Não adianta investir no Ibovespa, diz ex-diretor do BC
Para Luiz Augusto Candiota, "blue chips" e ações de consumo caras e crise de difícil solução na Europa devem continuar a pressionar a bolsa como um todo
Da Redação
Publicado em 19 de julho de 2011 às 09h43.
São Paulo – Muitos investidores com perfil de longo prazo estão esfregando as mãos com a atual oportunidade de aproveitar os preços mais atraentes das ações para entrar na bolsa brasileira. Para o ex-diretor do Banco Central e sócio-fundador da Lacan Investimentos, Luiz Augusto Candiota, no entanto, não há uma solução fácil para a crise europeia, que tem derrubado a preço das ações, e, mesmo após as perdas recentes, a bolsa brasileira ainda não pode ser considerada barata.
Em entrevista a EXAME.com, o gestor de fundos afirmou que alguns papéis, como do setor de consumo, estão claramente caros. Também não deve haver uma recuperação rápida de empresas como Vale, Petrobras e siderúrgicas. Dessa forma, seria correr um risco desnecessário entrar na bolsa agora por meio de um fundo de ações que simplesmente replique o Ibovespa ou siga de perto a composição do principal índice da bolsa paulista.
A dica é importante porque, em geral, os fundos de investimento geridos por grandes bancos – exatamente os mais populares - se distanciam bem menos do índice Bovespa do que os produtos oferecidos pelas gestoras de recursos independentes. Entre os sete fundos de ações mais rentáveis do primeiro semestre, por exemplo, não houve nenhum representante dos grandes bancos ( clique aqui e veja a lista ). Leia abaixo e nas próximas páginas o que Candiota espera para os EUA e a Europa e como investir nesse cenário:
Como ir às compras
O trabalho de um gestor de fundos é se concentrar em ativos de qualidade, que estejam baratos. Nós temos uma visão de investimentos de longo prazo, que se assemelha mais a uma maratona do que a uma corrida curta. Momentos em que os mercados estão cautelosos são de grandes oportunidades enquanto momentos de euforia sugerem que é hora de se proteger. O atual momento ainda não está repleto de oportunidades. Até pode haver alguma recuperação de curto prazo, mas, na nossa visão, a bolsa não está barata nem cara.
Vejo, sim, muita volatilidade pela frente. Houve uma recuperação robusta nos preços dos ativos brasileiros em 2009 e 2010. Ainda em que parte desses ganhos tenha sido devolvida em 2011, não achamos que os mercados estejam deprimidos como em 2008 ou 2009. Para colher frutos nos próximos 12 ou 24 meses, será necessário vasculhar ativo por ativo e identificar onde há qualidade. Não é um momento de boom econômico em que tudo vai subir. Mas no longo prazo, à medida que os lucros de algumas empresas continuem a crescer com consistência, esses papéis tendem a deslanchar.
Ações caras, ações baratas e Ibovespa
Não fazemos projeções para o Ibovespa. Mas no ano passado, a Petrobras e as siderúrgicas não permitiram que o índice andasse. Neste ano, Petrobras e a Vale fizeram o investidor que estava em índice Bovespa sofrer. Ao mesmo tempo, ações como da Eletropaulo andaram muito bem. Então o segredo é tentar identificar os cinco ou dez ativos do índice Bovespa mais adequados ao atual cenário ao invés de estar comprado em índice. Entre os papéis que estariam com preços interessantes, eu vejo alguns bancos e seguradoras. Também há alguma atratividade nas “utilities” [concessionárias de serviços públicos] se levarmos em consideração a geração de caixa e os dividendos que essas empresas podem pagar.
Já muitas das ações de consumo e de varejo estão caras. Esse foi o modismo dos IPOs [ofertas iniciais de ações] mais recentes. Não tão caras – mas, ainda assim, caras - são as ações de algumas “blue chips”, como Vale, Petrobras e siderúrgicas. Dado o impacto do ciclo econômico sobre a margem dessas empresas, acho que pode demorar para haver uma recuperação desses papéis. O perigo é comprar um ativo caro é que as margens não apareçam com a velocidade esperada, o que pode gerar perdas elevadas.
Renda fixa e dólar
Os títulos indexados à inflação já estão razoavelmente precificados com uma expectativa média de IPCA de 5,5% ao ano pelos próximos anos. Teria de haver uma inflação muito superior a essa ou então uma queda abrupta dos juros para que algo não precificado pudesse gerar um bom retorno em renda fixa. Mas não é isso que eu enxergo num horizonte de 24 meses. Se acontecer algo, deve ser pelo lado do susto. Não acho que a inflação e os juros reais cairão rápido. Do lado do câmbio, acho que o real tende a se desvalorizar em um horizonte de 24 meses. É uma visão contra a maré. Não é nada preocupante no curtíssimo prazo, mas acho que está pouco precificada a volatilidade do preço das commodities. Os termos de troca entre o Brasil e os outros países, os preços das commodities, a redução do risco Brasil e o grande influxo de capitais levaram à atual precificação do real. Não contaria com tanta tranquilidade nos próximos dois anos.
