Mundo

Brasil tem grande oportunidade de crescimento, diz Troyjo em Davos

Para o presidente do "Banco dos BRICS", o Brasil poderia ser o grande beneficiário das mudanças em andamento no mundo

O presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), Marcos Troyjo (Washington Costa - SEPEC/ME/Flickr)

O presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), Marcos Troyjo (Washington Costa - SEPEC/ME/Flickr)

Para o presidente do Novo Banco de Desenvolvimento (NDB, na sigla em inglês), Marcos Troyjo, o Brasil está diante de uma grande oportunidade na mudança de ordem mundial.

Em conversa com a EXAME durante o Fórum Econômico Mundial de Davos, o economista brasileiro, que comanda o "Banco dos BRICS" explicou que existem atualmente três forças que estão mudando o cenário internacional.

E todas elas poderiam ser benéficas ao Brasil.

Entretanto, segundo Troyjo, o País deve continuar a levar adiante reformas para tornar o ambiente de negócios mais amigável e aproveitar em cheio essa janela de oportunidades.

Para ele, a maioria dos países emergentes vai registrar um crescimento econômico em 2022. Mesmo se as economias mais maduras poderão encarar uma recessão.

Essa "grande ultrapassagem do PIB" deverá continuar no futuro e alterar dramaticamente os equilíbrios internacionais.

Um contexto onde o Brasil, grande produtor de commodities, mas também grande economia emergente e muito digitalizada, poderia obter grandes vantagens.

Confira os melhores trechos da entrevista com Marcus Troyjo em Davos

Quais temáticas o Sr. achou que definiram a agenda desse Fórum Econômico Mundial de Davos?

Foi dada muita ênfase na questão da pandemia, que ainda não acabou em algumas partes do mundo. As tensões geopolíticas também. E tem o tema da inflação. Que acredito se tornou preponderante. Hoje, no mundo, a cada US$ 6 em circulação, um não existia há 24 meses. Houve uma expansão da base monetária muito grande. Com isso, a inflação, mais uma vez, voltou a ser o tema, digamos assim, de atenção global.

Os americanos exageraram na dose da política monetária durante a pandemia, não é?

Há um debate sobre o mérito. Um debate sobre se, em um determinado momento, sobretudo nos Estados Unidos, era mais importante levar adiante um aumento da base monetária, para aumentar a intervenção na economia, ou se era melhor atuar na alavanca dos impostos. Naquele momento, a opção foi levar adiante uma expansão da base monetária. O Banco Central americano demorou para reagir, e isso acabou tendo efeito de expansão de preços que a gente conhece. Agora, na minha opinião,é importante pensar em forças mais estruturais que estão em movimento. E que talvez expliquem esse renovado entusiasmo pelo Brasil.

Conversando com muitos europeus e americanos em Davos percebi o terror para uma possível recessão, por causa da guerra na Ucrânia.

Nesse momento, no mundo, estão atuando três forças. A mais importante de todas é que, mesmo em um ano difícil como 2022, o Produto Interno Bruto (PIB) medido pela paridade do poder de compra (PPP), do chamado G7 (Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido, Itália e Canadá) é de US$ 42 trilhões. Mas se somarmos o PIB em PPP das sete maiores economias emergentes, o chamado E7, ou seja China, Índia, Brasil, Indonésia, Rússia, México e Turquia, o combinado vai ser de US$ 53 trilhões. Estamos falando de um grupamento de países que concentra uma parte muito significativa da população mundial. Essas pessoas terão expansão econômica esse ano. E, na minha opinião, isso está aqui para ficar.

É o primeiro ano que essa "grande ultrapassagem" do PIB acontece?

Não. Já aconteceu antes. Mas agora está ficando muito pronunciado. E o que acho mais importante é que se retirarmos a China desse E7, se tornando E6, e se tirar Estados Unidos do G7, virando G6, o E6 é maior do que o G6. Ou seja Então não é apenas sobre a China. Veja o caso da Índia. Ela está se aproximando de US$ 10 trilhões de PIB medido por PPP. É uma expansão muito significativa e que tem um efeito na formação da demanda global. O meridiano geoeconômico do mundo vai, digamos assim, se deslocar para esses países emergentes.

Mas esses emergentes tem quase todos problemas geopolíticos. A Rússia com a Ucrânia. A China com Taiwan. A Índia com o Paquistão. O Brasil parece se destacar nesse cenário.

