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O teste de resistência da sustentabilidade

O GUIA EXAME DE SUSTENTABILIDADE 2009, maior levantamento de responsabilidade corporativa do país, mostra que as iniciativas mais consistentes resistiram à crise

Usina da EDP, no Espírito Santo: a remuneração de seus 2400 funcionários agora tem uma parcela variável vinculada a metas sociais e ambientais (.)
DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

A crise que derrubou de maneira repentina o mercado financeiro global em setembro do ano passado obrigou grandes empresas em todo o mundo a repensar suas estratégias para 2009. Não foi diferente no que diz respeito aos planos relacionados à sustentabilidade. A turbulência colocou na berlinda os investimentos referentes ao tema - e, obedecendo a uma lógica darwinista, apenas as iniciativas mais consistentes e ligadas diretamente à estratégia dos negócios persistiram. Ganharam espaço, por exemplo, projetos voltados para a ecoeficiência.

Das 142 participantes que responderam a todo o questionário do GUIA EXAME DE SUSTENTABILIDADE 2009 (dentro de um universo total de 210 empresas inscritas), 78% possuem critérios ambientais para todas as etapas do processo produtivo. Segundo o levantamento realizado no ano passado, apenas 63% das inscritas tinham a mesma preocupação. Chama a atenção, por exemplo, a proporção de empresas que possuem uma política de controle no consumo de recursos como água e energia - 84%. “A pesquisa mostrou que a dimensão ambiental está cada vez mais inserida na estratégia das empresas”, diz Roberta Simonetti, coordenadora do Centro de Estudos em Sustentabilidade da Fundação Getulio Vargas de São Paulo, responsável pela metodologia do questionário utilizado por EXAME.

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Quem ganha com essa política são companhias como a alemã Siemens, que desde 2007 vem investindo no desenvolvimento de produtos com apelo verde. Trata-se de uma categoria que compreende desde produtos com eficiência energética significativamente superior à média até equipamentos de geração de energia renovável e novas tecnologias de limpeza de água e ar. As vendas dessa linha de produtos corresponderam a 25% do faturamento total da companhia em 2008, que somou 19 bilhões de euros em todo o mundo. Mesmo em meio à crise, a categoria avançou - e cresceu 30% nos últimos 12 meses. A expectativa da Siemens é que esse mercado responda por 40% da receita até o fim de 2012. "A crise trouxe mais austeridade aos negócios", diz Newton Duarte, diretor-geral do setor de energia da Siemens Brasil. "E isso favoreceu a venda de produtos e serviços que, ao mesmo tempo, economizam recursos energéticos e reduzem custos."

Em alguns casos, essa busca por ecoeficiência exigiu investimentos altíssimos. A IBM, por exemplo, gastou 1 bilhão de dólares para substituir 3 900 servidores no Brasil, nos Estados Unidos, no Reino Unido, no Japão e na Austrália por 30 mainframes nos últimos dois anos. O projeto, batizado de Big Green, já resultou numa economia de energia de 80% para a empresa no mundo todo. Em 2008, o Brasil recebeu uma fatia de cerca de 140 milhões de dólares desse investimento para substituir 200 servidores por um mainframe no Centro de Tecnologia de Hortolândia, no interior de São Paulo. A troca resultou numa economia de energia de 1 200 quilowatts por ano, o equivalente ao consumo de uma cidade de 8 000 habitantes. Além disso, evitou a emissão de 5 000 toneladas de gás carbônico, correspondentes à circulação de 1 700 carros durante um ano. "Não interrompemos o programa porque o retorno do investimento é garantido", afirma Roberto Diniz, gerente de otimização de TI da IBM do Brasil.

Uma frente mais recente, o cálculo das emissões de gases de efeito estufa, também avançou. Hoje, 47% das empresas participantes deste guia avaliam formalmente a emissão de CO2 gerada por suas atividades - no ano passado, 39% declararam ter a mesma preocupação. A AmBev conseguiu reduzir 35% de suas emissões de gás carbônico nos últimos cinco anos com a substituição de geradores de energia a diesel por biomassa (no caso, casca de coco, lascas de madeira e casca de arroz) em oito fábricas da empresa em todo o Brasil. Hoje, 34% da energia consumida pela AmBev vem dessa fonte renovável. As vantagens não são só ambientais. Em Viamão, no Rio Grande do Sul, o investimento de 5 milhões de reais na usina de biomassa permitiu que a empresa fosse autorizada pelo governo brasileiro e pela ONU a entrar no mercado de créditos de carbono. "Investir na redução dos impactos ambientais, como nas usinas de biomassa, também é investir na redução dos custos. Está tudo atrelado", diz Sandro Bacili, diretor de marketing institucional da AmBev.


Os resultados da pesquisa mostram também que o discurso verde não fica só nas campanhas de marketing. É cada vez mais corrente a vinculação da remuneração variável de executivos a metas ambientais e sociais, além dos habituais objetivos financeiros. A questão econômica ainda é a mais comum, sendo o principal critério de avaliação para a distribuição de bônus em 85% das empresas. No entanto, resultados ambientais e sociais já são recompensados por 44% e 43% das companhias participantes da pesquisa, respectivamente. A subsidiária brasileira da companhia de energia EDP, por exemplo, define quanto cada um de seus 2 400 funcionários (e não apenas os integrantes da diretoria) recebe de participação nos lucros com base em três critérios de peso igual: o Ebitda (sigla em inglês para lucros antes de juros, impostos, depreciação e amortização), a cotação das ações da empresa em relação ao Índice Bovespa e, a partir deste ano, as metas socioambientais da companhia definidas pela norma ISO 14001. A recompensa, segundo o novo critério, passa a valer em 2010. "Substituímos uma meta estritamente interna, que era a motivação e o clima organizacional, para passar a valorizar a redução do impacto que causamos no mundo em que vivemos", diz Miguel Setas, vice-presidente da operação brasileira da empresa portuguesa.

