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No mercado, sai a gula e entra o medo

Um dos maiores especialistas em mercados emergentes afirma que é cedo para falar em recessão ou crise do crédito, mas diz que o humor do mercado mudou na semana passada, com a saída da gula e a entrada do medo

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.

Responsável por tornar moda o termo "mercados emergentes" ainda na década de 80, o economista holandês naturalizado americano Antoine van Agtmael acredita que a recente turbulência nas Bolsas mundiais, verificada desde a semana passada, não será suficiente para colocar em risco o sistema financeiro americano nem para mergulhar a economia mundial em uma recessão. Ex-funcionário do Banco Mundial e gestor de bilhões de dólares, ele diz que a Europa, o Japão e outros emergentes deverão compensar a fase de desaceleração da economia americana que se avizinha. O economista afirma, entretanto, que as perdas com crédito e nos mercados devem levar a uma mudança no humor dos investidores. Não seria surpresa se o comportamento de "gula" dos últimos meses desse lugar ao "medo" nos mercados. No Brasil, o impacto mais provável seria a redução do ritmo de queda de juros, ainda que o país seja um dos poucos do mundo com espaço para continuar a flexibilizar a política monetária. Veja abaixo os principais trechos da entrevista concedida ao Portal EXAME:

Portal EXAME - Quais as chances reais de que as perdas com o mercado de "subprime" [hipotecas de segunda linha] se alastrem e coloquem em risco o sistema financeiro americano?

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Antoine van Agtmael - O mercado imobiliário nos Estados Unidos - e em muitos outros países - tem vivido de alguma forma uma bolha especulativa. Essas situações sempre chegam ao fim em algum momento. Eu não acredito, entretanto, que isso coloque em risco o sistema financeiro. Mais preocupante é o fato de que há capitais demais financiando acordos de "private equity" [capital de risco] que de uma hora para outra se tornaram objeto de exame detalhado. Alguém pode argumentar que essa fartura de financiamentos é resultado da política monetária dos Estados Unidos que foi muito relaxada por um período muito longo de tempo se considerados os déficits orçamentários e de conta corrente.

Portal EXAME - E o que isso significa para o mercado financeiro?

Van Agtmael - Para os mercados acionários em todo o mundo, incluindo os de países emergentes, a lição é de que o risco foi subestimado. Após um período em que a "gula" dominou o comportamento dos investidores, não seria surpreendente ver o "medo" voltar ao mercado por um tempo. De qualquer forma, eu acredito que a economia global está em boa forma. O crescimento econômico dos Estados Unidos poderá ser mais lento, mas isso deverá ser compensado por um crescimento vigoroso na Europa, Japão e mercados emergentes, incluindo o Brasil. É hora de uma saudável correção dos mercados, mas não para pânico.

Portal EXAME - O presidente do Federal Reserve [banco central dos EUA], Ben Bernanke, estima que as perdas com os empréstimos "subprime" vão alcançar US$ 100 bilhões. Esse é um número razoável?

Van Agtmael - Provavelmente haverá o enfraquecimento dos mercados de empréstimos imobiliários "prime" [de primeira linha], onde investidores têm conseguido financiar hipotecas facilmente. Além disso, alguns consumidores usaram seus empréstimos habitacionais para financiar o consumo de outros bens. Basicamente os banqueiros americanos vão ser mais cuidadosos nos empréstimos e isso vai ter algum impacto no consumo e na economia em geral.

Portal EXAME - Mas qual é o impacto disso na economia?

Van Agtmael - Pessoalmente, eu não acredito que isso vai levar a economia para a recessão a não ser que ainda haja "esqueletos no armário" que nós não conhecemos neste momento.

Portal EXAME - A economia dos EUA surpreendeu e cresceu 3,4% no segundo trimestre. Isso será suficiente para acalmar os investidores?

Van Agtmael - O PIB dos Estados Unidos foi uma boa surpresa para os investidores, que já esperavam uma reação no segundo trimestre. Mas o número é interessante apenas para um olhar superficial. A queda dos estoques foi revertida no segundo trimestre e as exportações cresceram devido ao aumento da demanda em países emergentes e à taxa de câmbio favorável [o dólar tem recuado em relação à maioria das moedas]. Mas a desaceleração do consumo para um patamar baixo levando em consideração os padrões recentes e a queda das importações indicam que a economia dos Estados Unidos passará por um momento de fraqueza no longo prazo, após vários anos de crescimento acima da média. Ao mesmo tempo, o crescimento da produtividade tem vindo abaixo do potencial nos EUA, e talvez abaixo do necessário para conter a inflação. Isso vai afetar a economia mundial a não ser que Europa, Japão e mercados emergentes continuem a compensar a queda. Todos os olhos estarão voltados para a China.

Potal EXAME - Mas o Fed deveria começar a baixar os juros ainda neste ano para aumentar a confiança na retomada da economia?

Van Agtmael - A ação do Fed até o final deste ano vai ser influenciada tanto pelos números de inflação quanto pelos do crescimento econômico. Eu não prevejo a leve tendência de alta da inflação seja revertida neste ano. Vai levar algum tempo para que a fraqueza do mercado imobiliário apareça nos aluguéis. Já o petróleo e as commodities continuam com preços elevados e não é provável que caiam rapidamente - mas essa é sempre uma questão em aberto. Mais importante do que tudo isso é que a vantagem de terceirizar serviços para China e Índia está prestes a acabar uma vez que o câmbio e os salários nesses países estão se ajustando muito mais rapidamente do que a maioria das pessoas consegue perceber.

Portal EXAME - Mas o Brasil está bem-preparado para o desaquecimento da economia americana? Uma das conseqüência não seria a queda das taxas de juros a um ritmo mais lento?

Van Agtmael - Sim, o motor da economia brasileira começou a andar e agora é necessária uma redução menor nos juros do que antes. Além disso, os bancos centrais de todo o mundo serão mais cautelosos. Mas o Brasil está entre os poucos países do mundo que ainda têm espaço para baixar os juros, ainda que o ritmo de queda seja decrescente.

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