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O ataque aos mitos verdes

Obra mostra por que os consumidores devem abandonar a emoção e apostar na lógica antes de se render ao "ecologicamente correto"

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h11.

Sempre que o mundo abraça uma espécie de consenso sobre um tema, não são poucas as pessoas que percebem que a melhor maneira de chamar a atenção é nadar contra a corrente. Isso explica por que, em plena era do medo das consequências do aquecimento global, de tempos em tempos surgem autores questionando a onda verde e a adoção de hábitos, políticas e tecnologias ecologicamente corretos que, supostamente, nos ajudariam a lidar com o problema. O mais célebre deles é o cientista político dinamarquês Bjorn Lomborg, que em livros como Cool It - Muita Calma Nessa Hora usou e abusou de análises estatísticas para tentar provar que as mudanças climáticas não terão efeitos assim tão nefastos sobre a humanidade.

Ao time de questionadores de plantão, acaba de se juntar o inglês Brian Clegg, que lançou recentemente Ecologic - The Truth and Lies of Green Economics ("Ecológica - As verdades e mentiras da economia verde", numa tradução livre, sem previsão de lançamento no Brasil). Formado em física pela Universidade de Cambridge, Clegg ganhou alguma notoriedade na Inglaterra ao escrever livros de temas científicos para leigos. Em Ecologic, ele procura repetir a fórmula. Em vez de desafiar a comunidade científica, ele quer apenas que as pessoas passem a usar a razão, a economia e a psicologia - o que ele batizou de "ecológica" - e menos as emoções para analisar questões ambientais. Só assim, afirma o autor, será possível descobrir que, "por baixo de camadas e camadas de confusão e enganação", nem tudo que parece verde é tão verde assim.

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Pense, por exemplo, nos alimentos orgânicos, cada vez mais em alta na percepção dos consumidores. Na teoria, afirma Clegg, seu consumo está baseado em algumas razões: eles seriam melhores para a saúde que os convencionais, mais benéficos para o meio ambiente e mais saborosos. O autor então submete esses argumentos à sua "ecológica" para saber se eles realmente fazem sentido. Para começar, lança dúvidas sobre a premissa de que os orgânicos seriam mais saudáveis por estarem livres de agroquímicos. A Associação do Solo, a entidade de promoção dos orgânicos mais famosa e combativa da Inglaterra, por exemplo, faz questão de alardear que cerca de 72% das maçãs produzidas de maneira tradicional consumidas no país apresentam algum resíduo de pesticida. Embora o dado possa soar inicialmente assustador, Clegg acredita que ele deve ser relativizado. "Praticamente tudo o que comemos apresenta traços de venenos, sejam eles naturais ou sintéticos", diz. Num simples copo de café, por exemplo, segundo estudos de Bruce Ames, renomado professor de biologia molecular da Universidade de Berkeley, nos Estados Unidos, há uma quantidade de substâncias potencialmente cancerígenas semelhante à de agroquímicos que ingerimos durante o período de um ano. Por isso, seu primeiro conselho para os consumidores dispostos a questionar mitos verdes é se livrar do conceito arraigado de que o natural é sempre melhor e mais seguro. Clegg também questiona os impactos do modelo de produção dos orgânicos para o meio ambiente. Afinal, apesar de essas fazendas fomentarem maior biodiversidade, o autor argumenta que elas são menos produtivas e, por isso, demandam maiores extensões de terra.

Clegg não faz o papel de advogado do diabo apenas com os orgânicos. Outros temas quentes do momento, como biocombustíveis, reciclagem e comércio justo, também são vítimas de sua sanha questionadora. Muitas páginas do livro são usadas, por exemplo, para criticar o atual frenesi antidióxido de carbono. Embora não refute o papel de vilão do gás para as mudanças climáticas, ele reforça que o CO2 não é o único responsável pelo efeito estufa. Entre os gases subestimados estão, por exemplo, o metano, cujo potencial de aquecer o planeta é muito maior que o do dióxido de carbono, e o óxido nitroso, fruto sobretudo do uso indiscriminado de fertilizantes na agricultura. Devido à obsessão criada em torno do carbono, porém, Clegg salienta que não há hoje um debate sobre como racionalizar a utilização de fertilizantes de modo a diminuir a dispersão de óxido nitroso. "Algumas estratégias em relação ao carbono, como comércio de emissões e captura, são legítimas. Outras, como a busca pela neutralidade, têm mais o propósito de enrolar do que salvar o planeta."

É bom que os leitores não esperem respostas definitivas para suas angústias ambientais com Ecologic. Quem vencer as 331 páginas do livro ficará sem saber, por exemplo, se o consumo de alimentos orgânicos é a redenção da humanidade ou o resultado do lobby de uma nova indústria. O mérito da obra está justamente aí: demonstrar que defender ou combater de forma apaixonada teorias ecologicamente corretas é uma tarefa bem menos óbvia do que parece. "Ser verde não é fácil", afirma Clegg mais de uma vez no livro. Aparentemente, ele está certo.

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