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Mascate Matarazzo

Leia abaixo mais trechos do livro Matarazzo de Ronaldo Costa Couto. De novo o final de 1881, Sorocaba. Francesco tem instrução secundária completa. É ótimo nas contas, um fenômeno em velocidade e memória. Sabe escrever com objetividade e clareza. Letra bonita, firme, facilmente legível, esperta. Teve boas escolas em Salerno e na nanica Castellabate. Sabe […]

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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.

Leia abaixo mais trechos do livro Matarazzo de Ronaldo Costa Couto.

De novo o final de 1881, Sorocaba. Francesco tem instrução secundária completa. É ótimo nas contas, um fenômeno em velocidade e memória. Sabe escrever com objetividade e clareza. Letra bonita, firme, facilmente legível, esperta. Teve boas escolas em Salerno e na nanica Castellabate. Sabe muito de negócios. Tem sagacidade, criatividade, visão telescópica, vontade, firmeza de atitudes. Sabe pensar e agir com pragmatismo e objetividade. E também trabalhar duro. Pragmático, reconhece que tem de começar do jeito que pode. Em algo compatível com seus objetivos, recursos, experiência e, claro, projeto de vida.

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Feitas as avaliações e as contas, aplicou o que sobrou do milhar de liras que trazia na compra de mercadorias e pequena tropa de animais de carga. A economia sorocabana ganha um mascate trabalhador e ladino, de sorriso fácil e fala difícil, enroladíssima.

Então o miliardário Matarazzo foi mesmo tropeiro? Sim. Não no sentido de quem conduzia, vendia e comprava tropas de muares e/ou de eqüinos Brasil adentro. Mas na acepção de dono e condutor de tropa cargueira comercial. De bruaqueiro. Foi o que o minguado capital inicial permitiu e o poderoso faro comercial captou.

Já se disse aqui: "O sapo não pula por boniteza, porém por precisão". A necessidade era o principal adubo da ação. E seu realismo o fixador de limites. Faltava-lhe cacife para mais e também precisava conhecer melhor seu novo mundo. Queria abrir um armazém de secos e molhados. Tinha de trabalhar duro e ganhar dinheiro, mas também sentir o terreno, apresentar-se, juntar experiência. Meredith [1831-91]: "O gênio faz o que é preciso e o talento faz o que pode".

Seu capital principal era ele mesmo. A experiência, a cabeça privilegiada para negócios, a simpatia e carisma, a saúde de ferro, a disposição de trabalho. Algum conhecimento, talento para identificar, criar, organizar, administrar e empreender. Fibra, inteligência, sorte. "Para ter êxito é preciso dispensar atenção a cada detalhe", dizia. A força e a coragem valem menos sem a prudência.

Novamente a historiadora Lucy Maffei Hutter, em 22 de março de 2002:

Lá vai Francesco Matarazzo com sua tropazinha de carga, resumido comboiozinho de três ou quatro mulas. Solteiro, apesar de morar com a brava Filomena e os dois filhos, chama a atenção pelo porte atlético e boa aparência. É visto como homem bom de negócio, de palavra, correto, enérgico. Sadiamente boêmio, racional e audacioso nas compras e vendas, mas nunca inconseqüente. Em tudo pensava e tudo media, mas decidia depressa. Muita informação, muito raciocínio, muita intuição.

Lá vai o elegante, bem-disposto e bem-humorado descendente do doutor Tiberio Matarazzo, nobre médico do imperador Carlos V, engarranchado no arreio da besta predileta. Iniciante? Que nada! Conhecia o meio rural, convivia com ele na Itália.

Burros, mulas, cavalos e companhia faziam parte de seu dia-a-dia em Castellabate. Nas andanças pela região e propriedades, no transporte de bens, para subir e descer do cocuruto do morro em que morava. Até a mulher, Filomena, era do campo. Mas jamais quis ser fazendeiro, preferia o comércio.

