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Usina dentro de casa

O smart grid permitirá que qualquer pessoa produza e venda eletricidade.

Centro de São Paulo: a cidade que mais gasta energia no país. (.)
DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Quando o Brasil adotar o smart grid, a rede elétrica inteligente, qualquer um poderá gerar energia em casa e usá-la ou vendê-la para as empresas concessionárias. Isso vai estimular a adoção de tecnologias verdes ainda pouco populares, como turbinas eólicas e placas solares fotovoltaicas, que passarão a ocupar os telhados e quintais de casas e edifícios.

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As tarifas cobradas pelas companhias fornecedoras terão preços diferenciados, variando de acordo com o volume de consumo em um determinado período do dia. Panes ou blecautes poderão ser detectados online e corrigidos em tempo recorde.

Esse cenário pode parecer um sonho futurista, mas é mais real do que você imagina. Os equipamentos que vão permitir uma revolução no setor elétrico já existem. Parte deles está inclusive em funcionamento em algumas cidades do mundo, como as americanas Austin e Boulder - China e Itália também vêm conduzindo experiências. Seu uso só não decolou ainda por causa do preço, mais alto que o dos obsoletos aparelhos usados há anos. Dois fatores, no entanto, estão começando a fazer isso mudar.

O primeiro deles é o aquecimento global, que tem exigido a busca por novas formas de reduzir as emissões de carbono. O problema é bem maior nos países mais ricos, responsáveis pela produção de boa parte dos gases causadores do efeito estufa. Grande parcela da energia consumida por essas nações vem de usinas termelétricas, que queimam combustíveis fósseis. Como o smart grid facilitará o uso de fontes renováveis, esse impacto poderá ser reduzido.

O segundo fator é o aumento do consumo de eletricidade em todo o planeta, previsto para ocorrer nas próximas duas décadas. De acordo com uma projeção divulgada no fi m do ano passado pela Agência Internacional de Energia (IEA, na sigla em inglês), a demanda mundial por watts deve dobrar até 2030. Por isso, é vital ter um sistema elétrico mais confiável, capaz de reduzir as perdas na transmissão e de fornecer informações bem detalhadas sobre gastos.


O que isso muda na sua vida?

UPGRADE NA REDE - No novo sistema, a energia poderá ser gerada a partir de qualquer ponto e seguir em múltiplas direções. Isso dificultará que panes localizadas causem grandes blecautes.

TUDO ONLINE - Todos os aparelhos necessários para o funcionamento da rede elétrica, até mesmo transformadores e medidores, vão transmitir dados em tempo real para as concessionárias.

CONSUMO DETALHADO - Os medidores inteligentes, ou smart meters, vão fornecer informações completas sobre os gastos. Isso permitirá lidar com tarifas diferenciadas, com valor mais alto nos horários de pico.

GADGETS SOB CONTROLE - No smart grid, será possível determinar quanta energia cada eletrônico poderá gastar. Quem quiser poderá bloquear de uma só vez a eletricidade direcionada para todos os gadgets que ficam em modo de espera.

ENERGIA MAIS VERDE -Como a geração poderá vir de qualquer ponto, todo mundo - inclusive você — poderá vender eletricidade para o sistema. Essa energia virá de turbinas eólicas e placas solares instaladas em casas e prédios.

CARROS NA TOMADA - Os carros elétricos não ficarão ligados na tomada sugando energia sem parar. Quando for necessário, eles também poderão fornecer eletricidade para a rede. E seus donos vão ganhar um dinheiro com isso.


A eletricidade copia a web

A primeira grande diferença entre o smart grid e o sistema atual está no modo como a energia é distribuída. O modelo adotado hoje por todos os países ainda guarda as mesmas características de um século atrás. "Ele é baseado no princípio de que a energia é gerada em um ponto e consumida em outro", afirma Pedro Jatobá, presidente da Associação de Empresas Proprietárias de Infraestrutura e de Sistemas Privados de Telecomunicações (Aptel) — a entidade reúne as principais companhias energéticas do país. Na rede inteligente, a transmissão pode começar em qualquer ponto e seguir em qualquer direção. A ideia é ter uma estrutura similar à da internet.

Outro elemento fundamental para o novo sistema são os medidores inteligentes, ou smart meters. Por meio deles, cada consumidor conseguirá saber exatamente quanto gasta durante as 24 horas do dia, ao longo de todo o mês. As informações poderão ser acessadas inclusive em tempo real, pela web. No Brasil, existem quase 5 milhões de aparelhos desse tipo, de acordo com dados da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) — apenas uma parte desse total, contudo, já foi instalada. O problema é que os equipamentos são subutilizados no país.

Algumas concessionárias decidiram adotá-los em áreas com grande concentração de moradores de classes média e média baixa, para reduzir os furtos de energia. Como os dados coletados são repassados para uma central por radiofrequência, fica fácil descobrir se existem desvios — os consumidores, no entanto, não têm acesso às informações detalhadas. "O preço dos aparelhos é de três a quatro vezes maior do que o dos medidores tradicionais", diz Alvaro Dias Junior, diretor-geral e vice-presidente executivo para América do Sul da Landis+Gyr, uma das fabricantes desses equipamentos. "Mas as perdas dessas concessionárias são tão grandes que 1% de economia já é bastante dinheiro." Atualmente existem 62 milhões de medidores no Brasil, segundo a Aneel..


