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Uma luta cara pelo planeta

Autoridade mundial em meio ambiente, economista inglês propõe um plano de 1 trilhão de dólares por ano para cortar emissões de CO2 e investir em energia limpa - tudo para conter os riscos do aquecimento global

Queimada e desmatamento na Amazônia: o Brasil é um dos maiores emissores de gás carbônico do mundo (.)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Em 2006, ao lançar o Relatório Stern, um estudo encomendado pelo governo britânico para medir os impactos do aquecimento global, o economista Nicholas Stern passou a integrar o clube das celebridades verdes, formado por nomes como os políticos americanos Al Gore e Arnold Schwarzenegger e o economista indiano Rajendra Pachauri, diretor do IPCC, o painel das Nações Unidas para o clima. Hoje um marco na literatura científica, o documento com mais de 700 páginas e um jargão impenetrável para o grande público trazia constatações sombrias e propunha um plano de ação global. Ao consolidar trabalhos das mais prestigiadas instituições de pesquisa do planeta, o relatório demonstrava que o acúmulo de gás carbônico é a principal causa do aquecimento terrestre.

O texto apontava também que, se as emissões de CO2 continuassem a crescer no ritmo das últimas décadas, o planeta correria sérios riscos de sofrer tragédias ambientais de proporções bíblicas: secas, inundações, furacões e epidemias - deixando um rastro de terra arrasada e o potencial para a criação de multidões de flagelados brigando por recursos cada vez mais escassos, como casa, comida e água limpa. No pior cenário traçado por Stern, até 2050 as perdas econômicas do aquecimento global poderiam custar até 20% do PIB mundial - ou 10 trilhões de dólares, num cálculo que leva em consideração os dados de 2009. Agora, resumido e adaptado para o público leigo, o relatório acaba de dar origem ao livro A Blueprint for a Safer Planet - How to Manage Climate Change and Create a New Era of Progress and Prosperity (em português, "Um projeto para um planeta mais seguro - Como administrar a mudança climática e criar uma nova era de progresso e prosperidade", sem previsão de lançamento no Brasil).Ex-economista-chefe do Banco Mundial especializado em questões de desenvolvimento, Stern insiste cada vez mais numa estratégia radical e imediata. Sua meta é cortar 50% das emissões globais de CO2 até o ano de 2050, sendo que as primeiras reduções já seriam cobradas dos países a partir de 2020. As reduções defendidas por ele usam como parâmetro os níveis de emissão de carbono do ano de 1990. De acordo com Stern, para alcançar a meta prevista para 2050, o mundo precisaria investir anualmente 2% do PIB mundial, ou cerca de 1 trilhão de dólares, em pesquisa e desenvolvimento de matrizes energéticas limpas, como energia eólica, solar, células elétricas, além de novas gerações de biocombustíveis. Desde 2006, a principal mudança de opinião de Stern em relação às conclusões do relatório está justamente no preço da faxina. Há três anos, ele defendia um investimento de 1% do PIB global. "As mais recentes evidências científicas apontam para riscos de tamanha magnitude, que os custos da ação global tiveram de dobrar", disse ele recentemente ao jornal canadense The Globe and Mail.

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EM TEMPOS DE CRISE GLOBAL, uma fatura anual de 1 trilhão de dólares, equivalente a 75% do PIB brasileiro, não é palatável nem para os governos nem para o setor privado. Críticos como o economista William Nordhaus, da Universidade Yale, dizem que Stern exagera quanto aos riscos de uma tragédia climática no médio prazo e que a prioridade atual deve ser o combate à crise econômica.

De sua parte, Stern, que tem o apoio da maioria da comunidade científica mundial, usa o clássico princípio da precaução. Em face de riscos crescentes, é melhor agir com cautela e proatividade. "Há quem diga que o combate à mudança climática deva ser adiado. Mas esse argumento vem de quem não quer agir de modo algum e usa a crise como desculpa", diz ele. Para reforçar a necessidade desse investimento premente, ele aponta, por exemplo, para o aumento dos furacões e das chuvas torrenciais nas grandes cidades - que já causa um impacto considerável na indústria de seguros. Em 1970, os prêmios pagos por danos meteorológicos eram de 5 bilhões de dólares. Hoje, chegam a 34 bilhões de dólares em termos reais.

Otimista em relação à próxima conferência das Nações Unidas sobre o clima, marcada para Copenhague no próximo mês de dezembro, Stern avalia que o evento será "a mais importante reunião multilateral desde o fim da Segunda Guerra Mundial". Simpático às diretrizes pró-meio ambiente estabelecidas pelo presidente americano Barack Obama, ele acredita num entendimento entre a China e os Estados Unidos nesse campo. "Um acordo entre os dois países será crítico para a redução necessária das emissões em escala mundial", afirma. Apesar de se referir apenas rapidamente ao Brasil, Stern enfatiza a percepção já vigente entre os países desenvolvidos de que o desmatamento da Amazônia é o grande enrosco da política ambiental tupiniquim. Ele acredita que a pressão internacional para que o Brasil cumpra as metas de redução do desmatamento definidas pelo governo brasileiro em 2008 tenderá a crescer. "A China ultrapassou os Estados Unidos como o maior produtor mundial de gases estufa. A Indonésia e o Brasil são hoje o terceiro e o quarto maiores emissores, principalmente em razão do desmatamento e das queimadas", afirma o pesquisador.

Ciente da gravidade que a poluição representa para seu futuro, a China tem mostrado disposição em investir na energia limpa. Stern menciona que a cidade de Dongtan, uma ilha na vizinhança de Xangai, trabalha arduamente para se tornar a comunidade mais ecoeficiente do planeta até 2020, produzindo energia solar e eólica e fazendo investimentos pesados em transporte público e em ciclovias. Segundo dados do jornal inglês Financial Times, a China deve investir mais de 220 bilhões de dólares - 40% dos recursos de seu pacote de estímulo econômico - em tecnologia ambiental nos próximos anos. Quanto aos países ricos, até agora os grandes vilões do aquecimento global, Stern propõe que eles paguem a maior parte da conta, seja por meio de ajuda financeira ou cooperação tecnológica com os mais pobres. A fim de dar o exemplo, Stern defende ainda que os Estados Unidos e a União Europeia cortem as emissões mais rapidamente, limitando-as em 80% até 2050. Do ponto de vista da teoria econômica, Stern faz uma análise singular da mudança climática. Para ele, trata-se do maior fiasco da história do sistema capitalista. "O pior fracasso do mercado se deu na precificação do petróleo", diz. "Por não refletir os custos econômicos, sociais e ambientais do aquecimento global, o petróleo se mantém em preços artificialmente baixos." A expectativa é que em dezembro, durante a conferência do clima em Copenhague, o mundo saiba o real apetite de suas lideranças políticas para corrigir esse erro.

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