Crise na Europa
Já estamos vendo o impacto da crise europeia nos mercados há algum tempo. A corrida da aversão ao risco começou na Grécia, na Irlanda e em Portugal, mas nas últimas semanas as questões da Itália e da Espanha também entraram na mesa. A solução não é trivial e exige medidas de grande magnitude. Há uma coordenação razoável no bloco europeu para resolver o problema dos três países em pior situação. Em termos de resultados práticos, no entanto, a gente está vendo que não está fácil chegar a uma solução de consenso. E por que isso? Porque é preciso responder a várias questões. A primeira é se vai haver necessidade de reestruturar as dívidas desses países. Se a resposta é sim, qual é a dimensão dessa reestruturação? A terceira pergunta é quem vai pagar por esses custos.
Encontrar essas respostas é muito difícil do ponto de vista político. Grécia, Irlanda e Portugal devem ter déficits crescentes pelos próximos três a quatro anos porque são países sem condições de fazer ajustes severos. No caso da Grécia, há até mesmo convulsão social. Em minha opinião, será seguido o caminho da reestruturação da dívida. É possível fazer algo semelhante ao plano Brady [que permitiu a reestruturação da dívida de países da América Latina nas décadas de 1980 e 1990], concedendo um desconto e um prazo maior de pagamento aos devedores. A dívida desses países poderia cair para algo como 90%, 80% ou 70% do PIB e voltar a ser financiável.
O problema é que tal ajuste poderia ficar entre 800 bilhões em 1 trilhão de euros somente com a negociação de descontos na dívida desses três países. Quem vai pagar essa conta? Não acho que os credores privados tenham condições de fazer isso. Um impacto como esse não cabe no balanço dos bancos europeus. Seria necessário fazer um plano de capitalização dos bancos. Mas a sociedade europeia estaria disposta a ver de novo uma transferência tão grande de dinheiro da sociedade para os bancos? Isso resolveria o problema desses três países?
Outro aspecto que deve ser considerado é que a Espanha e a Itália começam a ser questionados. A Espanha teve um boom imobiliário e um problema parecido com o dos EUA. Já o problema da Itália é, acima de tudo, a pouca crença na austeridade fiscal. Não é um problema de endividamento. Na Itália, ainda há o agravante de que há pouca crença que o país está buscando um caminho que o coloque numa rota de crescimento. A Itália é um dos países que menos cresce do bloco europeu, é um dos menos produtivos. Dada a constituição demográfica da Itália, com uma população envelhecida, a pergunta que se faz é para onde o país pode ir.
Talvez o fato de o problema do endividamento começar a esbarrar em Espanha e Itália acelere a busca por um acordo na União Europeia. Quanto mais rápidos eles chegarem a um consenso, melhor. Sem a reestruturação, o caminho vai ficar cada vez mais doloroso porque o problema só se adia e se espalha. Outra possibilidade é que algum país decida não reestruturar a dívida e saia do euro. Quem pagará essa conta? Haveria algum dano ao euro como moeda? A grande diferença entre os EUA e a Europa é que o euro ainda é relativamente novo e não tem a mesma credibilidade do dólar.
Impasse nos EUA
Do outro lado do Atlântico, há a discussão do aumento do teto da dívida americana. É algo que está levando mais tempo que o esperado para ser resolvido. O prazo-limite para um acordo é o início de agosto. Há algum tempo, ninguém imaginaria que em julho isso ainda estaria sendo discutido no EUA. Se não houver uma solução, eles terão de adiar o pagamento de parte da dívida, o que mostra quão delicada é a situação. Eu trabalho com a hipótese de que o aumento do teto será aprovado. As altas das bolsas dos EUA neste ano são um sinal positivo. O lucro das empresas americanas tem sido robusto. O problema é o pano de fundo. O alto endividamento vai continuar ali.
Outro problema é que os EUA continuam a exportar inflação para o resto do mundo. Já estouraram ou estão prestes a estourar a meta de inflação países como China, Índia, Rússia, Brasil, Argentina, EUA e Reino Unido. Desde 2008, o Federal Reserve tem lutado contra um processo deflacionário, contra a depressão. A solução passou pela emissão de trilhões de dólares. Eles preferiram lidar com um processo inflacionário, ainda que com um crescimento econômico baixo. Neste momento, o que eles querem evitar é a estagflação, ou um processo inflacionário sem crescimento. É a tentativa de não repetir o que aconteceu com o Japão nos últimos 20 anos.
