Xô, calote!
Assustado com a inadimplência de seus clientes? Veja como tirar vantagens do seguro contra a falta de pagamento
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.
O executivo catarinense Ivair Spanholi, responsável por financiamento de produtos da subsidiária brasileira da Volvo, em Curitiba, recebeu uma missão espinhosa da matriz sueca em 2001. Ele teria de reduzir o risco que a empresa corria com as vendas a prazo, evitando financiar os clientes menos confiáveis. O desafio tornava-se mais complicado porque Spanholi não poderia prejudicar o trabalho da área de vendas da montadora. Nas vendas, facilitar o pagamento faz parte do jogo -- quanto mais, melhor. A solução encontrada foi usar um produto financeiro que é comum nos países desenvolvidos, mas que só agora começa a ser conhecido no Brasil, o seguro de crédito. Seu princípio é simples: indenizar as empresas no caso de perdas por falta de pagamento de encomendas ou serviços prestados. Os motivos podem ser falência, concordata ou simplesmente atraso do cliente.
A Volvo já utilizava o seguro de crédito em suas exportações. A decisão de contratar uma apólice também para parte das vendas internas, em outubro do ano passado, permitiu-lhe continuar a oferecer os mesmos prazos de pagamento a que seus clientes estavam acostumados. Ao mesmo tempo , os colegas de Spanholi no departamento financeiro puderam tranqüilizar os acionistas na Suécia. A empresa não divulga números referentes à apólice -- nem o valor segurado nem seu custo. Spanholi informa apenas que segurou uma fatia das vendas e o resultado é muito satisfatório. "Pensamos em estender o serviço para outras unidades da companhia", diz Spanholi. Sua atitude reservada é comum para quem opera com esse tipo de seguro, comprando ou vendendo. Sua regra básica é a confidencialidade. "Muitas empresas temem que a divulgação estimule seus clientes a relaxar no cumprimento de suas obrigações", diz Sérgio Fasolari, da corretora Merit, de São Paulo.
A Volvo fechou o negócio com a Coface, uma seguradora francesa especializada em seguro de crédito que presta serviços para a Sul América e a Santos Seguros. Atuam ainda no setor nomes pouco conhecidos do varejo, como a brasileira Áurea (que tem entre seus sócios o Bradesco), a franco-alemã Euler Hermes (do grupo AGF) e a espanhola Mapfre. Todas abriram suas portas recentemente. A Coface a que está no mercado há mais tempo, tendo começado em 2001. Juntas, elas têm pouco mais de 70 clientes, a maioria multinacionais que seguem os costumes dos países de origem. Seu campo de atuação é considerado vasto. "Queremos atingir companhias com faturamento a partir de 100 milhões de reais por ano", diz Marc Cambourakis, presidente da Euler Hermes. "São pelo menos 2 000 no país."
O que se espera do seguro de crédito é claro: se a companhia vendeu e o cliente não pagou, a seguradora paga. No entanto, contratar esse seguro dá trabalho. Para conseguir essa tranqüilidade, a empresa tem de estar preparada para responder a muitas perguntas. "Quanto mais precisas as informações, mais adequada será a apólice", diz Rogério Vergara, diretor-geral da Mapfre. O primeiro passo parte do candidato ao seguro, que fornece à seguradora dados detalhados de sua vida comercial. É preciso informar a parcela das vendas a vista e a prazo, a estrutura de gestão de crédito, o perfil dos clientes com respectivos volumes de venda, a distribuição dos inadimplentes por faixa de crédito e o histórico das perdas. O temor de que os dados caiam em mão erradas -- como concorrentes ou clientes desejosos de negociar com vantagens -- ajuda a explicar o culto ao sigilo do setor.
Após receber as informações, a seguradora analisa a situação financeira da empresa contratante, seu fluxo de caixa e o de seus clientes. Entre as fontes de dados mais utilizadas estão os serviços de análise de crédito, como o Serasa. Completada a busca de informações, a seguradora estabelece limites de crédito para os clientes, que correspondem ao máximo valor de vendas segurado. Por exemplo, um cliente pode ter um limite de 200 000 reais. Se já foram emitidas duas faturas de 100 000 reais, uma terceira do mesmo valor só estará coberta pelo seguro quando a primeira for paga. Os valores podem ser modificados para cima ou para baixo pela seguradora, que passa a monitorar as atividades da empresa e de seus clientes. A empresa pode solicitar alteração nos limites, assim como inclusão de novos clientes.
O monitoramento das empresas revela o lado da prestação de serviços embutido no seguro de crédito. O objetivo das seguradoras é prevenir problemas e poupar trabalho para as empresas, servindo como um departamento de análise de crédito terceirizado. "Uma empresa média, por exemplo, expõe seus produtos numa feira e recebe dezenas de propostas de compra", diz Marcos Novaes, diretor da Áurea. "Ela manda os nomes para a seguradora e, em alguns dias, sabe quanto pode conceder de crédito a cada empresa." O serviço de cobrança, quando necessário, completa o tripé do seguro de crédito junto com a prevenção e a indenização.
