Diversidade nos Jogos de Tóquio é histórica. Ela pode impactar sociedade?
A participação de atletas mulheres e LGBTI+ nunca foi tão alta nas Olimpíadas. O exemplo dos Jogos pode reforçar o tema nas empresas, mas há desafios, dizem especialistas
Luísa Granato
Publicado em 2 de agosto de 2021 às 07h53.
Última atualização em 2 de agosto de 2021 às 09h56.
Por Luísa Granato, Maria Clara Dias e Marina Filippe
Essa pode ser considerada a Olimpíada do protagonismo feminino. Pelo menos no Brasil. Das 10 medalhas conquistadas pelo time brasileiro em Tóquio, seis são de mulheres. Dos 302 atletas brasileiros, 141 são mulheres, uma proporção de 47%. E essa é uma proporção superior à vista na última edição, quando mulheres eram 43% dos atletas da congregação brasileira.
A diversidade histórica, ao menos no quesito gênero, não é exclusividade do Brasil nos Jogos de Tóquio. Em 2020, o número de integrantes mulheres no COI, o comitê organizados dos Jogos, aumentou 50% em relação a 2013. Elas são agora 37,5% dos funcionários do COI. A quantidade de mulheres nas comissões do COI também dobrou no mesmo período, e elas passam a ser 47,8% dos membros.
Entre os atletas, as mulheres representam 48,8% dos participantes. É a maior participação feminina da história. Em 2016, a representação feminina era 45%, um avanço significativo quando comparado, por exemplo, com 1980, onde elas eram 21,5% do total, segundo o COI.
A edição atual dos Jogos Olímpicos também é a primeira na qual competem atletas transgêneros e é, sem dúvida, a edição que soma o mais número de atletas que se declaram publicamente LGBTI+.
De acordo com um levantamento feito pelo OutSports, os Jogos têm 160 atletas lésbicas, gays, bissexuais, transgêneros, queer e não binários assumidos. As duas últimas edições (2012 e 2016) tiveram, juntas, 79 atletas.
Um desses atletas é o jogador da seleção brasileira masculina de vôlei Douglas Souza, que se tornou um fenômeno nas redes sociais com mais de 2 milhões de seguidores no Instagram.
Impacto nas empresas
A visibilidade dos temas de diversidade em Tóquio pode ajudar a causa a ganhar maturidade, seja no ambiente empresarial ou na sociedade como um todo? Há quem aposte nisso.
“Há tempos as empresas já discutem diversidade e, de um ano para cá, isso ficou ainda mais forte”, diz Liliane Rocha, fundadora e CEO da Gestão Kairós, consultoria com foco em sustentabilidade e diversidade. “Grandes eventos como as Olimpíadas devem reforçar isso a longo prazo.”
Em função da visibilidade que as discussões sobre diversidade — seja ela de gênero, racial ou de orientação sexual — têm tido nessa Olimpíada, algumas empresas já assumiram a dianteira ao decidir unir esporte e representatividade. Na última semana, a companhia aérea LATAM anunciou a jogadora de futebol Marta como a mais nova líder global de diversidade e inclusão da empresa.
Apesar da empolgação com a representatividade inédita em Tóquio, Liliane destaca a necessidade de se ter certa cautela ao analisar as repercussões que isso pode ter no ambiente empresarial. Para ela, ainda é cedo para dizer que passaremos a ser mais inclusivos quando, na verdade, esse tema ainda engatinha no próprio esporte.
“A Marta, por exemplo, virou líder de diversidade em uma grande empresa, mas não é patrocinada por nenhuma marca”, diz a especialista. “Se entre os próprios atletas ainda não vemos uma igualdade de participação e patrocínio entre mulheres e homens e cis e LGBT, como podemos gerar um resultado direto de transformação nas empresas?”
Segundo um levantamento feito pela ONU Mulheres, o salário anual de um jogador de futebol é de 43,8 milhões de dólares. Do lado feminino, seriam necessárias 1.693 jogadoras das sete principais ligas do mundo para se chegar ao mesmo montante.
