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As indústrias químicas querem apagar o passado

Para mudar a imagem de vilãs ambientais, as grandes indústrias do setor químico investem no desenvolvimento de produtos mais limpos e na ecoeficiência de suas fábricas

Movimento de veículos na via Dutra: a tinta ecológica utilizada na pintura das faixas elimina o uso de solventes e dura o dobro de tempo do produto convencional (.)
DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Durante décadas, a indústria química foi considerada por especialistas uma das maiores vilãs ambientais do planeta. Recentemente, porém,osetor começou a ensaiar uma reação. As empresas do setor tentam agora provar que podem ser aliadas estratégicas nos esforços para combateroaquecimento global e que têm capacidade para desenvolver produtos mais limpos.

A tarefa é penosa e complexa, sobretudo por se tratar de um mercado muito associado à poluição e a acidentes traumáticos, comoovazamento de um gás tóxico na fábrica da Union Carbide em Bhopal, na Índia, em dezembro de 1984, que matou entre 15 000 e 30 000 pessoas e provocou seqüelas em outras 570 000 - até hoje lembrado como um dos piores desastres ambientais da história. Apesar disso, a busca por uma química "verde" já entrou no centro das estratégias de sustentabilidade das maiores empresas do setor. "A gestão do ciclo de vida, incluindo os processos de desenvolvimento, produção, uso, reúso e descarte dos produtos, é crucial para nós. Nossos produtos precisam ser sustentáveis", diz Wolfgang Entrup, diretor mundial de meio ambiente e sustentabilidade da alemã Bayer.

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Ainda são raras as empresas que estabeleceram metas para ampliar a participação dos produtos químicos mais sustentáveis em suas vendas. Uma delas é a americana DuPont, que faturou 29 bilhões de dólares no anopassado. A companhia definiu metas bem específicas para 2015 - entre as quais dobrar para 8 bilhões de dólares suas receitas com produtos fabricados a partir de recursos renováveis em relação a 2005. Outro objetivo da DuPont é adicionar a seu faturamento anual ao menos 2 bilhões de dólares em vendas de produtos mais eficientes no consumo de energia e que reduzam substancialmente as emissões de gases de efeito estufa. Mesmo as empresas que ainda não têm metas declaradas de faturamento com produtos verdes investem para aumentar seu portfólio. Éocaso da Basf, maior empresa química do mundo, com vendas de 57 bilhões de euros em 2007. Hoje, um terço do orçamento de pesquisa e desenvolvimento da empresa - algo em torno de 1,4 bilhão de euros - é investido em tecnologias inovadoras para a proteção climática eoaumento da eficiência energética. Graças a esses investimentos, em 2007 a Basf lançou um plástico que combina material biodegradável com amido de milho e pode ser aplicado em sacolas e embalagens para cosméticos. "Concentramos nossos investimentos em inovações que não agridamomeio ambiente e a saúde", afirma Rui Goerck, vice-presidente da Basf para a América do Sul.


Na estratégia de sustentabilidade das principais empresas químicas, as mudanças climáticas ocupam posição de destaque. A alemã Bayer é uma das mais agressivas nessa área. Até 2010 vai investir 1 bilhão de euros em seu programa de clima -oequivalente a 3% de sua receita em 2007. Com esse volume de recursos, a empresa planeja ampliar a oferta de produtos amigáveis ao clima e construir fábricas que consumam menos energia.

Parte desses produtos tem como alvo um dos principais clientes da indústria química, as montadoras, ávidas por materiais mais leves para seus veículos (que diminuemouso de combustíveis). Entre as soluções nesse campo estão os policarbonatos que a Bayer desenvolveu para substituirovidro de janelas e tetos panorâmicos nos automóveis, com diminuição em 30% a 50% no peso. Resinas de náilon da DuPont tomaramolugar do aço nos sistemas de exaustão da plataforma do modelo Golf, da Volkswagen, com redução de quase 50% no peso. Já a alemã Basf desenvolveu um material à base de poliamida e náilon que substitui diversas partes do carro feitas de metais, como maçanetas e bases do espelho retrovisor.

Outra frente de batalha das empresas químicas é tentar apagar suas próprias "pegadas" - em outras palavras, não apenas desenvolver tecnologias limpas para os clientes mas também diminuir o impacto de sua própria atividade. As companhias que se encontram na vanguarda da química verde jogam em várias frentes ao mesmo tempo. Procuram reduzir a quantidade de matéria-prima, água e energia nas fábricas, aumentar o uso de insumos renováveis, eliminar ou diminuir substâncias com alto risco tóxico para seres humanos e o meio ambiente, atenuar os potenciais impactos sobre ecossistemas sensíveis, reduzir a geração de lixo e resíduos perigosos e desenvolver biocombustíveis. Uma das iniciativas nesse sentido é um inusitado programa de reciclagem de coletes à prova de bala lançado no Brasil em agosto pela DuPont. Com a fibra de aramida dos coletes, a empresa vai produzir uma polpa para a fabricação de pastilhas de freio na indústria automotiva. Como a aramida não contém elementos tóxicos, essa matéria-prima pode ser um excelente substituto para o amianto.