Há mais uma vantagem além da redução de custos e do suporte à conquista de novos mercados. O seguro de crédito pode oferecer compensações financeiras à empresa. Uma apólice elimina a provisão para devedores duvidosos do balanço e permite à empresa mostrar números melhores ao mercado e aos bancos na hora de conseguir crédito. O seguro traz ainda benefícios fiscais, pois o prêmio pago à seguradora é lançado como uma despesa e reduz o imposto a pagar.
Foi justamente o argumento financeiro que ajudou os executivos da Philips a optar pela nova modalidade de seguro. A companhia, que faturou 1,5 bilhão de reais em 2002, assinou contrato no segundo semestre do ano passado com as seguradoras Mapfre e Coface, estimulada pela conjuntura política e econômica do período. "Decidimos fazer o seguro num momento de turbulência total do mercado", diz Horácio Almendra, responsável pelas finanças da Philips na América Latina. "Num ambiente extremamente volátil, tendemos a buscar proteção."
A cultura do seguro na Philips é praticada pela matriz holandesa e estendida a todas as filiais. No entanto, o ganho financeiro também pesou na hora de tomar a decisão. "Meu apetite para o seguro depende dos ganhos fiscais", diz Almendra. "A empresa tem de calcular se ganha mais fazendo o seguro ou se é melhor simplesmente fazer provisões para a inadimplência." Por isso, como a situação do país está bem melhor do que há um ano, Almendra ainda vai decidir se renova a apólice ou não. "Em épocas de calmaria, o seguro pode ser menos necessário", diz.
Embora procurem divulgar as vantagens de seu produto, as seguradoras tomam muito cuidado para que a apólice não se transforme num cheque em branco na mão do segurado. A indenização, por exemplo, é limitada a 85% do valor da fatura. Isso significa que os 15% restantes servem como uma franquia. "A co-participação do segurado é importante para incentivar a sinergia com a seguradora na hora de conceder e de recuperar o crédito", diz Predrag Pancevski, diretor da Euler Hermes. Em português: se não levar parte dos prejuízos, a empresa pode ficar tentada a conceder crédito sem critério e depois entregar uma extensa lista de calotes para a seguradora resolver.
Pelas normas das seguradoras, as apólices têm de cobrir todos os clientes da empresa por um determinado prazo, normalmente um ano. Não dá para se proteger apenas daquele cliente que muito provavelmente vai ser fonte de más notícias. "Assim os riscos são diluídos, como em outros tipos de seguro", diz Marcelo Mirabelli, gerente comercial da Coface. No máximo, as seguradoras admitem tratar separadamente parte das vendas que tenha características diferenciadas de outras, como aconteceu no caso da Volvo.
A cautela das seguradoras reflete-se também no prazo de pagamento da indenização. É preciso que a empresa espere cerca de 180 dias após o vencimento da fatura para receber a indenização. É o mesmo período que bancos e financeiras costumam esperar antes de considerar um crédito não saldado como perda. Nada impede que, no dia seguinte ao vencimento, a seguradora seja acionada para dar início ao processo de cobrança. Mas a caracterização do sinistro (isto é, da perda), no entanto, só ocorre 150 dias depois. Antes desse prazo, o devedor é considerado inadimplente, mas ainda recuperável. "Esse é um critério internacional", diz Novaes, da Áurea. "O objetivo do seguro é indenizar perda, não atraso de prestações." Outras exclusões do seguro são vendas ao governo, a pessoas físicas -- já que o foco da seguradora são as empresas privadas -- e a companhias coligadas do contratante. "Neste caso não cobrimos porque a decisão de pagar ou não é do próprio segurado", afirma Pancevski, da Euler Hermes.
Quanto custa o seguro-calote? O valor do prêmio depende de alguns fatores: a taxa de inadimplência na carteira do segurado, a estrutura de seu departamento de gestão de crédito, o setor em que atua, o volume de vendas, o número de clientes e até a situação da economia. Em média, a empresa tem de pagar 0,8% do faturamento ao ano, mas esse percentual pode variar de 0,3% a 1,2%. Os serviços de monitoramento e cobrança podem ser faturados à parte. O acompanhamento custa entre 100 e 150 reais por empresa por ano.
Uma forma de baixar o preço da apólice é incluir uma franquia (por exemplo, excluir todos os créditos de até 1 000 reais) ou uma cláusula de perda agregada (a empresa arca sozinha com perdas até determinado valor, 1 milhão de reais, por exemplo). Por isso tudo, cada apólice de seguro de crédito é única e não pode ser tratada como produto de prateleira -- o que explica também a existência dessas pequenas seguradoras especializadas no ramo. Esse é o motivo, ainda, da demora para o fechamento de um negócio. "Levamos seis meses para chegar aonde queríamos", diz Spanholi, da Volvo. "Mas, como o processo foi bem-feito, na renovação quase não tivemos o que modificar."
DINHEIRO DE VOLTA |
O seguro de crédito, que custa em torno de 0,8% das vendas ao ano, garante o recebimento de dívidas, mas tem limitações |
PONTOS FORTES é considerado despesa e proporciona ganho fiscal de recursos nos bancos a juros mais baixos |
PONTOS FRACOS ser paga estatais, empresas coligadas e pessoas físicas dos clientes é pago à parte |