Ainda é muito para avançar, mas o primeiro passo já foi dado. Com a mobilização — e interação — que surge como consequência das redes sociais, o público pode trazer mudanças reais ao pressionar marcas e delegações por mais diversidade. Mesmo sem medalhas, os atletas olímpicos estão especialmente comprometidos com a causa.
Emocionada com a vitória da Rebeca no domingo, no salto, a ginasta Daiane dos Santos comentou sobre as barreiras colocadas para os negros no esporte: "Durante muito tempo não poderia ter uma ginasta [negra], diziam que as pessoas negras não poderiam praticar esportes. E hoje, a primeira medalha para uma menina negra. Tem uma representatividade muito grande por trás de tudo isso”, disse.
Sem perfil de campeão
O propósito, segundo Liliane, é ampliar essas discussões e ter escuta ativa quando os atletas trazem à tona temas como saúde mental, racismo e desigualdade salarial. “O momento é esse. Os temas estão em alta e ter isso mostrado por grandes atletas é o ponto de partida para que isso chegue às empresas”, diz.
Para Ana Bavon, CEO da B4People, consultoria de transformação cultural guiada pela diversidade, a grande lição que os Jogos de Tóquio deixam para o mundo é a desmistificação de vários vieses inconscientes.
Bavon aponta que várias modalidades tiveram suas apostas “certeiras” de perfis vencedores, e a diversidade acabou surpreendendo ao subir no pódio. Mulheres negras ou pessoas LGBTQIA+ ativistas, por exemplo. É cada vez mais comum encontrar perfis de atletas diferentes do que se imaginava.
“Não existe perfil para um campeão. Existe habilidade, que pode estar em qualquer lugar e em qualquer pessoa. Todo mundo pode chegar ao pódio, desde que se equalize o acesso”, diz Bavon.
Na competição esportiva, as medalhas são conquistadas pelos atletas que tiveram o melhor desempenho. As regras são claras e para todos. Nas empresas, as mudanças mais essenciais não serão resultado só da diversidade, mas da inclusão.
“A diversidade é nossa composição humana, nós somos diversos. Mas a partir do marcador social que cada um carrega, essa diversidade pode ser traduzida em vulnerabilidade social, desigualdades e tudo mais. Mas o que de fato pode fazer com o potencial está conectado com a cultura da organização”, diz.
Há, claro, muitos desafios para transformar o momentum da diversidade nas Olimpíadas em conquistas reais dentro desse tema na sociedade. O potencial da diversidade dentro da empresa é conseguir trazer todas as pessoas para debates estratégicos, onde exista mais inovação e mais conexão. Para isso, diz Bavon, é necessário criar um ambiente de inclusão, segurança psicológica e que promova o crescimento de qualquer pessoa.
Efeito manada
Mia Lopes, fundadora do canal AfroEsporte, laboratório de conteúdo online sobre atletas negros brasileiros, os Jogos de Tóquio estão especiais por terem vindo depois da pandemia e dos protestos raciais mundo afora após a morte do jovem negro americano George Floyd, em maio do ano passado. “A diversidade nos Jogos é histórica”, diz Lopes. “Isto gera um efeito manada que mostra o potencial de ser você mesmo.”
As empresas estão de acordo com as tendências da sociedade e devem replicar em alguma medida a mensagem dos Jogos, diz a especialista. A questão é entender o tamanho desse impacto no dia a dia das empresas. “Quanto mais próximo do dinheiro, do poder de decisão, menos pessoas pretas e diversidade como um todo você vê”, diz Lopes. “Vai acontecer um impacto, mas num ritmo diferente”.
Para a especialista, vai demorar algum tempo até certas distorções serem corrigidas. “Se pensarmos em patrocínio, por exemplo, os homens são mais patrocinados”, diz ela. “Marta e Formiga (jogadoras da seleção feminina de futebol do Brasil), por exemplo, estão mais distantes da aceitação das marcas”, diz. “Não só por serem mulheres, mas também negras e lésbicas.”
Ao que tudo indica, o momento é de celebração pela diversidade nas Olimpíadas de Tóquio. E, ao mesmo tempo, de reflexão sobre como tornar perene o impacto da mensagem dos Jogos.
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