São Paulo – Muitos investidores com perfil de longo prazo estão esfregando as mãos com a atual oportunidade de aproveitar os preços mais atraentes das ações para entrar na bolsa brasileira. Para o ex-diretor do Banco Central e sócio-fundador da Lacan Investimentos, Luiz Augusto Candiota, no entanto, não há uma solução fácil para a crise europeia, que tem derrubado a preço das ações, e, mesmo após as perdas recentes, a bolsa brasileira ainda não pode ser considerada barata.
Em entrevista a EXAME.com, o gestor de fundos afirmou que alguns papéis, como do setor de consumo, estão claramente caros. Também não deve haver uma recuperação rápida de empresas como Vale, Petrobras e siderúrgicas. Dessa forma, seria correr um risco desnecessário entrar na bolsa agora por meio de um fundo de ações que simplesmente replique o Ibovespa ou siga de perto a composição do principal índice da bolsa paulista.
A dica é importante porque, em geral, os fundos de investimento geridos por grandes bancos – exatamente os mais populares - se distanciam bem menos do índice Bovespa do que os produtos oferecidos pelas gestoras de recursos independentes. Entre os sete fundos de ações mais rentáveis do primeiro semestre, por exemplo, não houve nenhum representante dos grandes bancos ( clique aqui e veja a lista ). Leia abaixo e nas próximas páginas o que Candiota espera para os EUA e a Europa e como investir nesse cenário:
Como ir às compras
O trabalho de um gestor de fundos é se concentrar em ativos de qualidade, que estejam baratos. Nós temos uma visão de investimentos de longo prazo, que se assemelha mais a uma maratona do que a uma corrida curta. Momentos em que os mercados estão cautelosos são de grandes oportunidades enquanto momentos de euforia sugerem que é hora de se proteger. O atual momento ainda não está repleto de oportunidades. Até pode haver alguma recuperação de curto prazo, mas, na nossa visão, a bolsa não está barata nem cara.
Vejo, sim, muita volatilidade pela frente. Houve uma recuperação robusta nos preços dos ativos brasileiros em 2009 e 2010. Ainda em que parte desses ganhos tenha sido devolvida em 2011, não achamos que os mercados estejam deprimidos como em 2008 ou 2009. Para colher frutos nos próximos 12 ou 24 meses, será necessário vasculhar ativo por ativo e identificar onde há qualidade. Não é um momento de boom econômico em que tudo vai subir. Mas no longo prazo, à medida que os lucros de algumas empresas continuem a crescer com consistência, esses papéis tendem a deslanchar.
Ações caras, ações baratas e Ibovespa
Não fazemos projeções para o Ibovespa. Mas no ano passado, a Petrobras e as siderúrgicas não permitiram que o índice andasse. Neste ano, Petrobras e a Vale fizeram o investidor que estava em índice Bovespa sofrer. Ao mesmo tempo, ações como da Eletropaulo andaram muito bem. Então o segredo é tentar identificar os cinco ou dez ativos do índice Bovespa mais adequados ao atual cenário ao invés de estar comprado em índice. Entre os papéis que estariam com preços interessantes, eu vejo alguns bancos e seguradoras. Também há alguma atratividade nas “utilities” [concessionárias de serviços públicos] se levarmos em consideração a geração de caixa e os dividendos que essas empresas podem pagar.
Já muitas das ações de consumo e de varejo estão caras. Esse foi o modismo dos IPOs [ofertas iniciais de ações] mais recentes. Não tão caras – mas, ainda assim, caras - são as ações de algumas “blue chips”, como Vale, Petrobras e siderúrgicas. Dado o impacto do ciclo econômico sobre a margem dessas empresas, acho que pode demorar para haver uma recuperação desses papéis. O perigo é comprar um ativo caro é que as margens não apareçam com a velocidade esperada, o que pode gerar perdas elevadas.
Renda fixa e dólar
Os títulos indexados à inflação já estão razoavelmente precificados com uma expectativa média de IPCA de 5,5% ao ano pelos próximos anos. Teria de haver uma inflação muito superior a essa ou então uma queda abrupta dos juros para que algo não precificado pudesse gerar um bom retorno em renda fixa. Mas não é isso que eu enxergo num horizonte de 24 meses. Se acontecer algo, deve ser pelo lado do susto. Não acho que a inflação e os juros reais cairão rápido. Do lado do câmbio, acho que o real tende a se desvalorizar em um horizonte de 24 meses. É uma visão contra a maré. Não é nada preocupante no curtíssimo prazo, mas acho que está pouco precificada a volatilidade do preço das commodities. Os termos de troca entre o Brasil e os outros países, os preços das commodities, a redução do risco Brasil e o grande influxo de capitais levaram à atual precificação do real. Não contaria com tanta tranquilidade nos próximos dois anos.