Eu acho que é isso tem a ver com a segunda força. Se a primeira força é um deslocamento das placas tectônicas em favor dos países emergentes, a segunda força tem a ver com a reconfiguração das redes globais de valor.

O fator mais importante é que algumas economias, até recentemente, sediaram muitas atividades baseadas no baixo custo da remuneração da força de trabalho, mas agora se tornaram economias intensivas em tecnologia. A China é o exemplo típico.

Para os setores ainda intensivos de trabalho, essas cadeias de valor estão saindo da China. Estão indo para países como o Vietnã, Myanmar, ou Bangladesh.

A evolução de algumas economias nacionais determina essa reconfiguração das cadeias de suprimentos globais.

Mas temos também uma reconfiguração das forças de demanda.

Veja, 20 anos atrás, quais eram os grandes temas comerciais do Brasil? O contencioso Embraer-Bombardier; obter um acesso privilegiado ao mercado norte-americano para o suco de laranja brasileiro; e a eliminação de subsídios à produção agrícola na Europa e o aumento da penetração de exportações brasileiras do agronegócio no mercado europeu.

Naquele momento o Brasil tinha um fluxo comercial de um bilhão de dólares com a China por ano.

Hoje o fluxo comercial com a China é de um bilhão de dólares cada 62 horas.

Hoje o Brasil exporta mais para Bangladesh do que para a Dinamarca, Austrália e Israel juntos. O Brasil exporta mais para Cingapura do que para a Alemanha. O Brasil exporta mais para a Malásia do que para a Itália. O Brasil exporta mais para a Tailândia do que para a França. E isso muda muito as coisas.

O fluxo de investimentos estrangeiros diretos também mudou. O Brasil tem uma grande tendência de receber investimentos estrangeiros diretos.

No passado eles vinham dos Estados Unidos, Espanha, Europa. Hoje estamos vendo fluxos cada vez maiores de Emirados Árabes, Arábia Saudita, de países que sediam grandes fundos soberanos. Então há uma diversificação também das fontes de IDE.

E entra então a terceira força, que eu chamo de a metamorfose da infraestrutura.

Até recentemente, a infraestrutura era sinônimo de infraestrutura física. Autoestrada, ponte, ferrovia, metrô. E isso continua sendo muito importante.

Só que agora passou a ser muito intermediada pelas forças tecnológicas.

Hoje se fala muito em infraestrutura digital, não apenas para o mundo virtual, mas também para todas essas coisas.

Na base disso tudo, você está completamente certo falando que o Brasil voltou a chamar a atenção do mundo. Em primeiro lugar, porque é uma das cinco maiores economias do E7, é uma das oito maiores economias do mundo.

Nessa reconfiguração de cadeias de valores globais, há uma espécie de fenômeno que eu chamo de "janela ricardiana".

Em um mundo onde o meridiano geoeconômico está na Ásia e é muito turbinado por países de alto contingente populacional, alto nível de crescimento, mas de renda médio-baixa, quando a renda média desses países cresce a partir de um patamar mais baixo o valor incremental, a renda incremental, é muito usada para o consumo de calorias. Se come mais, e se produz mais infraestrutura.

Grande notícia para um País como o Brasil, que é uma superpotência exportadora de alimentos e de minério de ferro.

Então, essa janela ricardiana permitirá acumular os recursos necessários para investimentos importantes no Brasil, na diversificação da economia, na reindustrialização e na agregação de valor tecnológico. Essa é uma grande oportunidade para o Brasil.

E tem um outro fator, o terceiro: o Brasil é uma das principais fronteiras do investimento em infraestrutura.

E está atraindo investimentos seja em infraestrutura física que digital.

O Brasil é uma das grandes sociedades digitais do mundo. Veja o número de usuários de internet, a utilização de meios de pagamento eletrônico, etc...

Os unicórnios no Brasil são mais do que na Europa.

O Brasil aparece com credenciais muito positivas, e essa é a principal "ímã" de renovado interesse para o Brasil.

Agora, é possível aproveitar isso o máximo, ou se pode aproveitar isso apenas parcialmente, com um aproveitamento inercial.

A diferença entre os dois é uma só: continuar fazendo reformas. Construindo um ambiente de negócios mais amigável, levando adiante um processo de reformas estruturantes, continuando um processo de inserção Internacional por meio de acordos comerciais e de investimentos de terceira geração.

