadores de placa, de todo o tipo de produtos, inclusive os de maior valor agregado como a folha de flandres. Já somos um exportador tradicional de produtos de valor agregado de muita qualidade. Fizemos investimentos de 2,3 bilhões de dólares nos últimos sete anos na usina para conseguir chegar nisso. Não tem como reverter isso. A CSN é uma realidade. Vamos acrescentar outras coisas. Esse negócio de pau-brasil não existe. Tanto que os caras chegam aqui e ficam babando na usina Presidente Vargas. A gente tem um pouco de complexo de inferioridade. Concordo que não temos de ser exportador de commodities. Não somos. Hoje, se vendermos 500 milhões de dólares, já seremos um dos principais exportadores do Brasil. Se conseguirmos dobrar isso em dois, três anos... pôxa! o que a gente quer mais? Nunca seremos exportadores de commodities. Nunca fomos, não somos e não seremos.

EXAME - Vamos supor - e é só uma suposição - que o negócio não se concretize.

Steinbruch - Estamos trabalhando nessa linha também. Temos um memorando de entendimentos.

EXAME - O que acontece?

Steinbruch - Quando assinamos o memorando de entendimentos, avisamos para todo o nosso pessoal que isso é um deal considerado ideal. Mas que, se não acontecer, continuamos a buscar ganhos de produtividade. Vamos surpreender o mercado com o Ebitda no fim do ano. Procuramos fazer as coisas da seguinte maneira: se acontecer a fusão, ótimo. Se não, ótimo também.

EXAME - Se não acontecer, você acha que a CSN, do tamanho que ela é hoje, sobrevive a longo prazo?

Steinbruch - Sobrevive. Vai ser sempre uma jóinha. Pequenininha, com a margem de Ebitda maior do setor, com ganhos grandes, mas sempre suscetível à oscilação de fluxo de capital, crédito, mercado. A gente vai ficar uma jóinha regional. Para os Estados Unidos, acho que demora ainda um ano e meio, dois anos. A gente está insistindo lá, mas...

EXAME - Mas vocês continuam com os planos de...

Steinbruch - Continuamos e nos memorandos de entendimento está especificada a prioridade dos investimentos nos Estados Unidos.

EXAME - Você é considerado um executivo centralizador.

Steinbruch - Mas não acho ruim isso.

EXAME - E você acha que vai conseguir isso lá?

Steinbruch - Acho que lá é outro perfil. Vou ser chairman, certo?

EXAME - Certo. A partir de 2004, você se transforma nochairmanda companhia. Você vai morar em Londres? Uma curiosidade: precisa ser "sir" para assumir esse cargo? "Sir Steinbruch"?

Steinbruch - Os ingleses, quando atingem um posto alto dentro dessas companhias grandes, ganham o título de sir. Quem não é inglês não pode ter o título. Eles têm um outro título. Vou continuar sendo Benjamin, brasileiro, com a minha bandeirinha do Brasil na minha mesa. Isso não muda nada.

EXAME - Você está indo para um hábitat diferente. Você foi chamado de barão do aço e tal, mas sempre esteve no Brasil, comandou empresas brasileiras com executivos brasileiros, em ambiente brasileiro, com relacionamento brasileiro. Como é que você vê essa mudança?

Steinbruch - Vou te contar uma historinha: tenho uma bisavó que, em 1906, migrou para a Inglaterra com dois filhos - um de 14 anos e outra de 3 anos - e deixou 4 filhos na Bessarábia. Tinha ficado viúva, aos 36 anos, e foi para a Inglaterra fazer a vida e trazer comida para os outros filhos. Essa menina de 3 anos é a minha avó. Então minha bisavó e minha avó estão enterradas em Londres. Minha bisavó morreu com a gripe espanhola. Minha avó ficou oito anos na Inglaterra e saiu de lá para reencontrar os irmãos. Fui visitar o túmulo da minha bisavó e pensei: se a minha bisavó em 1906 conseguiu vencer - hoje estamos aqui graças a ela -, por que eu, em 2002, com muito mais condições e preparo, não vou conseguir? Não tenho medo. Sei que vai ser tudo diferente e será uma empresa nova. Mas me sinto preparado. Estou com todo o meu gás. Vou com humildade para aprender e com uma grande experiência. Trabalho desde os 18 anos. Fiz de tudo, não tive nenhuma moleza para chegar aonde cheguei.

Acompanhe tudo sobre:[]

Mais lidas

exame no whatsapp

Receba as noticias da Exame no seu WhatsApp

Inscreva-se

Mais de Negócios

Mais na Exame