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Do palpite à ação em sustentabilidade

As empresas brasileiras começam a colocar em prática a ideia de que stakeholders como fornecedores, funcionários do governo e ONGs podem ajudar a formar sua estratégia de sustentabilidade

Participantes do painel do Bradesco: o banco prepara mudanças com base nas opiniões deles (.)
DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Os executivos do Bradesco tomaram, em meados do ano passado, uma decisão arriscada. Durante três dias, nos meses de junho e julho, o banco reuniu de uma única vez 102 pessoas - entre fornecedores, clientes, funcionários, especialistas, funcionários do governo e de ONGs - com o propósito de ouvir o que elas tinham a dizer a respeito de sua estratégia de sustentabilidade apresentada no último relatório. Na prática, o Bradesco deu a cara para bater.

E apanhou. "Saí de lá atordoada com a agressividade com que apontaram inconsistências na política de sustentabilidade do banco", afirma a funcionária de uma ONG que participou do evento. Os stakeholders apontaram o dedo para o que consideraram falta de clareza em relação a planos futuros, para um suposto exagero das ações de marketing que propagandeiam as ações ambientais e sociais do banco e até para a falta de conhecimento dos funcionários sobre o tema. A despeito da acidez do ataque, os executivos do Bradesco não revidaram. Eles agradeceram os comentários e se comprometeram a dar respostas para cada um deles. Muitos dos que participaram do evento esperam encontrá-las na publicação do próximo relatório, no dia 10 de março. "Queríamos nos aproximar dessas pessoas e ter uma avaliação isenta de nossas ações", afirma Domingos Abreu, diretor executivo do Bradesco. "Abrimos um canal e agora não há como voltar atrás."

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Reuniões como a do Bradesco - conhecidas como painéis de stakeholders - vêm se tornando cada vez mais comuns em empresas brasileiras. Especialistas estimam que cerca de 15 companhias no país hoje realizem esses encontros, entre elas Bunge, Natura, Serasa, Suzano, Itaú e Souza Cruz. Trata-se de uma maneira de tentar concretizar a tese de que, para ter uma estratégia sustentável, uma empresa precisa captar as percepções da sociedade a seu respeito. Mais que um rompante de bom-mocismo, a iniciativa tem sentido prático - afinal, saber a expectativa de ONGs e órgãos reguladores em relação à própria empresa é meio caminho andado para realizar uma boa gestão de riscos. Por isso, em sessões como a que o Bradesco fez no ano passado, o objetivo não foi apenas ouvir os grupos que se relacionam com o banco. A meta é colocar à prova a estratégia de sustentabilidade da instituição - e assumir compromissos em relação aos pedidos feitos pelos stakeholders. "Quem faz um painel desse tipo precisa levar o assunto adiante, caso contrário pode cair em descrédito e sofrer retaliações", diz Maria Helena Meinert, sócia da BSD Consulting, consultoria especializada em desenvolvimento sustentável.


Lá fora, a realização desses painéis começou nos anos 90, quando empresas como as americanas Dow e Interface convidaram seus stakeholders para discutir questões ambientais específicas. Alguns anos mais tarde, ícones do movimento de sustentabilidade, como a inglesa de cosméticos The Body Shop e a fabricante americana de sorvetes Ben & Jerry’s, começaram a fazer relatórios e convidaram seus públicos de interesse para opinar a respeito desses materiais.

No Brasil, o movimento só agora começa a tomar corpo. "Aqui, a adesão tem sido impulsionada sobretudo por companhias que aderiram ao GRI, o único modelo aceito mundialmente para a publicação de relatórios de sustentabilidade", diz Priscilla Navarrette, da Lume Consultoria, especializada em sustentabilidade empresarial. Desenvolvido por uma organização independente de mesmo nome com sede na Holanda, o GRI só considera um relatório de nível A (o maior grau de transparência nas informações prestadas) se existirem provas de que ele foi submetido ao crivo de seus principais stakeholders.

A premissa básica desses painéis é a de que nenhuma demanda pode ficar sem resposta - em geral, as respostas aparecem no próximo relatório de sustentabilidade da companhia. Durante os encontros, os funcionários da empresa são orientados a não interferir e apenas anotam as observações dos participantes para servir de base para um plano de ação. A pedido dos grupos de discussão, o Bradesco passará a oferecer aos correntistas informações sobre educação financeira no seu site - uma resposta à crítica de que o banco estaria pouco comprometido em disseminar o crédito responsável. Abrir as portas, porém, não significa que o Bradesco ou qualquer outra empresa deva aceitar todas as reivindicações. O secretário de Saúde da prefeitura do Rio de Janeiro, por exemplo, declarou em um dos painéis da Souza Cruz que a companhia deveria equipar os postos de saúde da cidade. "Como o nosso papel não é substituir o Estado, explicamos que não considerávamos a demanda legítima", afirma José Cosmo, gerente de sustentabilidade da Souza Cruz. "Nem sempre é fácil estabelecer esse tipo de diálogo, mas, com o tempo, todos os lados começam a se dar conta de seus limites e de seus benefícios", diz ele.


A rota do diálogo
Organizar encontros para ouvir o que os stakeholders de uma empresa pensam - uma prática que o mercado batizou de "painel" - não é fácil. Saiba os passos que devem ser trilhados para fazer isso de maneira eficiente

1. Pense estrategicamente
A empresa precisa ter claro o motivo pelo qual quer dialogar com seus públicos de interesse. O objetivo é gerir riscos? Ter opinião a respeito de seus produtos e serviços? Obter licença para operar em determinada localidade? Importante: a decisão de se relacionar com os stakeholders deve ser da alta direção, e não apenas das áreas de comunicação e de relações institucionais.

2. Defina seus interlocutores
Determine quais são seus principais públicos de interesse e os convide para participar do diálogo. Um erro a ser evitado é chamar apenas "amigos", uma vez que a ideia do painel não é apenas ouvir elogios sobre a companhia. Escolha ONGs acostumadas a dialogar com o setor privado, uma vez que as muito arredias a esse contato podem transformar seu painel numa bagunça.

3. Oriente os participantes
Prepare funcionários e stakeholders para participar da atividade. Envie com antecedência as informações sobre o tema a ser discutido às pessoas que vão participar do painel. No dia do evento, vale a pena promover uma palestra antes de iniciar os debates. Já os funcionários participantes devem ser treinados para ouvir - calados - eventuais críticas ferozes à empresa.

4. Atenção à execução
Defina a dinâmica do encontro. Quem vai mediar os debates e garantir a efetividade de sua execução? Para dar maior isenção a esses processos, a maioria das empresas contrata consultorias especializadas. É importante que os stakeholders saibam quando e de que maneira receberão respostas para suas demandas. A maioria das empresas faz isso por meio de seus relatórios de sustentabilidade.

5. Revise o processo periodicamente
Lembre-se de que o diálogo com os stakeholders deve ser encarado como uma iniciativa contínua, e não como um projeto com começo, meio e fim. Analise os erros e os acertos e estabeleça mudanças para o próximo encontro.

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