5 razões para pegar carona no helicóptero do Fed na guerra cambial
Como a injeção de US$ 600 bi pelos EUA afeta os ativos financeiros e a economia no Brasil
Da Redação
Publicado em 14 de dezembro de 2010 às 18h47.
Última atualização em 13 de setembro de 2016 às 16h38.
São Paulo - Apelidado há anos de “Helicopter Ben”, por defender em 2002 a famosa frase do economista Milton Friedman no qual ele sugere jogar dólares do helicóptero para lutar contra a deflação, Ben Bernanke parece convencido do efeito que os US$ 600 bilhões de injeção de liquidez anunciados na semana passada terão na recuperação econômica americana e sobre um possível ambiente deflacionário ao estilo da armadilha na qual o Japão se encontra desde a década de 1990. Agora, tão certo quanto está de que a estratégia irá funcionar, os governos emergentes estão temerosos de que o dinheiro não encontre o seu alvo e escorregue para os mercados emergentes, atraentes com os mercados de capitais pujantes e títulos soberanos com retornos insuperáveis quando comparados aos juros próximos de zero do mundo desenvolvido.
E isso já tem acontecido. Os preços das commodities estão nas alturas e, no Brasil, o dólar caiu ainda mais em relação ao real e o Ibovespa se aproxima do recorde. “Nos EUA, os consumidores não gastam, as empresas não investem e os bancos não emprestam. Todos endividados, sem emprego e renda. Então, o melhor mesmo é investir em Brasil, China e Índia. Por aqui, a pressão no câmbio será mais violenta ainda, nossos ativos de risco (ações, imóveis, títulos) vão subir com força”, explica Paulo Gala, economista da Empiricus Independent Research. Para o Brasil, os efeitos na economia podem não ser os mais desejados agora pela equipe de política econômica. “Em termos de liquidez, o anúncio é bom, mas para a economia brasileira em particular o ponto é que precisamos segurar um pouco. O crescimento maior atrapalha porque a economia está avançando acima do potencial. E um dos efeitos do afrouxamento é sobre os preços das commodities, o que pode afetar a inflação”, ressalta Felipe Tâmega Fernandes, economista-chefe do Modal Asset.
Um dos principais pontos de crítica para a eficácia do afrouxamento monetário (Quantitative Easing, ou QE) é a perda do efeito multiplicador da moeda nos bancos. “Há um desejo de emprestar pela parte dos bancos, mas a demanda tem sido fraca. Esse é o problema. Por isso o efeito do crédito não seria tão grande, mas pequeno”, aponta Fausto Vieira, economista-chefe da Rio Bravo. Desta forma, sem atingir esse objetivo inicial, o QE poderia funcionar por outros canais, como o de criação de riqueza.
“Com o QE, a taxa de juros real se torna menor e, com ela mais baixa, o investidor é induzido a migrar para ativos de risco. Assim, pode ocorrer o efeito riqueza que induz o consumo e o investimento das empresas”, aponta. Em busca de rendimento, os investidores também migram para países com projeções de crescimento elevadas. “O investidor pensa que vale a pena colocar onde o diferencial de juros real é atrativo. Tanto que este ano observamos um influxo recorde em renda fixa e, se ele tem dinheiro para entrar em ações, olha para países com crescimento próximo do potencial”, ressalta Vieira.
Para os analistas, o anúncio do Fed também favorece os mercados de ações e os ligados às commodities. Mark Mobius, da Templeton Asset Management, disse que o QE poderá levar também para uma alta de ações globais e puxar os preços das commodities “mais e mais alto”. “Nós deveremos ter um cenário otimista por algum tempo”, disse Mobius à agência Bloomberg. Jim O’Neill, do Goldman Sachs, disse também que as medidas do Fed trarão ganhos adicionais para as ações. Segundo ele, apesar de o mercado estar bastante otimista, os preços atuais estão longe de sinalizar uma bolha.
