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Alma feminina

Ao se aproximar da consumidora, a Electrolux, número 1 em eletrodomésticos no mundo, tenta encontrar o caminho do lucro no Brasil

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 14 de outubro de 2010 às 13h16.

Elsa, Márcia, Suzana, Deborah. Não, não se trata de títulos de músicas de Chico Buarque, compositor que batizou várias de suas canções com nomes de mulher (lembra da Rita, da Rosa, da Teresinha?). Os nomes acima são usados pela subsidiária brasileira da sueca Electrolux para identificar os projetos de seus novos produtos. "Queremos encontrar a alma feminina", diz o executivo paulista Ruy Hirschheimer, de 54 anos, presidente da empresa. Diferentemente de Chico Buarque, porém, a motivação da Electrolux não tem nada de lírica. Entender o desejo das mulheres pode ser a única saída para que o segundo maior fabricante de eletrodomésticos do país encontre o caminho do lucro.

Líder mundial no setor da linha branca, com faturamento de 13 bilhões de dólares no ano passado, até 1996 o grupo Electrolux fabricava apenas enceradeiras e aspiradores no Brasil. Naquele ano, os suecos investiram 50 milhões de dólares na compra do controle da Refripar (na qual já tinham uma participação de 14%), dona da marca Prosdócimo. Nos anos seguintes, porém, as receitas da Electrolux só fizeram diminuir.

No fim de 1998, Hirschheimer, executivo com carreira iniciada na Alcoa e ex-presidente da Santista Alimentos, do grupo Bunge, foi contratado para comandar a divisão de linha branca da Electrolux no Brasil. Oito meses depois, substituiu o sueco Folke Asell na presidência da empresa, com a incumbência de buscar o retorno que os acionistas estavam esperando. Ou melhor, ainda esperam. Nos últimos cinco anos, a Electrolux acumulou um prejuízo de 135 milhões de dólares. Em favor de Hirschheimer, pode-se dizer que o rombo está menor a cada ano. "Neste ano vamos fechar no azul", diz ele. Para chegar lá, Hirschheimer terá de superar uma perspectiva negativa. No primeiro semestre a empresa registrou faturamento de 469 milhões de reais e novo prejuízo de 48 milhões (para efeito de comparação, a Multibrás, do grupo americano Whirlpool, maior concorrente da Electrolux, contabilizou no mesmo período um prejuízo de 131 milhões de reais).

O que você vai ler a seguir é a história -- ainda inacabada -- desse esforço para virar o resultado.

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Tudo começa com as razões do encolhimento da Electrolux no país. A primeira delas é que o mercado brasileiro de eletrodomésticos da linha branca minguou. O setor alcançou o ápice em 1996, empurrado por uma explosão de consumo gerada pelo Plano Real. De acordo com a Eletros, a associação que reúne os fabricantes de eletroeletrônicos, naquele ano foram comercializados quase 13 milhões de geladeiras, fogões, lavadoras e outros produtos da linha branca. Em 2000, o volume não passou de 8,6 milhões. "A compra da Prosdócimo ocorreu justamente no pico", diz Hirschheimer. "Olhando agora, a gente vê que não foi uma decisão brilhante."

O segundo motivo é que a Electrolux oferecia aos consumidores produtos envelhecidos tanto em termos de design quanto em tecnologia. Um exemplo: enquanto os concorrentes já utilizavam o poliuretano como isolante, a Electrolux permanecia fiel à obsoleta lã de vidro. "A estratégia era muito mais em cima de volume do que de produtos com valor agregado", diz um executivo da concorrência. Muita gente compartilhava dessa opinião. Segundo Hirschheimer, numa de suas primeiras visitas a varejistas ouviu um comentário que o deixou de cabelo em pé. "Disseram-me que as lavadoras de roupa da Electrolux pareciam a Doris Day: podiam ter sido o máximo um dia, mas hoje não tinham mais nada a ver", afirma ele. Mesmo tendo de dividir seu tempo entre o escritório central, em São Paulo, e as seis fábricas da empresa -- duas em Curitiba, duas em Manaus e duas em São Carlos, no interior paulista --, Hirschheimer mantém o hábito de visitar os grandes clientes. "O Ruy não é um executivo de gabinete. Sai a campo para negociar e entender o que o varejo precisa", diz um diretor de uma das maiores redes varejistas do país.

A defasagem dos produtos levou à desvalorização da marca. "Logo que cheguei aqui percebi que a virada passaria pelo resgate da imagem e pelo lançamento de produtos inovadores", diz Hirschheimer. Para isso foi criada uma estratégia de atacar em diversas frentes. A primeira: identificar melhor o seu público-alvo. A empresa foi a campo investigar quem era o consumidor de geladeiras e máquinas de lavar e chegou a uma conclusão um tanto óbvia: são as mulheres que escolhem e muitas vezes bancam a compra dos eletrodomésticos. "Fui aprendendo junto, porque não entendia nada de eletrodomésticos", diz Hirschheimer.