Aonde vai ele agora? Aos lugares daquele mundão sertanejo em que pode mascatear, conhecer e tornar-se conhecido, ganhar dinheiro, capitalizar-se para outro passo: abrir negócio fixo em Sorocaba. Uma casa de comércio. Criar ponto de partida firme para o grande vôo que sonha fazer. Roberto Moreira:

Montado numa besta indócil e recalcitrante, que só ao seu dono permitia assento, lá se ia ele pelas solidões dos descampados infindos, exposto ao rigor das intempéries, ao sol, ao vento e à chuva, seguido apenas de um jovem capataz, à guisa de escudeiro, encarregado de levar-lhe a bagagem e de abrir-lhe as porteiras.

Esse capataz é o português Machado, sujeito fiel, entusiasmado, sem preguiça.

Velho provérbio toscano: "Voglio piú tosto un asino che mi porti, che um cavallo che mi getti in terra". Prefiro um burro que me carregue do que um cavalo que me jogue no chão.

O primogênito de Mariangela Jovane sabe que não pode falhar. Muitas bocas, bolsos e sonhos dependem dele. Começa cauteloso, tateando os campos de forma bem pedestre, medindo cada passo. Botas nos estribos, cabeça nos negócios. Vendendo, comprando e fazendo trocas no meio rural, viaja por toda a região. Peregrina pelo campo, visita os fazendeiros e agregados, os povoados, os arraiais. Início áspero, por caminhos difíceis, atrás das roças caipiras. Impõe-se pouco a pouco. Visão e tino comercial, trabalho, habilidade, astúcia e criatividade. Mais: pragmatismo positivo e atitudes firmes. Iniciante ali, mas não principiante em comércio.

Manhas

Hábil mercador, não espera que lhe batam à porta para vender o que tem ou para comprar o que precisa. Não se poupa, não dá vez à preguiça. Tem suas manhas e truques. Por exemplo: vai diretamente ao produtor. Evita comprar de terceiros, queima etapas, gasta menos.

Correto, simpático, esmera-se na conquista da confiança da dispersa freguesia rural. Gente simples e leal, mas o seu tanto desconfiada. Nunca falta à palavra empenhada. Sabe que a confiabilidade é fundamental ao tropeirismo e valor alto naquele meio. Palavra de homem valia muito, fio de bigode era garantia maior do que papel assinado.

Com a tropazinha e como os velhos tropeiros, Matarazzo porta muito mais do que dinheiro e mercadorias. Ele ajuda em tudo. Leva e traz notícias, às vezes cartas, recados. Também receitas, remédios e outras encomendas. Realizava-se na disputa, divertia-se. Conforme o brasilianista Warren Dean, sua energia e capacidade de competir eram proverbiais. E teria conquistado alguns dos primeiros fregueses em Sorocaba, enquanto praticava seu esporte favorito: a caça a cavalo.

Preempção

Conhecia bem homens e porcos. Sabia quando um suíno apresentava bom potencial de lucro. Diz a lenda que comprava rebanhos a prazo dos fazendeiros, a quem encarregava de vendê-los à vista e mais caro a eventuais interessados. Se saía algum negócio, embolsava a diferença, muitas vezes sem ter aplicado um só centavo. Em caso negativo, pagava pontualmente o combinado, cumpria o trato. Operando em escala cada vez maior, conseguia animais a preços mais baixos. Mais: com a tal compra antecipada, tirava dinheiro dos próprios concorrentes, que compravam a preço mais alto.

A palavra preempção vem do latim e quer dizer aquisição antecipada, precedência na compra ou opção de compra. Portanto, nada de novo sob o sol. Exceto que o esperto Matarazzo, se não conhecia a palavra, dominava e aplicava o mecanismo com engenho e arte.

Um dos segredos do sucesso dele foi exatamente a introdução em Sorocaba e região de sistema inovador de compra e venda a prazo, que acelerou a capitalização de seus negócios. Não ficava apenas atrás do balcão. Pensava grande e longe, inventava atrativos, saía atrás de clientes, tratava de conquistá-los. Difundiu, inclusive, o uso de cadernetas de compras a crédito.

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