Will Landers, gestor para a América Latina da BlackRock, reforça também a aposta nos efeitos positivos sobre o mercado brasileiro. “A decisão do Fed deverá colocar pressão de baixa sobre o dólar. Com o dólar mais fraco, tudo o que tem a ver com commodities se valoriza”, explicou Landers à Bloomberg. Para o Citigroup, o atual momento de liquidez põe os mercados emergentes em uma situação considerada “ótima”. “O Fed expansionista e um dólar fraco, combinado com uma perspectiva mais forte de crescimento econômico nos mercados emergentes, são a receita para a continuação de fortes fluxos para os ativos nos mercados emergentes”, explica o analista Geoffrey Dennis.
Além dos efeitos direto sobre os preços dos ativos financeiros nos mercados emergentes, a expectativa é de que o aumento de liquidez contribua para um ambiente mais positivo para as emissões de dívida e também de ações. “É um momento propício para as empresas captarem lá fora com taxas bem baixas”, analisa Fausto Vieira, da Rio Bravo.
Segundo a Anbima (Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiro e de Capitais), as captações no mercado externo chegaram a 34,7 bilhões de dólares até setembro, um aumento de 136,4% na comparação com o mesmo período de 2009. Apenas os títulos de dívida chegaram a 31,4 bilhões de dólares. Dez empresas realizaram ofertas públicas iniciais (IPOs) na BM&FBovespa em 2010 e outras seis estão com o processo em andamento.
Para o Citigroup, as ações globais se encontram em um momento quase perfeito. Em relatório, o analista Geoffrey Dennis fez o uso do termo “Goldilocks economy”, ou seja, quando uma economia combina baixa inflação e crescimento econômico firme. “Nem muito quente, nem muito fria, mas apenas certa”, parafraseando o conto americano “Goldilocks and the three bears”, no qual o mingau da personagem está “no ponto”, nem quente nem frio. Segundo o banco, a recuperação abaixo da média das economias desenvolvidas e a taxa de juros muito baixa criam um “coquetel ideal” para os preços dos ativos dos mercados emergentes. “O QE2 reforça os fundamentos dos mercados emergentes”, explica o Citi. O banco espera que o índice MSCI, que engloba ações de 21 países emergentes, chegue a 1.500 pontos no final de 2011, o que representa um potencial de valorização, em dólar, de aproximadamente 35%. "O alvo ainda deixaria os mercados emergentes abaixo dos múltiplos do pico atingido no final de 2007", mostra o relatório.
Apesar do efeito criado pelo aumento da liquidez nos mercados emergentes, o afrouxamento monetário pelo Federal Reserve ajudará mesmo se funcionar e reativar a economia americana, dizem economistas. “Se a economia americana começar a crescer será muito bom para o Brasil porque as exportações retornam e o dólar americano volta a se valorizar um pouco”, analisa Tony Volpon, estrategista-chefe para América Latina da Nomura Securities.
Para Felipe Tâmega Fernandes, economista-chefe do Modal Asset, o principal é tirar os EUA da atual situação de baixo crescimento e com um nível de inflação menor que o visto como confortável. “O Bernanke é um grande estudioso do caso japonês e a percepção é de os afrouxamentos no Japão foram muito tímidos e eram tirados mais rapidamente que o necessário. O que ele pode estar fazendo agora é não ser tímido na condução do relaxamento monetário e tentando se manter seguro de que a inflação não caia mais”, diz.
Enquanto isso, para Volpon, o governo brasileiro precisa ter cuidado para não assustar demais os investidores estrangeiros com medidas que dificultam a entrada de recursos, principalmente porque a desvalorização do dólar é de longo prazo e estrutural. “Fico um pouco assustado porque o governo está errando a mão sem uma discussão profunda sobre o que está acontecendo nos mercados. Não acho que exista uma guerra cambial, mas sim uma tentativa de reanimar a economia americana. Se der certo, todo mundo ganha”