A tarefa seguinte era encontrar o produto que essa consumidora gostaria de ter em casa. Entender os anseios do mercado exigiu inclusive que se criasse um cargo novo na empresa: o de gerente de informações, ocupado desde 1999 pela paulista Mônica Fayad. Cabe a ela transformar as informações coletadas por meio de pesquisas em elementos que possam trazer inovação aos produtos. De posse dos dados, as áreas de design, marketing e engenharia começaram a trabalhar de forma conjunta no projeto Elsa, a primeira geladeira frost free -- isto é, que dispensa descongelamento -- da Electrolux.

A escolha desse tipo de modelo seguiu a lógica das finanças: a categoria frost free, um mercado de 500 000 unidades por ano, cresce mais e é mais rentável que o de geladeiras convencionais -- com preços, em média, 30% superiores. Como não detinha a tecnologia da frost free, a Electrolux buscou ajuda da coreana Samsung. O acordo de transferência de tecnologia custou quase 20 milhões de dólares.

Enquanto isso, engenheiros e projetistas trabalhavam no desenvolvimento do produto. Mais que técnica, algumas inovações exigiram uma mudança cultural. Um exemplo é o novo formato da porta da geladeira, que tem uma faixa côncava de cima a baixo. "As mulheres adoraram o design, mas a primeira reação da engenharia foi dizer que porta, desde sempre, é plana", afirma Hirschheimer.

Até chegar à versão que satisfizesse o desejo das consumidoras, foi preciso criar três modelos. "Quando elas viram o primeiro, disseram que não queriam aquilo nem de graça", afirma Hirschheimer. Apesar de trazer novidades, como um porta-latas -- uma inovação mundial --, aos olhos das consumidoras aquela versão estava longe de ser ideal. "Tivemos de mudar as cores, a iluminação e a disposição de prateleiras e gavetas", diz Luís Fernando Zeni Filho, designer da Electrolux. Mexe daqui, arruma dali e o Elsa finalmente chegou ao mercado em outubro de 2000, embalado por uma campanha de marketing em que não faltavam belos modelos masculinos sem camisa. "Tinha consumidora que ligava para o SAC pedindo o número do telefone dos modelos", diz Dante Bueno, gerente da divisão de serviço ao consumidor.

Qual o resultado? Em seis meses a Electrolux conquistou 50% do mercado de frost free. O retorno do investimento no projeto, inicialmente previsto para acontecer em 18 meses, levou apenas seis. A opinião dos representantes do varejo é um bom termômetro das mudanças da Electrolux. "A empresa está mais agressiva, lançando novos produtos. Aqui a gente percebe que a participação da Electrolux aumentou bastante", afirma Samuel Klein, dono da Casas Bahia.

A mesma estratégia serviu para turbinar os lançamentos de lavadoras de roupa. Segundo Hirschheimer, quan do ele assumiu a empresa havia apenas um modelo de lavadora. Hoje são dez -- três deles lançados em novembro, marcando a entrada da marca na faixa de menor capacidade (5 e 6 quilos). Muitas das características desses produtos decorrem das pesquisas feitas com consumidoras. Exemplos: a tampa tem visor para que a usuária possa observar a lavagem, os comandos são fáceis de ser operados (ao contrário da mulher asiática, a brasileira não quer saber de complicações tecnológicas) e os aparelhos contam com pés altos para facilitar a limpeza do chão.

Os primeiros resultados -- não necessariamente financeiros -- começaram a aparecer. Desde setembro, o uruguaio Júlio Bertola, gerente de design da Electrolux no Brasil, está na Itália comandando dois projetos globais da companhia. "Criamos conceitos novos para o grupo, como o porta-latas e as bandejas de geladeira que podem ir à mesa", afirma Bertola.

Ainda é prematuro avaliar se essa estratégia será suficiente para tirar a empresa do vermelho. "Eu não vejo a Electrolux se reinventando", afirma José Roberto Martins, especialista em marcas. "Revolucionário seria oferecer um serviço de consertos em uma hora, por exemplo." Mesmo assim, é possível detectar alguns sinais de avanço. Um deles é que a Electrolux aumentou a participação de mercado de 21% para 28%, ultrapassando a Consul (da Multibrás), mas ainda atrás da líder Brastemp. Outro indicador favorável é o fato de que, do total de unidades comercializadas, 60% são produtos atualizados -- ante um índice de 20% três anos atrás. As novidades permitiram um realinhamento de preços. Há três anos, um produto Electrolux chegava a ser até 20% mais barato que um Brastemp. Hoje, pode custar até 7% mais.

Para crescer, a Electrolux aposta também na transformação da unidade brasileira em plataforma de exportação do grupo. A meta é, em dois anos, dobrar os 127 milhões de reais obtidos em 2001 com vendas para o mercado externo.

GELADEIRA
VAZIA
Depois
de ver o faturamento encolher quase 40% entre 1997 e 1999, a Eletrolux retomou
um discreto crescimento. No entanto, a companhia ainda permanece no vermelho
- nos últimos cinco anos o prejuízo somou 135 milhões
de dólares.
Acompanhe
a evolução das receitas(em milhões de dólares)...
1997
712
1998
542
1999
441
2000
454
2001
484
...e
o acúmulo do prejuízo(em milhões de dólares)
1997-4
1998-18
1999-50
2000-35
2001-28

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