Deu pau na energia

O problema é que a rede elétrica brasileira ainda não está preparada para as tecnologias mais modernas. Em Duque de Caxias (RJ), a concessionária Ampla substituiu os medidores em alguns bairros por modelos eletrônicos em 2007. O dono de uma padaria levou um susto quando recebeu a conta. Por causa de problemas de variação de tensão, o aparelho registrou 58,6% a mais do que havia sido realmente gasto. O erro foi constatado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (Inmetro) e provocou um recall em milhares de equipamentos para evitar novos enganos.

Para o smart grid funcionar, precisa estar acompanhado de uma rede de transmissão de dados. Isso garantirá que todas as informações coletadas sejam repassadas para as empresas de energia. Além dos medidores inteligentes, os outros aparelhos necessários para o funcionamento do sistema, dos transformadores aos disjuntores, vão sair do atual estado passivo e começarão a falar. Se ficarem mudos, será mais fácil de localizar a origem do problema e fazer a substituição. O sistema será mais automatizado. Várias são as tecnologias que podem servir para essa comunicação. É possível adotar o sistema de internet pela rede elétrica, o Power Line Communications (PLC), ou fazer a transmissão por fibra óptica, por exemplo. A escolha vai depender das características de cada rede e de quanto será investido para modernizar o sistema.


Vêm aí os carros-usina

Como a arquitetura do smart grid permitirá transmissão a partir de múltiplos pontos, isso vai abrir caminho para que qualquer pessoa instale microgeradores eólicos no alto dos prédios ou placas de energia solar. Se uma casa ficar fechada nas férias, por exemplo, dará para vender um mês inteiro de energia para a concessionária. Isso já é feito na Alemanha. Pode ser adotada também uma fonte de energia inusitada: os carros elétricos. Quando estiverem parados, eles poderão ser conectados para fornecer eletricidade à rede inteligente.

Se todo mundo ganhar dinheiro fornecendo eletricidade e o smart grid permitir que haja maior controle dos gastos, as concessionárias não tendem a lucrar menos? "As empresas também vão se beneficiar", diz David Shpigler, presidente da consultoria americana The Shpigler Group. "Estou certo de que o smart grid vai acontecer ao redor do mundo. Mas não será do dia para a noite. Levará ainda de dez a 20 anos para se desenvolver tudo."

Nos Estados Unidos, pode ser que não demore tanto assim. O segredo está em um pacote de estímulo econômico aprovado no início do ano pelo presidente Barack Obama. Um dos principais objetivos está em reduzir o consumo e, consequentemente, as emissões de carbono. Parte do dinheiro — nada menos do que 4,3 bilhões de dólares — vai financiar projetos capazes de modernizar a rede elétrica.

No Brasil, a discussão ainda está começando. A Aneel regulamentou o PLC e marcou para este mês uma audiência pública para discutir as características da nova medição. "O terceiro passo será criar a rede inteligente, que será adotada de acordo com a necessidade de cada concessionária", diz Paulo Henrique Silvestre Lopes, superintendente de regulação do serviço de distribuição da agência. "Os benefícios superam os custos, mas, em um primeiro momento, podem causar um impacto para o consumidor."


Mil e uma tarifas

Uma das vantagens do smart grid será a variação do preço da energia ao longo do dia. Nos horários em que houver excesso de demanda, o custo será maior. Na situação inversa, o valor terá de cair. Outra possibilidade é a adoção de um sistema de tarifação prépaga, como já ocorre com os celulares. "A Aneel está começando um estudo nesse sentido", diz Lopes.

Tudo isso depende de mudanças nas leis, que podem demorar uns bons anos no Congresso. Mesmo que o processo emperre, pelo menos o seu medidor deve ficar inteligente em breve. A Aneel tem um plano para estimular a troca dos aparelhos em todo o país dentro de dez anos. A medida permitirá eliminar quase totalmente os desvios e "gatos" que existem na rede, o que será suficiente para fazer o valor cobrado pela eletricidade cair. Pelo menos em tese.


O preço da mudança

- 62 MILHÕES de medidores precisam ser trocados por modelos inteligentes no Brasil;

- 230 REAIS é o gasto médio para instalar cada um dos novos aparelhos;

fonte: ANEEL


Espiões de energia

A modernização da rede elétrica também é necessária para garantir a segurança. Quer um exemplo? Espiões da Rússia e da China já invadiram o sistema de energia dos Estados Unidos e instalaram programas com o objetivo de causar uma pane no futuro. Com o smart grid, o plano dificilmente daria certo.


Bem-vindo a Smart Grid City

A cidade americana de Boulder, no Colorado, vai virar um show room. Liderado pela Xcel Energy, um grupo de empresas pretende transformar o local em vitrine de iniciativas ligadas ao smart grid. A adesão ao novo sistema será voluntária. Por enquanto, apenas a casa do reitor da Universidade do Colorado em Boulder usa sistemas inteligentes de eletricidade. Lá, a redução no gasto de energia foi de 30%.

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