Uma safra histórica
Críticos, negociantes e conhecedores afirmam que 2005 é o melhor ano da história de Bordeaux. A má notícia: os preços vão para as alturas
Da Redação
Publicado em 12 de outubro de 2010 às 18h13.
Entre os apreciadores de vinhos, especialmente os mais acostumados aos produtos do chamado Novo Mundo, as safras têm importância relativa, já que a variação de qualidade de um ano para outro é muito sutil e, conseqüentemente, a de preços também. No entanto, para o maduro mercado europeu, as safras -- tanto em termos de qualidade quanto de preço -- podem variar significativamente. Em alguns casos, garrafas de safras consideradas excepcionais chegam a dobrar ou triplicar de preço em relação às de uma apenas boa. Nesse sentido, a safra de 2005 promete entrar para a história como excepcional. No ano passado, as condições climáticas favoráveis turbinaram vinhedos por todo o mundo -- da Austrália aos Estados Unidos. Nenhuma região, porém, foi tão beneficiada como o vale do rio Gironde, na região de Bordeaux, na França. A pouca chuva e o calor na medida produziram frutos com excelente teor de açúcar e cascas com alta concentração de tanino. Produtores, críticos e merchands comemoraram eufóricos a qualidade das uvas colhidas naquele ano, tanto as de variedades mais precoces quanto as de colheita mais tardia. Muitos sugerem que 2005 se coloca, em qualidade, ao lado das mais célebres safras de todos os tempos na região, como a de 1982. Os mais otimistas acreditam que a safra do ano passado tenha ultrapassado todas as outras marcas históricas.
A supersafra conquistou o crítico Robert Parker, notório apreciador da produção de Bordeaux. Em uma degustação feita em abril, Parker declarou que jamais havia provado tantos vinhos extraordinariamente ricos, concentrados e densos, com alto teor de tanino e extrato, mas, ao mesmo tempo, tão definidos e frescos. Os críticos britânicos, mais fleumáticos e menos eufóricos, também endossam a superioridade da safra 2005. No entanto, a respeitada crítica do jornal Financial Times Jancis Robinson recomenda certa dose de cautela. "Os vinhos são ótimos, não há dúvida, mas talvez um pouco superestimados", disse Jancis recentemente.
A ordem natural das coisas sugere que a qualidade soberba da safra dê origem a vinhos igualmente extraordinários (é preciso lembrar que muitos vizinhos, como o premier cru Château Margaux, por exemplo, só começarão a chegar ao mercado em 2008). Por enquanto, nas chamadas "provas de barrica" (análises feitas antes de o vinho ficar pronto), a expectativa está sendo correspondida. "Até aqui estamos indo muito bem", afirma Paul Pontallier, gerente-geral do Château. "É a melhor safra do Margaux que já provei até hoje." A disputa pelas melhores garrafas promete ser intensa não apenas pela qualidade do vinho mas também porque a produção deve ficar em torno de 150 000 garrafas, 15% abaixo da média histórica. "Por isso, vai ser mais difícil colocar as mãos em um desses exemplares", diz ele, em tom de inegável satisfação. Tamanha badalação tem um preço -- alto, obviamente. O gerente do Château Margaux afirma que toda a produção já foi vendida no especulativo mercado de futuros de Bordeaux, a preços muito superiores aos praticados em 2004. Os efeitos dessa alta já podem ser sentidos por toda parte.
INVESTIMENTO
O executivo Mathieu Peluchon, diretor da importadora brasileira Terroir, há pouco tempo comprou algumas garrafas do Château Lafite-Rothschild 2005 para um cliente. "Há um ano, pagaria de 150 a 200 euros, dependendo da safra", diz ele. "Com a de 2005, os preços explodiram e as garrafas começaram a ser negociadas a partir de 300 euros." Peluchon acredita que todo o frenesi em torno da safra seja estimulado sobretudo pelos grandes colecionadores, já que é um investimento de futuro. "Além de esperar quase dois anos para receber a garrafa, cada comprador terá de guardá-la por pelo menos mais uma década para desfrutá-la", diz ele. O próprio Peluchon já abasteceu sua adega particular com alguns exemplares dessa safra. "Tive a alegria de ter uma filha em 2005 e já comprei uma caixa de Bordeaux para tomar com ela quando crescer, como manda a tradição na França", diz ele.
O ano passado teve condições climáticas tão favoráveis que até mesmo o Brasil se beneficiou e, graças a isso, também por aqui os produtos dessa safra estão sendo recebidos com euforia. A amplitude térmica, com períodos mais longos de sol, associada ao baixo índice pluviométrico, que não superou a marca de 160 milímetros de chuva (bem abaixo dos quase 600 milímetros do ano anterior), ofereceu às uvas condições de amadurecer saudáveis no próprio pé. "Com os frutos dessa safra, estamos conseguindo vinhos com até 15% de álcool, o que é bastante incomum para o Brasil", diz Eduardo Angheben, enólogo da Angheben, vinícola gaúcha de médio porte. Para Adriano Miolo, enólogo-chefe da vinícola que leva seu sobrenome, o bom tempo não é a única explicação para o sucesso da safra do ano passado. "Há dez anos, nossa média de produção era 20 quilos por planta. Com o uso da tecnologia, passamos a produzir 2 quilos por planta, o que confere muito mais qualidade à fruta", afirma Miolo.