Em busca de soluções mais seguras ambientalmente, o setor químico acabou criando novas linhas de negócios, como tintas, esmaltes e adesivos que utilizam água em vez de solventes para diluir seus componentes. Uma das empresas mais bem-sucedidas nesse novo negócio é a americana Rohm and Haas, comprada em julho pela Dow. A empresa desenvolveu uma formulação de tintas de sinalização rodoviária sem solventes que se tornou um sucesso entre as principais concessionárias de rodovias no Brasil.

Embora o preço do produto seja 40% mais alto que o das tintas com solventes, o custo final fica 30% menor porque essa tinta dura dois anos — o dobro da vida útil da convencional. "Não adianta fazer um produto apenas ambientalmente amigável. Ele precisa ser economicamente viável", diz José Magalhães Fernandes, presidente da subsidiária brasileira da Rohm and Haas. Cresce rapidamente, também, a demanda das indústrias automotiva, calçadista e moveleira por adesivos aquosos, que não contêm solvente. Nos últimos quatro anos, a Bayer dobrou as vendas no país de adesivos feitos com poliuretano e policloropreno de base aquosa, um produto menos agressivo às pessoas e ao meio ambiente (não tem o cheiro forte e a aparência viscosa da tradicional cola de sapateiro). "A Bayer desenvolveu a matéria-prima há uma década e, desde o início, o Brasil foi um dos focos devido à importante indústria calçadista existente no país", diz Eckart-Michael Pohl, diretor de comunicação corporativa da Bayer Brasil.

Energias alternativas

O Brasil é parte importante desse movimento verde não apenas pelo tamanho do seu mercado consumidor mas também porque é um celeiro de recursos renováveis. A indústria química vem atuando intensamente no ramo de energias alternativas, tanto na pesquisa de opções mais baratas ao silício para as células solares como no desenvolvimento de biocombustíveis. Atenta à demanda por biodiesel derivado de plantas que não concorram com o mercado de alimentos, a Bayer pesquisa o uso de pinhão-manso, que contém mais de 30% de óleo e é cultivado em diversos países, incluindo o Brasil. Como o desenvolvimento de novas fontes de energia renovável depende de muita pesquisa e da sinergia entre diferentes áreas de negócios, proliferam as parcerias entre companhias químicas, de biotecnologia, petrolíferas e usinas sucroalcooleiras. É o caso do acordo firmado em 2006 entre a DuPont e a petrolífera britânica BP para desenvolver o biobutanol, processado a partir de beterraba, milho, trigo e cana-de-açúcar (caldo ou bagaço). No início deste ano, testes revelaram que o biobutanol pode ser misturado à gasolina comercializada na Europa a uma proporção de 16% - acima, portanto, do limite de 10% do etanol.


Por possuir quatro átomos de carbono, em vez de dois como no etanol, o biobutanol tem maior potencial energético e não absorve água. "O biobutanol ajudará o Brasil a superar a barreira para expandir a exportação de biocombustíveis à Europa. Será possível transportar o biobutanol nos mesmos dutos utilizados para a gasolina sem que seja necessário investir em infra-estrutura adicional", diz Eduardo Wanick, presidente da DuPont América Latina. Segundo Wanick, o biobutanol de cana deve ser lançado até 2012, mas antes terá de superar dificuldades no processo de fermentação, que requer a produção em laboratório de microorganismos geneticamente modificados. Apesar dos enormes desafios tecnológicos pela frente, os bilhões de dólares que as empresas do setor vêm investindo no desenvolvimento de produtos inovadores mostram que a química verde é mais do que um modismo passageiro - e pode dar uma valiosa colaboração a outros setores da economia que correm contra o tempo para tornar sua produção mais limpa.

As principais linhas de atuação

O que as indústrias químicas estão fazendo para reduzir o impacto de sua atividade no meio ambiente

Área: Matérias-primas renováveis
Tendência: Substituição de derivados de petróleo por óleos vegetais na produção de espumas e plásticos

Área: Solventes
Tendência: Uso de água no lugar de solventes na fabricação de tintas, esmaltes e adesivos, para diminuir riscos à saúde humana e ao meio ambiente

Área: Riscos ambientais
Tendência: Eliminação de substâncias perigosas, como metais pesados em tintas para pintura de navios, nocivos à vida marinha

Área: Biocombustíveis
Tendência: Parcerias com indústrias petrolíferas e usinas sucroalcooleiras na pesquisa de novos combustíveis à base de vegetais

Área: Plásticos verdes
Tendência: Substituição gradual de nafta por etanol de cana e outras matérias-primas vegetais na produção de resinas plásticas

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