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Dinheiro, barulho e resultados verdes

Além de recursos, a nova geração de filantropos atrai holofotes para suas causas e se dedica a elas com o mesmo rigor com que conduz seus negócios

Bill e Melinda Gates, na África: a fundação do casal é vista hoje como o maior expoente da ação social eficiente (.)
DR

Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Num momento em que se discutem pacotes bilionários para salvar a integridade da economia nos Estados Unidos e na Europa, pode-se questionar se a filantropia ainda terá espaço no mundo.

Uma maneira de afugentar o pessimismo é ler o recém-lançado Philanthrocapitalism (“Filantrocapitalismo”, numa tradução livre, sem previsão de publicação no Brasil). O livro — de autoria de Matthew Bishop, jornalista da revista inglesa The Economist, e de Michael Green, funcionário do Departamento de Desenvolvimento Internacional da Inglaterra — defende a tese de que nunca houve antes neste planeta um número tão grande de bilionários dispostos a doar parte de sua fortuna para grandes causas. Mas o que realmente suscita o entusiasmo dos autores é o fato de que esses endinheirados, diferentemente dos filantropos do passado, estão obcecados por conquistar também nessa seara aquilo que os consagrou no mundo dos negócios: resultados. E é isso — o fazer o bem com a lógica da busca por eficiência, inerente às empresas — que virou sinônimo de filantrocapitalismo.

O termo, que hoje ganhou certa popularidade, foi cunhado pelo próprio Bishop em 2006, numa reportagem na The Economist. E é por isso que ele se sente no direito de eleger aquele que considera uma das maiores expressões do filantrocapitalismo: Bill Gates, a quem dedica várias páginas do livro. O fundador da Microsoft, um dos homens mais ricos do mundo, caiu nas graças dos autores porque leva a filantropia com o mesmo afinco com que conduz seus negócios. A prova mais concreta disso foi dada em junho deste ano, quando Gates abandonou o cargo que ocupava à frente da empresa que criou, em 1975, para se dedicar em tempo integral à gestão da Fundação Bill e Melinda Gates — hoje a maior do mundo, com ativos de mais de 30 bilhões de dólares. A tomada dessa decisão, afirmou ele aos autores, foi inspirada em seu próprio passado como empresário: “Eu gostava era de programar e evitava me envolver na gestão e na contratação de pessoas, entre outras coisas. Foi quando percebi que a Microsoft só teria mesmo impacto se eu aprendesse a contratar funcionários, fazer discursos, falar com os consumidores”. Hoje, Gates quer provocar impacto em outras áreas, entre elas a da saúde global, uma das três áreas de atuação estratégica definidas por sua fundação. Para isso, dedica-se a entender questões que classifica de "hipercomplexas”, tais como o desenvolvimento de novas drogas para doenças que hoje afligem apenas países pobres, como a malária.

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Além de ávidos por colocar a mão na massa, os filantropos modernos — e Gates é apenas um de uma dezena deles descrita no livro — são, por natureza, pragmáticos e pretensiosos. Boa parte deles não faz questão de discrição quanto às suas boas ações. Tal exibicionismo, segundo Bishop e Green, também é estrategicamente calculado para dar visibilidade às causas que defendem. E ninguém melhor para legitimar essa tese do que o aparecido bilionário britânico Richard Branson, do grupo Virgin, que em 2002 fez uso de seu status de celebridade para tentar evitar a Guerra do Iraque. Para tanto, usou sua influência para promover um encontro entre Saddam Hussein e o carismático Nelson Mandela — que deveria convencê-lo a desistir do conflito. O plano de levar o líder sul-africano para visitar o Iraque foi atropelado pela rapidez com que os eventos que culminaram na eclosão da guerra se sucederam, e não vingou. Branson, porém, saiu convencido de que sua habilidade para gerar publicidade seria, dali para a frente, uma das principais armas a favor de sua atividade filantrópica. “Tenho dinheiro e uma imagem pública forte. Sei que consigo pegar o telefone agora e falar com qualquer pessoa no mundo”, afirma ele, que ultimamente se dedica a combater o aquecimento global com investimentos em combustíveis renováveis.

Os autores acreditam que, mais do que a sociedade civil ou os governos, a mudança do planeta está nas mãos desses bilionários. Eles fazem, no entanto, algumas ponderações sobre o efeito colateral que tanto dinheiro e tanta dedicação a certas causas podem trazer. Uma das ressalvas é de autoria das Nações Unidas e mostra que os massivos investimentos de Bill Gates na descoberta de remédios poderiam criar uma espécie de cartel nas pesquisas em saúde. “Muito dinheiro pode levar a um monopólio, desencorajando rivais de menor porte e a competição intelectual", diz Arata Kochi, o cientista à frente do programa de malária das Nações Unidas, num memorando interno da instituição. Ainda é cedo para afirmar que essa nova geração de benfeitores conquistará os resultados que tanto almeja. Mas, ao se chegar à última das 300 páginas do livro, restam poucas dúvidas de que Bishop e Green foram completamente seduzidos pela suposta pureza de intenções dos personagens que descrevem.

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Livro: Philanthrocapitalism
Bloomsbury Press, 298 págs.
Autores - O jornalista americano Matthew Bishop e o economista britânico Michael Green.

"Uma das obsessões dos filantrocapitalistas é ter certeza de que o dinheiro que doam está sendo usado da melhor maneira possível. ‘É por isso que não simplesmente assinamos cheques e damos a um ministro da Saúde dizendo: tome esse mundo de dinheiro, faça o que quiser", diz Gates.

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