Apostar em "dobradinha de ações" pode gerar bons ganhos na Bovespa
Estratégia, conhecida como long-short, rendeu até 30% para alguns pares de ações
Da Redação
Publicado em 10 de outubro de 2010 às 03h34.
Montar estratégias baseadas em pares de ações pode ser um bom jeito de obter lucros na bolsa de valores em meio à turbulência que vem causando sudorese e taquicardia nos investidores. O ideal é apostar em dobradinhas de papéis com tendências opostas - enquanto um sobe, outro cai -, mas também é possível ganhar quando ambos caem ou sobem. Essa estratégia é conhecida, no mercado, como long-short, um jargão financeiro que é traduzido livremente como "comprado e vendido". Compra-se (long) um papel com tendência de alta, e vende-se (short) outro com viés de baixa.
Em meados de junho, por exemplo, a corretora do Itaú indicou uma estratégia dessas: comprar ações preferenciais da TAM (TAMM4) e vender as preferenciais da Petrobras (PETR4). O argumento era que a TAM deveria se beneficiar com a tendência de queda do petróleo, pois seus custos com combustível seriam menores. Já a Petrobras seria prejudicada, porque é produtora de petróleo. Entre 16 de junho, quando foi recomendada, e 29 de julho, a estratégia registrava um ganho de 30%. No mesmo período, o Ibovespa, principal indicador da bolsa paulista, apresentou queda de 13,74%, de 67.285 para 58.043 pontos. "Acreditamos que esse par ainda deve gerar mais ganhos", afirmou o banco, em relatório de 30 de julho.
Mesmo quando as duas ações escolhidas caem, é possível lucrar com o investimento. Um caso recente foi a recomendação do Unibanco para outro par de ações. Em meados de julho, o banco sugeriu aos investidores comprar ações ordinárias da CSN e vender as preferenciais da Usiminas. Ambas caíram no período em que a estratégia foi sugerida, mas com intensidade diferente. Os papéis da CSN recuaram 3,4% e os da siderúrgica mineira, 14,8%. O saldo foi um retorno de aproximadamente 11,4%. No mesmo intervalo, o Ibovespa recuou quase 6%. Diante das perspectivas de maiores quedas das ações, o Unibanco recomendou, no início de agosto, que os investidores desmontassem a estratégia e embolsassem o lucro.
Como montar um par
A primeira providência é escolher uma boa dobradinha de ações. "Se acertar o par de papéis, o investidor pode ganhar em qualquer cenário", afirma Maurício Gallego, responsável pela área de pessoa física da corretora Link. Os pares podem ser montados com ações da mesma empresa (preferenciais versus ordinárias); ações de controladoras versus controlada (Gerdau com Metalúrgica Gerdau, por exemplo); com papéis de empresas do mesmo setor; ou ainda com empresas de setores distintos (caso da TAM com a Petrobras).
As dobradinhas preferidas dos gestores* |
Petrobras PN e Petrobras ON |
Vale PN e Vale ON |
Gerdau e Metalúrgica Gerdau |
Itausa e Itaú |
TAM e Gol |
Sadia e Perdigão |
*a posição comprada ou vendida depende das perspectivas dos papéis no momento de montar a estratégia |
Fonte: corretoras |
Recentemente, um par bastante apreciado pelos gestores de fundos long-short era composto pelas ordinárias e preferenciais da Eletrobrás. Diante da expectativa de que a estatal chegasse a um acordo para pagar os 8 bilhões de reais em dividendos atrasados, apostava-se que a cotação dos papéis "descolasse". No início de maio, o preço das ordinárias estava praticamente empatado com o das preferenciais. Os gestores apostaram, então, que a ordinária subiria mais, por conta do acordo, compraram esses papéis e venderam as preferenciais. No dia 20 de agosto, as ON já valiam quase 20% mais que as PN.
Outra dobradinha bem vista pelos gestores envolve a TAM e a Gol. Embora sejam pressionadas pelo mesmo fator - o custo do querosene de aviação -, os especialistas acreditam que a TAM tem mais condições de gerar resultados que a companhia da família Constantino. E os números do segundo trimestre confirmaram as expectativas do mercado. Enquanto a primeira apresentou um lucro de 50 milhões de reais, a Gol aprofundou suas perdas. Nesse caso, a aposta é comprar TAM e vender Gol.