Crise na Europa
Já estamos vendo o impacto da crise europeia nos mercados há algum tempo. A corrida da aversão ao risco começou na Grécia, na Irlanda e em Portugal, mas nas últimas semanas as questões da Itália e da Espanha também entraram na mesa. A solução não é trivial e exige medidas de grande magnitude. Há uma coordenação razoável no bloco europeu para resolver o problema dos três países em pior situação. Em termos de resultados práticos, no entanto, a gente está vendo que não está fácil chegar a uma solução de consenso. E por que isso? Porque é preciso responder a várias questões. A primeira é se vai haver necessidade de reestruturar as dívidas desses países. Se a resposta é sim, qual é a dimensão dessa reestruturação? A terceira pergunta é quem vai pagar por esses custos.
Encontrar essas respostas é muito difícil do ponto de vista político. Grécia, Irlanda e Portugal devem ter déficits crescentes pelos próximos três a quatro anos porque são países sem condições de fazer ajustes severos. No caso da Grécia, há até mesmo convulsão social. Em minha opinião, será seguido o caminho da reestruturação da dívida. É possível fazer algo semelhante ao plano Brady [que permitiu a reestruturação da dívida de países da América Latina nas décadas de 1980 e 1990], concedendo um desconto e um prazo maior de pagamento aos devedores. A dívida desses países poderia cair para algo como 90%, 80% ou 70% do PIB e voltar a ser financiável.
O problema é que tal ajuste poderia ficar entre 800 bilhões em 1 trilhão de euros somente com a negociação de descontos na dívida desses três países. Quem vai pagar essa conta? Não acho que os credores privados tenham condições de fazer isso. Um impacto como esse não cabe no balanço dos bancos europeus. Seria necessário fazer um plano de capitalização dos bancos. Mas a sociedade europeia estaria disposta a ver de novo uma transferência tão grande de dinheiro da sociedade para os bancos? Isso resolveria o problema desses três países?
Outro aspecto que deve ser considerado é que a Espanha e a Itália começam a ser questionados. A Espanha teve um boom imobiliário e um problema parecido com o dos EUA. Já o problema da Itália é, acima de tudo, a pouca crença na austeridade fiscal. Não é um problema de endividamento. Na Itália, ainda há o agravante de que há pouca crença que o país está buscando um caminho que o coloque numa rota de crescimento. A Itália é um dos países que menos cresce do bloco europeu, é um dos menos produtivos. Dada a constituição demográfica da Itália, com uma população envelhecida, a pergunta que se faz é para onde o país pode ir.
Talvez o fato de o problema do endividamento começar a esbarrar em Espanha e Itália acelere a busca por um acordo na União Europeia. Quanto mais rápidos eles chegarem a um consenso, melhor. Sem a reestruturação, o caminho vai ficar cada vez mais doloroso porque o problema só se adia e se espalha. Outra possibilidade é que algum país decida não reestruturar a dívida e saia do euro. Quem pagará essa conta? Haveria algum dano ao euro como moeda? A grande diferença entre os EUA e a Europa é que o euro ainda é relativamente novo e não tem a mesma credibilidade do dólar.
Impasse nos EUA
Do outro lado do Atlântico, há a discussão do aumento do teto da dívida americana. É algo que está levando mais tempo que o esperado para ser resolvido. O prazo-limite para um acordo é o início de agosto. Há algum tempo, ninguém imaginaria que em julho isso ainda estaria sendo discutido no EUA. Se não houver uma solução, eles terão de adiar o pagamento de parte da dívida, o que mostra quão delicada é a situação. Eu trabalho com a hipótese de que o aumento do teto será aprovado. As altas das bolsas dos EUA neste ano são um sinal positivo. O lucro das empresas americanas tem sido robusto. O problema é o pano de fundo. O alto endividamento vai continuar ali.
Outro problema é que os EUA continuam a exportar inflação para o resto do mundo. Já estouraram ou estão prestes a estourar a meta de inflação países como China, Índia, Rússia, Brasil, Argentina, EUA e Reino Unido. Desde 2008, o Federal Reserve tem lutado contra um processo deflacionário, contra a depressão. A solução passou pela emissão de trilhões de dólares. Eles preferiram lidar com um processo inflacionário, ainda que com um crescimento econômico baixo. Neste momento, o que eles querem evitar é a estagflação, ou um processo inflacionário sem crescimento. É a tentativa de não repetir o que aconteceu com o Japão nos últimos 20 anos.