Itaú Unibanco recomenda "blindar" sua carteira de ações
Banco vê tendência de alta para a bolsa apesar da crise europeia, mas já começou a comprar papéis mais adequados para um eventual mercado de baixa
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 04h10.
São Paulo - O mercado já começa a se recuperar do forte solavanco de maio gerado pelo agravamento da crise europeia, mas, para o Itaú Unibanco, ainda não é hora de tomar risco demais no mercado de ações. Nos últimos dez dias, os investidores fizeram as contas, avaliaram que o Ibovespa em 58.000 pontos estava muito barato e foram às compras. O cenário-base do Itaú Unibanco, entretanto, é de que esse repique da bolsa ainda pode levar a uma valorização rápida das ações em cerca de 5%. No entanto, com a economia mundial crescendo menos devido à crise europeia e o fim das barganhas, o Ibovespa deve em breve entrar em uma trajetória de alta mais moderada, diz Ricardo Araujo, responsável pelos fundos internacionais na asset management do Itaú Unibanco, a segunda maior gestora de recursos do Brasil, com 270 bilhões de reais em carteira.
Como os riscos de que a bolsa não suba também cresceram, o gestor afirma que o banco decidiu ajustar as carteiras de seus fundos para um cenário de maior incerteza. A carteira básica de um fundo de ações segue o Ibovespa, que é 50% composto por empresas do setor de commodities (como petróleo, minério de ferro, aço e celulose, por exemplo), 30% de companhias ligadas ao desempenho do mercado interno (como bancos, varejistas, fabricantes de alimentos e bebidas e incorporadoras) e 20% em papéis defensivos (dos setores de telefonia, energia e concessões públicas).
Antes das preocupações com as dívidas europeias se acentuarem, o Itaú Unibanco tinha uma convicção maior de que a bolsa iria para cima e concentrava suas apostas nas ações ligadas ao mercado interno, que ocupavam mais de 30% da carteira. Os papéis de commodities representavam um pouco mais do benchmark de 50%. Já as ações defensivas estavam muito abaixo do patamar de 20%. Nas últimas semanas, a grande mudança na carteira foi o crescimento dos papéis defensivos, que reúnem empresas com baixo potencial de crescimento, mas geração de caixa constante mesmo em cenários adversos. São papéis que, segundo Ricardo Araujo, não estariam na carteira da asset caso houvesse uma forte convicção de alta da bolsa. Ao mesmo tempo, como o banco ainda não abandonou sua expectativa de que o Ibovespa vai subir, as ações defensivas ainda representam menos de 20% do portfólio.
Mercado interno
Além disso, o banco também começou a "blindar" a carteira de uma forma mais abrangente. Tanto na parte de commodities quanto nas ações ligadas ao mercado interno, os gestores decidiram se concentrar nos papéis que devem ter ótimos resultados nos próximos meses apesar da piora do cenário. A asset tem preferido as ações de empresas que estão com múltiplos baixos e vão se sobressair mesmo se o cenário para a economia mundial continuar a se deteriorar ou a inflação no Brasil permanecer em elevação.
No mercado interno, há duas variáveis a serem observadas de perto. A primeira é a velocidade com a qual o Banco Central vai reagir ao aquecimento da economia - já que, em tese, quanto mais rápida for a reação, menor será a necessidade de elevar os juros. O Itaú Unibanco acredita que o BC deu um sinal bastante importante ao elevar a Selic em 0,75 ponto percentual em abril, trazendo os juros para 9,5% ao ano. Araujo lembra que em ciclos anteriores de aperto monetário, a diretoria do banco costumava começar a agir com uma pequena elevação da taxa básica. No entanto, com a proximidade da eleição e a possível divulgação de dados de pressões mais brandas sobre os preços no segundo trimestre, ainda há o risco de que o BC afrouxe a mão.
O outro risco para a economia doméstica está na outra ponta do Copom. Como a economia está claramente sobreaquecida, talvez seja necessário para o BC elevar os juros para um patamar próximo a 14% ao ano - ou muito mais do que esperado atualmente pelo consenso de mercado. Como nas crises anteriores o BC elevava os juros para reagir a um choque externo, não há um histórico confiável para mostrar quanto os juros deverão subir para segurar a inflação. Também não se sabe se o crescimento nos investimentos será suficiente para atender o aumento da demanda com o rápido crescimento da renda e do crédito.
