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Decisões da Ambev impulsionaram as microcervejarias

A cerveja Frevo, de um ex-distribuidor da Ambev, conquistou 20% do mercado pernambucano em três meses

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h40.

As novas marcas de cerveja já detêm quase 10% dos 14 bilhões de reais que o mercado de cerveja movimenta anualmente no Brasil. "É impressionante a rapidez com que marcas pequenas e médias estão surgindo", diz o economista Luiz Osório, do Ibmec do Rio de Janeiro, responsável pela área de análise de empresas do instituto. O que explica isso? Uma das causas é a própria origem da Ambev. Ao ser criada, a empresa abriu caminho para que bons profissionais, antes a seu serviço, migrassem para novos negócios. Dois fatores foram decisivos. Um foi a decisão da Ambev de deixar de contar com uma distribuição terceirizada e criar sua própria estrutura. O outro foi o ajuste natural no quadro de pessoal, que liberou no mercado dezenas de profissionais bem treinados.

Ter sido distribuidor da Brahma ou da Antarctica faz parte da história da maioria dos donos das novas cervejarias. "O conhecimento da distribuição é a chave desse negócio", diz Adalberto Viviane, da Concept, consultoria paulista especializada em bebidas. A pernambucana Frevo é um caso exemplar. A empresa foi criada em 1963 pelo caminhoneiro pernambucano Aurino Wanderley para ser uma distribuidora de bebidas, então batizada de DGB Guararapes. Wanderley ganhara experiência em distribuição de uma forma bem rudimentar. Na juventude, vendia bebidas pelo interior de Pernambuco tomando emprestado o caminhão do seu pai. O negócio prosperou e, no final dos anos 60, Wanderley se transformou no maior distribuidor da Brahma no estado.

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Em 1999, após o fim da distribuição terceirizada da Ambev, Wanderley ficou com a maior parte da sua frota de caminhões desocupada. "A partir de então a distribuidora passou a estudar alternativas para ocupar sua frota", diz Dante Peló, diretor de marketing da Frevo. A empresa, que já tinha uma marca própria de refrigerantes, fez uma associação com o banco Icatu, do Rio de Janeiro, para estendê-la a uma linha de cervejas. Em julho do ano passado, após dois anos de estudos, a cerveja Frevo foi lançada. Em apenas três meses, o produto conquistou 20% do mercado no estado.

Parte desse resultado foi conseguido com a experiência dos funcionários responsáveis por tocar a fabricação -- quase todos eles são ex-funcionários da Brahma. É o caso do gerente comercial Daniel Brandão, um pernambucano de 36 anos formado em marketing e psicologia. Antes de trabalhar na Frevo, Brandão ocupou o posto de gerente de operações da fábrica da Brahma em Recife. Quando houve a fusão, a Brahma reduziu seus gerentes de 600 para 60. Brandão foi um dos que deixou a empresa e rumou para a Frevo. "Foi na Brahma que recebi um excelente treinamento de como me relacionar com os clientes", diz Brandão. Esse treinamento previa, por exemplo, que os gerentes acompanhassem os vendedores até os bares, restaurantes e supermercados para ver de perto as necessidades dos clientes.

Outra dessas novas empresas cujo crescimento está na mão de um ex-Ambev é a Lokal Beer. Fabricada desde 2002 na cidade de Teresópolis, na região serrana do Rio de Janeiro, a Lokal vem se firmando como marca regional, com 2,5% de participação no mercado fluminense. A empresa pertence a um grupo familiar que já fabricava, há mais de 30 anos, a Catuaba Selvagem, uma espécie de aguardente de distribuição nacional. Para tocar o negócio de cervejas foi escalado um dos herdeiros da Lokal, o médico Mozart Rodrigues. Ele pouco sabia do assunto, mas um time de ex-funcionários da Brahma tornou a tarefa menos complicada. "Não tivemos dificuldades de encontrar gente bem preparada para montar o novo negócio", diz Rodrigues. "Boa parte dos nossos 250 funcionários veio da Ambev." O gerente industrial da Lokal, por exemplo, é Paulo Pedrinho, um gaúcho de 47 anos, que durante quase três décadas foi funcionário da Brahma e depois da Ambev, onde ocupou o cargo de gerente no Brasil e na Venezuela. Em 2001, ele deixou a companhia para trabalhar na Lokal. Pedrinho, que tem no currículo o diploma de um curso de mestre cervejeiro na Alemanha (pago pela Ambev), conta ter replicado na Lokal tudo o que aprendeu no emprego anterior. "Usamos na Lokal as mesmas ferramentas de controle de qualidade, de gestão administrativa e de recursos humanos da Ambev", diz.

A estratégia dessas pequenas cervejarias tem sido operar em regiões próximas a suas fábricas, o que reduz o custo de distribuição e lhes permite praticar preços competitivos. "Além disso, elas oferecem mais facilidades para pagamento e têm margens de lucro menores que as Ambev", diz Norton Lenharte, presidente da Federação dos Hotéis, Bares e Restaurantes. Para Marcos Mesquita, superintendente do Sindicato Nacional dos Cervejeiros, a convivência de marcas regionais com rótulos nacionais é uma tendência em todo o mundo. "Nos Estados Unidos, em quase toda cidade com mais de 1 milhão de habitantes, se encontra uma marca local", diz ele. "Os pequenos tendem a ocupar nichos deixados de lado pelas grandes marcas." Mesquita está convencido de que esse fenômeno está se repetindo no Brasil. Os especialistas acham que há ainda muitas oportunidades a serem aproveitadas. O país é hoje o quarto maior mercado consumidor de cerveja do mundo, com o consumo anual de 80 milhões de hectolitros. É o sétimo, porém, em consumo per capita. "Isso indica que há muito espaço para esse setor se expandir", diz o economista Delane Botelho, da Fundação Getulio Vargas, do Rio de Janeiro.

A expectativa do mercado é de que as pequenas marcas terão um crescimento mais expressivo a partir de 2005, em função da recuperação da economia. O primeiro semestre deste ano foi particularmente difícil para todo o setor não apenas pela retração econômica, mas também pelo inverno mais rigoroso e prolongado que o dos anos anteriores, que desestimulou ainda mais o consumo. A Federação Nacional dos Distribuidores de Cerveja e Refrigerantes (Fenadib) estima que as vendas no primeiro semestre tenham sofrido uma queda de 7,5% em relação ao mesmo período de 2003. Em situações como esta, as pequenas cervejarias sofrem mais do que as grandes por terem menos recursos para divulgar seus produtos nos pontos de venda. Os distribuidores acabam sofrendo por tabela já que hoje, em sua maioria, atendem às pequenas cervejarias. "É um efeito em cascata", diz Valdemir Machado, presidente da Fenadib.

Esse cenário, contudo, deve mudar a partir de setembro, quando os termômetros começarem a subir junto com o aquecimento da economia. A expectativa do setor é de que a partir do ano que vem o mercado cresça a taxas de 6% ao ano. Mesmo com a Ambev fortalecida pela fusão com a belga Interbrew, negociada em março deste ano, os especialistas não acreditam que as pequenas cervejarias serão afetadas pelo fôlego maior da concorrente. "O grande salto das pequenas se dará se elas aproveitarem a oportunidade de crescimento deste mercado para conquistar novos pontos de vendas", diz Adalberto Viviane, da Concept. "O mercado vai crescer e vai ser a oportunidade delas crescerem junto."

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