Essas são as credenciais para que o País aumente o fluxo de investimentos resultantes dessas tendências que, para o Brasil, são tão positivas.

Mas o Brasil não estaria arriscando se tornar um País apenas produtor e exportador de commodities? Afinal, a indústria está perdendo espaço há anos na formação do PIB.

Sabe qual o maior produtor mundial de commodities? Os Estados Unidos. E ainda é o país de maior avanço tecnológico, o país que ainda deposita mais patentes na Organização Mundial de Propriedade Intelectual.

Então, no limite, não existe nenhuma incompatibilidade entre ser um grande produtor de commodities e uma potência industrial e tecnológica. Canadá, ou Austrália, são outros exemplos.

O que é diferencial é a fonte de acumulação de capital, investimento em capital, investimento em diversificação da economia, investimento em pesquisa e desenvolvimento da inovação. Vai ser uma alta poupança interna? Vai ser um investimento estrangeiro? Aumento de impostos? Como é que vamos fazer isso?

Ter ventos tão favoráveis no que eu chamo de "janela ricardiana" significa conseguir acumular gigantescos estoques a partir de exportações em que se têm vantagens comparativas.

Por último, a desindustrialização é um fenômeno mundial. Os Estados Unidos estão se desindustrializando. O Japão está se desindustrializando. A China está se desindustrializando. Desindustrialização no sentido de que diminui a parcela relativa do setor secundário da economia e aumenta, por exemplo, do setor de serviços.

Agora, o fato também é que me parece que essas divisões entre o setor primário, secundário e terciário estão sendo revolucionados  pela "Quarta Revolução Industrial". Existe uma disseminação tecnológica por tudo.

Às vezes você tem agregação muito maior de valor na produção de um grão de soja, porque você utiliza modelos matemáticos avançados para fazer a previsão meteorológica, ou para colheita, ou para distribuição, ou para logística, no que, por exemplo, numa manufatura mais tradicional.

É o quanto de tecnologia, de valor agregado, que você dissemina pela sociedade que faz a diferença.

Isso é um grande desafio se o País não tem vantagens comparativas, fica mais fácil se tem vantagens comparativas que encontram um cenário Internacional tão favorável para os bens onde as se possuem.

Pois se tem a possibilidade de acumular esses grandes estoques de recursos para levar adiante esse processo de diversificação.

O Brasil está entendendo isso? Existe o risco de perder mais uma oportunidade histórica?

O Brasil, quando tivemos essa primeira onda, mais ou menos da metade da primeira década dos anos 2000, muito coincidente com a ascensão dramática da China, aproveitou menos do que deveria. Não fez privatizações, não fez reforma da previdência, não fez a modernização da legislação do trabalho, etc..

Hoje temos a previdência reformada. Uma legislação trabalhista que foi, de certa forma, também modernizada. Um desafio da área tributária, que talvez seja ainda um dos grandes pesos negativos sobre o ambiente de negócios no Brasil.

O Brasil avançou muito na parte de digitalização. Houve grandes avanços na parte de desburocratização.

Mas o grande desafio também vai ser na parte de educação. Em treinar novamente os que saem do mercado de trabalho.

Para terminar, onde tem investimento e fluxo comercial, tem também influência política. A China é o maior parceiro comercial do Brasil há mais de 10 anos e também está começando a se tornar um parceiro relevante em termos de investimentos. O Brasil vai começar a orbitar em volta de Pequim?

O Brasil é um país soberano, que tem sua política externa soberana. O Brasil é uma democracia. Democracia é um valor para o Brasil. O Brasil tem os seus interesses econômicos legítimos. Construiu parcerias econômicas legítimas. O comércio bilateral, na relação econômica Brasil-China faz todo sentido quando é benéfica para ambos. As outras questões são questões soberanamente decididas.

Acompanhe tudo sobre:BricsDavosFórum Econômico Mundial

Mais de Mundo

Trump critica democratas durante encontro com Netanyahu na Flórida

Milei diz que a Argentina apoia o povo venezuelano em sua 'luta pela liberdade'

Venezuela fecha fronteiras terrestres e barra entrada de avião com ex-presidentes do Panamá e México

Por que Kamala Harris é 'brat' — e como memes podem atrair o voto dos jovens e da geração Z

Mais na Exame