Por que o dinheiro do FGTS precisa render tão pouco?
Governo se recusa a permitir uso do fundo para compra de ações da Petrobras, medida que poderia minimizar as perdas dos trabalhadores, que já chegam a R$ 54 bilhões em 6 anos
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.
No último domingo, a Folha de S.Paulo gerou a expectativa de bons lucros para todos os trabalhadores brasileiros que possuem carteira assinada - e recursos depositados no Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Em sua manchete, o jornal informou que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva estudava permitir uma nova rodada de investimento do dinheiro do FGTS em ações da Petrobras. Essa seria uma forma de permitir que milhões de brasileiros que não possuem poupança pudessem aproveitar a provável valorização dos papéis da estatal com a exploração das reservas do pré-sal. A reportagem chegou a ser confirmada pelo ministro Carlos Lupi (Trabalho), mas depois foi desmentida pelo ministro Guido Mantega (Fazenda) e pelo próprio presidente Lula.
Nesta terça-feira, a Folha informa que Lula decidiu desmenti-la para não aumentar a volatilidade das ações da Petrobras em um momento de bastante turbulência no mercado financeiro. Entretanto, caso a proposta seja mesmo enterrada, a reportagem serviu ao menos para retomar uma polêmica: por que o FGTS não pode render mais aos brasileiros? A avaliação de especialistas ouvidos pelo Portal EXAME é de que o investimento dos recursos em ações da Petrobras seria o melhor caminho para que os trabalhadores deixassem de perder com o dinheiro parado no FGTS. Atualmente, o fundo possui cerca de 160 bilhões de reais em recursos. Esse saldo poderia ser cerca de 54 bilhões de reais maior caso o rendimento do FGTS simplesmente acompanhasse a evolução da inflação medida pelo IPCA nos últimos seis anos, de acordo com o Instituto FGTS Fácil. A diferença seria ainda maior se aplicação escolhida fossem os títulos públicos - que hoje em dia já possuem "grau de investimento" e oferecem baixo risco aos compradores. "O rendimento do fundo é ridículo", afirma Mario Avelino, presidente da organização não-governamental.
Para as contas do FGTS mais antigas, abertas até setembro de 1971 e ainda ativas - isto é, recebendo depósitos mensalmente -, o dinheiro pode render até 6% ao ano, mais a Taxa Referencial (TR). Mas a maioria das contas foi aberta após essa data, e são remuneradas a 3% ao ano, mais a TR. O objetivo da TR é promover a atualização monetária dos recursos - um eco da antiga correção monetária dos tempos da hiperinflação -, enquanto o rendimento mesmo fica por conta dos 3%. Segundo Avelino, os recursos estão perdendo a corrida da inflação porque a TR não é um índice de preços, mas uma taxa formada no mercado financeiro.
Oportunidade
Por isso, cresce a pressão para mudar a forma de remuneração do FGTS. Avelino defende que o governo libere 10% do saldo do FGTS para ser investido em ações da Petrobras. "Não podemos perder a oportunidade de o trabalhador participar do crescimento do país e da exploração do pré-sal", diz. Segundo o especialista, uma fatia de 10% não desfalcaria o fundo, cujos recursos são usados pelo governo para financiar a habitação, saneamento e infra-estrutura. Além disso, o dinheiro aplicado retornaria "na forma de geração de empregos e riquezas para o país".
A forte crise que sacode o mercado financeiro mundial, as incertezas sobre o preço das commodities e as dúvidas sobre como o pré-sal será explorado contribuem para que a Petrobras viva um ano decepcionante na Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa). Em 21 de maio, as ações preferenciais da estatal ( PETR4 ), atingiram sua maior cotação no ano - 52,51 reais. Desde então, acumulam uma perda de mais de 30% em relação aos 34,90 reais do fechamento desta segunda-feira (22/9).
Para os analistas, a atual depressão dos papéis não compromete as boas perspectivas da empresa, sustentadas pelo início da produção dos campos de pré-sal que a Petrobras já detém. "A Petrobras é uma empresa diferenciada. No longo prazo, investir o FGTS em suas ações é uma boa opção", afirma Vladimir Pinto, analista de petróleo e gás da corretora do Unibanco.
Outra corretora, a Ativa, avalia que as ações da Petrobras estarão cotadas a 61 reais em julho de 2009. "Mesmo com todas as incertezas quanto à regulamentação do setor petrolífero e do comportamento das commodities, comprar ações da Petrobras com FGTS é positivo", diz a estrategista-chefe, Mônica Araújo.
Os primeiros fundos de ações da Petrobras com recursos do FGTS foram constituídos em agosto de 2000, quando o governo Fernando Henrique Cardoso permitiu que até 50% do saldo das contas fosse aplicado nos papéis da estatal. Para atrair investidores, o governo vendeu as ações com um deságio de 20% em relação à cotação média do mercado. Os trabalhadores aportaram 1,7 bilhão de reais na operação. Outro tanto foi ofertado pelas instituições financeiras.
Quem participou da operação não tem motivos para se arrepender. Mesmo com os solavancos dos papéis neste ano, o fundo da Petrobras com recursos do FGTS acumula um ganho de 881,54% desde que foi lançado, de acordo com o Instituto FGTS Fácil. Mesmo descontando o rendimento do FGTS no período, a valorização chega a expressivos 827,24%. Traduzindo: se alguém deixasse 1.000 reais aplicados apenas no FGTS, sendo remunerado pela TR mais 3% ao ano, teria um saldo de 1.543 reais em 19 de setembro. Se a mesma quantia fosse aplicada nas ações da petrolífera, o saldo seria de 9.815,40 reais. "É preciso deixar os trabalhadores investirem em projetos que oferecem chances de o Brasil crescer, como o pré-sal", afirma Avelino, do Instituto FGTS Fácil.