Os números mostram que a questão da sustentabilidade está evoluindo no Brasil, mas o caminho a percorrer ainda é longo. A pesquisa aponta algumas falhas que as empresas cometem - e uma delas está diretamente ligada à maneira como divulgam seus indicadores socioambientais. Se por um lado 70% das companhias que participaram da pesquisa afi rmam publicar relatório de sustentabilidade, apenas 39% delas estabelecem metas de melhoria de desempenho e prestam contas dos compromissos assumidos no ano anterior. Outros 25% submetem o trabalho à auditoria de uma instituição independente. "Não se pode dizer que existe uma gestão voltada para a sustentabilidade se não existem metas e resultados apresentados de maneira transparente no relatório", diz Ernesto Cavasin, gerente executivo de sustentabilidade da consultoria PricewaterhouseCoopers. Uma das empresas que buscam integrar metas relacionadas a critérios sustentáveis com o próprio negócio - e torna os resultados públicos em seu relatório de sustentabilidade - é a fabricante de eletrodomésticos Whirlpool. A empresa publicou seus primeiros balanços sociais no Brasil nos anos 90 (quando o grupo ainda se chamava Brasmotor). O primeiro relatório de acordo com as normas GRI (Global Reporting Initiative), o único modelo aceito mundialmente para a publicação de relatórios de sustentabilidade, foi divulgado no biênio 2007 e 2008. Neste ano, a Whirlpool prepara a primeira edição anual - o que deve virar regra daqui para a frente. "O relatório de sustentabilidade é um instrumento de gestão para nós. Ele mostra o que avançou, mas também o que ainda precisa melhorar", diz Paulo Vodianitskaia, gerente de sustentabilidade da Whirlpool.

Outra medida ainda restrita a um pequeno grupo de empresas é o vínculo entre os comitês de responsabilidade e a presidência das empresas. Segundo a pesquisa, 70% das companhias ouvidas por EXAME possuem um comitê de sustentabilidade. Apenas 18% deles, no entanto, têm relação formal com a presidência. É o caso da operação brasileira da americana 3M. Desde 2007, o comitê de sustentabilidade reúne, a cada dois meses, os diretores de cinco áreas da empresa. Hoje, os assuntos discutidos ainda chegam ao presidente Michael Vale de maneira informal. "Como há representantes de cada área, temos autonomia para levar adiante por nós mesmos as decisões tomadas pelo comitê", diz Afonso Chaguri, diretor de manufatura e membro do comitê. "Para nós, já foi um grande passo envolver todas as áreas da companhia na discussão." Para os especialistas, esse tipo de integração é crucial. "Quando não existe essa ligação, a empresa passa um sinal de que o assunto está afastado do objetivo de negócio da organização", diz Gláucia Térreo, representante do GRI no Brasil.


Dimensão geral

O perfil das 142 empresas que responderam a todas as questões do GUIA EXAME DE SUSTENTABILIDADE 2009

Caso divulgue, esses relatórios:

-> 40% foram elaborados com a participação livre das partes interessadas e incorpora suas manifestações e avaliações

-> 39% estabelecem metas de melhoria de desempenho e prestam contas das metas anteriormente assumidas

-> 25% são auditadas sob todos os aspectos por empresa ou instituição independentes

A companhia tem comitê de sustentabilidade?

A companhia divulga relatório de sustentabilidade?

Se sim, o comitê se reporta à presidência?


A política de remuneração de todos os executivos está vinculada a metas e em que dimensões?


Dimensão econômica

O perfil das 142 empresas que responderam a todas as questões do GUIA EXAME DE SUSTENTABILIDADE 2009

Há um sistema de gestão de riscos que considere aspectos socioambientais de curto, médio e longo prazo

Tal sistema prevê a quantificação do risco

Existem metodologias que avaliam o impacto da incorporação de aspectos socioambientais nos resultados financeiros da empresa?


Dimensão ambiental

O perfil das 142 empresas que responderam a todas as questões do GUIA EXAME DE SUSTENTABILIDADE 2009

A companhia divulga no relatório de sustentabilidade:

-> 78%: Todas as etapas do processo produtivo

-> 81%: Desenvolvimento de novos produtos e serviços

-> 75%: Seleção de fornecedores

-> 58%: Logística

A empresa possui uma política corporativa de responsabilidade ambiental?

Que ações voluntárias a empresa adota para reduzir seu impacto ambiental?


Dimensão social

O perfil das 142 empresas que responderam a todas as questões do GUIA EXAME DE SUSTENTABILIDADE 2009

A empresa utiliza critérios sociais para qualificação, seleção e monitoramento de seus fornecedores de bens e serviços?

Se sim, esses critérios são:

-> 62% incluídos como cláusulas contratuais passíveis de monitoramento

-> 60% divulgados previamente e de forma transparente nos processos de seleção

-> 55% preveem medidas disciplinares e legais para situações de não enquadramento

A empresa possui compromisso formal com relação à valorização da diversidade?

Esse compromisso está expresso por uma política corporativa específica?

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