Comprando e vendendo
Escolhido o par, a próxima etapa é comprar e vender os papéis. A primeira medida é alugar, no mercado, os papéis que o investidor deseja vender. Para tanto, fecha um contrato de aluguel que estabelece o prazo, a taxa de aluguel e a reversibilidade do contrato, isto é, se é possível devolver os papéis antes do prazo combinado. O valor do aluguel depende da liquidez do papel. Papéis muito líquidos tendem a ter taxas menores, pois há muita gente com a ação em carteira e, portanto, a facilidade de alugá-la é maior. O investidor, então, vai à bolsa e vende os papéis alugados. Com o dinheiro, compra os papéis que espera que subam.
Não seria mais fácil apenas comprar o papel com tendência de alta, mantê-lo em carteira e vendê-lo no momento oportuno? O que justifica uma estratégia long-short é reduzir o capital próprio necessário para ganhar algum dinheiro na bolsa. Na prática, o investidor financia a compra dos papéis com o dinheiro conseguido com a venda das ações que alugou.
No momento em que a estratégia é desmontada, o investidor torce para estar em um de três cenários. O melhor é: o preço dos papéis que alugou caiu e o valor dos papéis comprados subiu. Nesse caso, ele vende os papéis comprados com lucro, recompra as ações que alugou por um preço menor (afinal, precisa devolver esses papéis, que ele vendeu para obter dinheiro no início da operação, para o dono que os cedeu) e embolsa a diferença. No outro caso, ele torce para que os papéis que comprou tenham subido mais do que os que vendeu. Ou que os comprados tenham caído menos que os vendidos. Nesse caso, sempre haverá uma diferença a embolsar. É por isso que, se acertar o par, o aplicador tende a lucrar em qualquer cenário.
Riscos
É claro que investir em ações tem riscos. E a estratégia de montar pares de papéis não é isenta deles. Num long-short, o prejuízo ocorre quando as ações vendidas sobem mais que as compradas. Traduzindo: ao se desfazer dos papéis comprados, o investidor terá menos dinheiro que o necessário para recomprar as ações vendidas e devolvê-las a quem as alugou. Como o dono das ações vai querer seus papéis integralmente, terá de tirar dinheiro do bolso para completar o valor necessário e arcar com as perdas - que serão maiores, se computadas a taxa de aluguel.
Foi isso que aconteceu, em linhas gerais, com os fundos long-short no segundo semestre do ano passado. Com o agravamento da crise americana, os gestores avaliaram que ativos ligados à economia dos Estados Unidos cairiam. Isso refletiu em apostas contra o mercado de commodities, comprando ações capazes de se valorizar com a expansão do mercado interno brasileiro, e vendendo papéis que dependessem de exportações ou ligados a commodities, como Vale e Petrobras. "Ocorreu exatamente o contrário do que se esperava", explica Bruno Garcia, gestor de fundos long-short do BNY Mellon ARX.
Avaliar com precisão a tendência dos papéis é essencial para o sucesso da estratégia. Alguns fundos long-short recorrem a pesadas análises estatísticas para apurar o viés de uma ação. Outros apostam em análises fundamentalistas, isto é, estudam o histórico da empresa e suas perspectivas, o mercado em que atua, seus concorrentes, as variáveis macroeconômicas e assim por diante. "Mas, muitas vezes, a análise de fundamentos pode estar errada", diz Pedro Lérias, gestor de carteiras da gestora de ativos Verax.
As perdas podem ser grandes - ou, pelo menos, a estratégia pode não render tanto quanto outras aplicações. Até 20 de agosto, de acordo com a Associação Nacional dos Bancos de Investimento, os 90 fundos long-short em atividade no país acumulam uma rentabilidade média de 1,86% no ano. Os fundos de renda fixa marcam 7,74% no mesmo período.
Ninguém impede que um investidor pessoalmente estruture uma estratégia long-short, mas os gestores afirmam que essa é uma atitude bastante arriscada. O mais recomendável é contar com a ajuda profissional. "O mais importante é conhecer bem o histórico do gestor do fundo. Ele deve ter experiência em renda variável", afirma Garcia, da BNY Mellon ARX. Apesar dos fracos resultados deste ano, os especialistas afirmam que há muitas dobradinhas de ações promissoras no mercado. "Existe muito valor a ser gerado com essa estratégia. Muitos papéis caíram mais do que deveriam", afirma Lérias, da Verax. O desafio é garimpar a bolsa em busca dos pares corretos.