O Itaú Unibanco acredita que o cenário mais provável é de que uma alta moderada dos juros seja suficiente para conter a inflação. O banco admite, no entanto, que somente daqui a alguns meses será possível saber se o BC errou ou acertou na política monetária. Por esse motivo, a principal recomendação de investimento no mercado interno vai para as ações de bancos. Em geral, a maior parte dos empréstimos que as instituições financeiras brasileiras fazem ao governo são por meio de títulos pós-fixados. Isso quer dizer que a remuneração dos papéis será maior caso a taxa Selic tenha uma alta superior à esperada. Portanto, um ciclo curto de juros elevados acaba não sendo muito preocupante para as ações dos bancos.
Outras ações indicadas são as de fabricantes de alimentos e bebidas pouco endividadas. "As pessoas não vão deixar de comer mesmo com a alta temporária da inflação", diz Araujo. Já os varejistas que dependem mais do crédito para vender podem ser prejudicados. Esse é o caso de ações como do Pão de Açúcar (devido à aquisição do Ponto Frio e à união com a Casas Bahia) ou da Lojas Renner. A Selic mais alta vai encarecer o parcelamento das compras de roupas e eletromésticos - e afugentar parte dos consumidores.
Já o segmento imobiliário é visto com um certo receio pelo Itaú Unibanco. Os gestores não acreditam que os juros mais altos vão frear a venda de imóveis porque a demanda reprimida é muito grande. No entanto, o banco não está tão convicto de que as incorporadoras de imóveis brasileiras terão condições de entregar os lançamentos esperados, principalmente aqueles ligados ao programa Minha Casa, Minha Vida.
Commodities
Apesar dos diversos riscos para o crescimento da economia global que podem afetar o preço das commodities, o Itaú Unibanco decidiu alocar pouco mais da metade de sua carteira de ações em empresas ligadas ao setor de matérias-primas. A asset acredita que os papéis estão com múltiplos baixos mesmo quando considerados todos esses riscos. A aposta do banco nos setores de minério de ferro e aço é maior do que em petróleo. O grande risco para essa estratégia vem da China. O mercado já sabe que o gigante asiático tomará medidas para desaquecer a economia - tanto que a previsão de crescimento do PIB neste ano alcança só 9,5%, contra uma alta de 13% no primeiro trimestre. As medidas são necessárias para evitar a formação de uma bolha no mercado imobiliário chinês.
A maioria dos investidores espera, entretanto, que a China continue a agir para estimular o aumento da oferta de imóveis - ao invés de frear a demanda com restrições a empréstimos bancários. Se isso acontecer, será positivo para os fabricantes de minério de ferro e aço e excelente para as ações da Vale e das siderúrgicas.
Já em relação às ações da Petrobras, os fundos do Itaú Unibanco, assim como a maioria do mercado, têm mantido uma posição semelhante ao peso da empresa no Ibovespa. Os gestores sabem que as ações da Petrobras apanharam muito nos últimos meses e estão baratas. No entanto, a definição sobre um investimento maior nos papéis só deve acontecer após o Congresso aprovar a capitalização e a estatal divulgar todas as condições para a realização da oferta pública de ações. "A capitalização pode ser um desastre completo ou desatar um movimento de alta dos papéis, dependendo da forma como for conduzida", diz Ricardo Araujo.
O que vai definir o fracasso ou o sucesso são dois fatores: a quantidade de ações que serão vendidas e o valor que o governo vai cobrar para ceder os barris de petróleo do pré-sal à estatal. Araujo acredita que a companhia já entendeu o receio do mercado. No entanto, como a decisão é política e no longuíssimo prazo seria bom para o acionista controlador vender os direitos de exploração do petróleo ao preço mais alto possível, os investidores continuarão receosos até que esteja claro o que o governo fará. Após a definição das regras, o preço dos papéis deve se ajustar rapidamente, prevê o Itaú Unibanco.
Em relação à Europa, o banco acredita que, após a aprovação do pacote de 1 trilhão de dólares para ajudar economias endividadas a honrar seus compromissos, esse se tornou um risco de longo prazo. Afinal, os países europeus ganharam um bom tempo para cortar gastos públicos, reduzir os déficits e recuperar a confiança dos investidores. Ainda existe, por exemplo, a possibilidade de que um banco espanhol muito exposto às dívidas gregas enfrente dificuldades. O Itaú Unibanco, entretanto, não acredita em uma nova crise de confiança desatada pela decisão de um governo de deixar falir um grande banco, como aconteceu com o Lehman Brothers em 2008.