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Políticos, eleitores, radicais e torcedores organizados: o circo do pragmatismo

Celso Athayde escreve sobre as relações e os interesses que movem as engrenagens da sociedade, e prepara o terreno para as lutas que virão em 2023

A sociedade se processa de muitas maneiras, como num grande circo onde cada um e cada uma tem a liberdade de escolher o seu papel (DNY59/Getty Images)
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Rodrigo Caetano

Publicado em 26 de dezembro de 2022 às 10h30.

Todo eleitor é pragmático, independentemente de você achar que isso é virtude, ou defeito. Seja o rico, que vota para eleger um amigo que promete desburocratizar a construção em orlas; seja o pobre, que escolhe o candidato pela promessa de melhorar o campo de futebol da quebrada, o que fará a bola rolar melhor e aumentar as chances de um olheiro do Barcelona ou Real Madri notar o jogo de seu filho.

Quando o cidadão da periferia decide por determinado candidato em troca de uma dentadura, um emprego para o filho, ou trabalha de graça entregando panfleto na campanha sonhando com um lugarzinho na avenida principal para sua barraca de camelô, dá-se o nome de compra de voto. No caso do rico que votou para adicionar um pavimento a mais na sua casa “pé-na-areia”, o conceito muda para interesse pessoal. A diferença ainda estou para entender. Ambos, no entanto, sabem o motivo de votar em alguém.

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Em geral, ricos e pobres também fazem papel de bobo na corte quando se trata de eleições. Eu sou adepto do voto e creio que não há saída fora da política. Acredito na importância da democracia. Ao mesmo tempo, sou crítico de movimentos e pseudointelectuais que pregam o monopólio do bem e da inteligência. São aquelas pessoas sempre prontas para te silenciar nas redes sociais, impor suas verdades e não aceitar nada que contrarie seu pensamento. Isso tem crescido, basta ver a polarização que estamos vivendo.

O pragmatismo dos políticos, entretanto, é mais racional do que dos eleitores. O “centrão” era sinônimo de bandidagem para a turma do “tá ok”. Virou base de governo e voltará à criminalidade, a depender da aproximação com Lula. Sergio Moro samba pra lá, samba pra cá, e sempre encontra um ombro inimigo para se apoiar. Cesar Maia migrou do PDT, de esquerda, para o DEM, quando o partido ainda era de direita – não que deixou de ser, mas o bolsonarismo alterou um pouco essas leituras.

A relação Lula-Alckmin é outro caso emblemático. Diziam o que diziam, e hoje estão juntos para todo o sempre, até que o pragmatismo os separe. Vejam, não estou criticando, apenas reconhecendo o pragmatismo. Políticos, em primeiros turnos, vendem o ódio com discursos inflamados, que dividem famílias inteiras. No segundo, se unem em nome da governabilidade. De novo, pragmatismo.

Enxergo a mesma dinâmica nas torcidas organizadas e nos movimentos políticos radicais. Torcedores de futebol são passionais a ponto de se matarem nas ruas após uma discussão acalorada sobre seus ídolos. Líderes de torcidas precisam manter suas bases inflamadas, e fazem isso com gritos de guerra nos estádios e nas ruas, sem deixar a temperatura cair. Essa tensão se traduz em pagamento de mensalidades. Os radicais políticos acusam de pelego qualquer um que ouse conversar com um inimigo, que eles mesmo definiram. Mas basta olhar e lá estão eles em bares e restaurantes, tomando vinhos com os inimigos, com o discurso que eles devem interagir -- mas somente eles, nunca os seus rebanhos.

Sabe como eu vejo isso? Como a maior e mais bem-sucedida relação de felicidade, na qual todos estão super satisfeitos com o resultado produzido. Nada disso está errado. A sociedade se processa de muitas maneiras, como num grande circo onde cada um e cada uma tem a liberdade de escolher o seu papel.   É o circo do pragmatismo.

*Celso Athayde é CEO da Favela Holding e fundador da Central Única de Favelas (Cufa)

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