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A multiplicação dos selos verdes

Os selos verdes, que atestam se um produto ou processo segue normas sustentáveis, proliferam no mercado. Até que ponto eles são eficientes?

Bicicletário do edifício Eldorado Business Tower: o espaço é subutilizado, mas conta pontos para a certificação (.)

Bicicletário do edifício Eldorado Business Tower: o espaço é subutilizado, mas conta pontos para a certificação (.)

DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Inaugurado pela construtora Gafisa em dezembro de 2007, o edifício Eldorado Business Tower, localizado em São Paulo, nasceu com a ambição de ser considerado "verde". Por isso, ainda enquanto erguia o prédio, a Gafisa entrou com um pedido de certificação americana Leed (Leadership in Energy and Environmental Design), concedida pelo Green Building Council Brasil (GBCB) a edifícios sustentáveis. Para obter esse selo, é preciso cumprir 26 dos 69 itens estabelecidos. Desses, sete são obrigatórios, entre os quais ter um plano de controle de poluição, diminuir em14% o consumo de energia, não utilizar refrigeração à base de CFC (gás causador de efeito estufa) e ter uma área destinada à reciclagem.
 

A partir daí, o empreendedor pode definir os demais itens que vai atender. No caso da Gafisa, uma das escolhas foi ter um bicicletário para que os usuários do condomínio deixassem o carro em casa e optassem por um meio de transporte menos poluente. Na teoria, a proposta parecia ótima. Mas, passado quase um ano de sua inauguração, o bicicletário vive às moscas. A explicação é simples: o prédio fica em plena marginal Pinheiros, próximo à avenida Rebouças, uma das regiões de maior tráfego na capital paulista. Andar de bicicleta nas imediações é uma aventura arriscada - tanto pelo intenso movimento de carros, caminhões e motocicletas quanto pelas condições inadequadas do asfalto e pela ausência de ciclovias na região. Atualmente, o bicicletário do edifício da Gafisa não recebe mais do que dez bicicletas por dia - número ínfimo, levando-se em conta que ali trabalham cerca de 4 000 pessoas.

A Gafisa não é a única empresa a buscar uma certificação verde. Atualmente, há cerca de 1 000 prédios com a certificação Leed no mundo. Três desses edifícios verdes estão no Brasil - a agência do banco Real na Granja Viana, em Cotia, região metropolitana de São Paulo; uma unidade do laboratório Delboni Auriemo na capital paulista; e o escritório do Morgan Stanley, também em São Paulo. Esse número deve crescer bastante nos próximos anos, uma vez que há 68 empreendimentos no Brasil que já entraram com pedido de certificação. O problema é que, por se tratar de um terreno ainda novo por aqui, nem sempre as ações adotadas têm efeito prático na vida da comunidade, como demonstra o exemplo do bicicletário. Por essa razão, começa a surgir uma dúvida entre especialistas: até que ponto as certificações comprovam que as empresas estão adotando medidas capazes de reduzir, de fato, o impacto ambiental e beneficiar a sociedade? Afinal, as exigências para obter os selos de maior credibilidade são estabelecidas com base na realidade de outros países e nem sempre são as mais adequadas às condições do Brasil. 


Existem outros requisitos da certificação Leed que perdem sentido se considerados isoladamente, como mera formalidade para obter o selo. Por exemplo, um empreendimento que utilize madeira produzida na própria região onde está sendo erguida a obra ganha pontos na avaliação. A idéia aqui é desestimular o gasto excessivo de combustíveis com o transporte de longa distância. Mais uma vez, a teoria faz todo o sentido.

No entanto, se a madeira produzida nessa região foi tratada com substâncias agressivas ao meio ambiente, como veneno contra cupim, a chuva pode levar essas substâncias para os rios da região, anulando toda a vantagem de escolher um fornecedor próximo à obra. "Se não houver uma análise do ciclo de vida dos materiais, não se pode garantir um benefício real para a sociedade", diz a arquiteta Vanessa Gomes, coordenadora do Centro de Pesquisa em Construção Civil e Meio Ambiente da Unicamp.

Atualmente, uma comissão do Green Building Council Brasil estuda a possibilidade de "tropicalizar" as normas da certificação Leed para adaptá-las à realidade brasileira. Uma das idéias é mudar o sistema de pontuação com o objetivo de estimular a adoção de práticas sustentáveis mais inovadoras. O número de pontos que um prédio ganha por reduzir o consumo de energia, por exemplo, poderá ser reduzido, uma vez que o Brasil já utiliza amplamente a energia hidrelétrica, uma fonte não poluente. Recentemente, o Brasil ganhou o primeiro selo adaptado para o mercado local da construção civil. Trata-se do Aqua (Alta Qualidade Ambiental), inspirado na certificação francesa HQE e adaptado por aqui pela Fundação Vanzolini. Em vez de fixar padrões de conduta, o Aqua avalia os projetos desde sua concepção. A maior dificuldade nesse caso é que cabe ao próprio empreendedor encontrar alternativas para alcançar os resultados pretendidos e demonstrar a eficácia de seu projeto.


Obstáculos no caminho

Os selos para a construção civil não são os únicos a ter limitações. O FSC, certificação feita pelo Conselho Brasileiro de Manejo Florestal e uma das que têm maior credibilidade no mercado, também apresenta restrições. A principal delas é que, para conseguir o FSC, as empresas precisam antes obter uma licença ambiental - algo que no Brasil, ao contrário do que acontece em países desenvolvidos, é um processo burocrático, difícil e demorado. "O ideal é que houvesse um sistema que permitisse aos produtores se adaptar às normas de forma gradual", diz Ernesto Cavasin, gerente de sustentabilidade empresarial da consultoria PricewaterhouseCoopers. "Esse sistema de tudo ou nada acaba mantendo muita gente na informalidade." O mesmo tipo de ressalva é feito à certificação internacional SA 8000, que estabelece normas para as práticas sociais no emprego. Ela é bastante rigorosa em relação ao cumprimento de horas extras dos funcionários, o que nem sempre atende aos interesses dos trabalhadores. Em algumas situações, seria conveniente que houvesse uma jornada de trabalho mais flexível. "Um exemplo é quando operários vão trabalhar numa obra de construção longe da cidade onde moram. Quanto antes o trabalhador puder terminar a obra e voltar para casa, melhor para ele e para a empresa", diz a consultora Nísia Werneck, pesquisadora do núcleo de gestão responsável para a sustentabilidade da Fundação Dom Cabral.

Parte da busca quase obsessiva por selos verdes pode ser explicada pelos ganhos de imagem que eles trazem para as empresas certificadas. Mas os especialistas recomendam cautela. "Há muitas empresas querendo buscar selos que dizem pouca coisa", afirma Maurício Moura Costa, diretor regional da EcoSecurities, que estrutura e negocia projetos no mercado de créditos de carbono, certificados emitidos quando ocorre a redução da emissão de gases de efeito estufa. Para que a certificação não se torne apenas um atestado para enfeitar a parede, com poucos resultados concretos, é preciso que a empresa saiba claramente para que serve o selo e por que deseja obtê-lo - caso contrário, corre-se o risco de acabar com outros "bicicletários" vazios por aí.

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