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Petrobras 70 anos: por que o modelo centrado no petróleo pode ser um equívoco econômico

Apesar do discurso, o Brasil e sua estatal favorita vêm perdendo a oportunidade histórica de se consolidarem como potências energéticas e climáticas do século 21

Plataforma da Petrobras (Pilar Olivares/Reuters)

Publicado em 21 de outubro de 2023 às 08h25.

A Petrobras acaba de completar 70 anos. O que deveria ser motivo de celebração, em um contexto de crise climática, se torna motivo de preocupação, à medida que a estatal perde o que pode ser a última janela temporal para sua transformação. No sentido contrário do que pedem os novos tempos, e de seu próprio discurso na campanha de aniversário, a empresa segue com um modelo de negócio focado na exploração e expansão da produção de petróleo, inclusive em áreas de alta sensibilidade socioambiental como a Bacia da Foz do Amazonas. Tudo isso com o amparo de seu acionista majoritário - o Estado brasileiro.

A aposta em um modelo dependente do petróleo não traz apenas riscos socioambientais e climáticos ao país, mas também pode se tornar um equívoco econômico, em um horizonte de descarbonização da economia global. Um exemplo disso são as perspectivas da Agência Internacional de Energia, que projetam o pico da demanda do petróleo até o fim desta década.

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Nesse contexto, o caso da exploração na bacia da Foz é emblemático. Um dos motivos é que, se iniciada hoje, ela permitiria comercializar o petróleo para um mercado em pleno encolhimento - já que o atual projeto levaria de 6 a 8 anos para tal. A insistência na abertura dessa fronteira, quando defendida reiteradamente pelo próprio Lula, pode ameaçar inclusive as pretensões de protagonismo do presidente - e do país - na geopolítica do clima e da proteção da Amazônia, pois reafirma um modelo de desenvolvimento que ameaça a biodiversidade, os povos da floresta e o clima, e aponta contradições que podem reduzir sua relevância no debate climático e até sua margem de negociação de financiamentos climáticos.

Como liderar a transição energética, apostando em combustíveis fósseis?

Em seu discurso na Assembléia Geral da ONU em setembro, o presidente Lula posicionou o Brasil como a vanguarda da transição energética. Para justificar, apresentou dados sobre a matriz de energia elétrica do país - e não da matriz energética como um todo, que contempla também a produção e consumo de combustíveis fósseis para os transportes e a indústria, maiores emissores do setor.

De acordo com o Balanço Energético Nacional, elaborado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), ainda temos mais de 50% da oferta de energia vinda de fontes não renováveis. Neste panorama, apenas o setor de petróleo e derivados responde por 35,7% da oferta, enquanto as fontes solar e eólica, respectivamente, 1,2% e 2,3%.

Ou seja, ainda estamos muito longe da descarbonização do setor de energia, e o prognóstico não é nada bom. Um exemplo disso é o novo PAC apresentado pelo governo em agosto, em que mais de 60% dos investimentos previstos no eixo de transição e segurança energética vão para combustíveis fósseis. A contradição não poderia ser mais nítida.

Qual o papel da Petrobras nisso tudo?

Se depender da visão do presidente da estatal, Jean Paul Prates, quando afirma que “podemos ser os últimos a produzir petróleo no mundo”, temos um árduo caminho pela frente. Mas não é tarde para mudar, ainda. A Petrobras tem toda a capacidade de se consolidar como líder de uma transição energética efetiva e justa para o país. Por isso a importância desta data e debater resoluções de aniversário que promovam ainda mais perenidade, soberania e força à estatal.

Redirecionar investimentos para uma transformação gradual da petroleira em uma empresa de energia, com um horizonte para um portfólio 100% renovável, que garanta oportunidades de trabalho digno, sem deixar ninguém para trás, é o primeiro passo para uma transição justa e real. Essa virada não se dá da noite para o dia, mas, honrando o pioneirismo da Petrobras e considerando a posição privilegiada do Brasil em termos de recursos naturais renováveis, poderíamos estar mais avançados na caminhada.

Não bastam planos, como o apresentado pela empresa em seu Caderno do Clima, que tragam metas climáticas somente em relação às suas emissões operacionais, quando 88% da emissão de gases de efeito estufa na cadeia de valor do petróleo, segundo a própria Petrobras, está relacionada ao processamento e queima dos combustíveis.

Essa limitação se manifesta também em seu Plano Estratégico (2023/2027), que apresenta um investimento de US$ 4,4 bilhões para as chamadas iniciativas de baixo carbono. Além desse valor representar apenas 5,6% do total das despesas de capital da estatal, as iniciativas previstas não consistem, majoritariamente, no redirecionamento de investimentos para projetos de fontes renováveis, mas em medidas mitigatórias que garantam a manutenção das operações de petróleo e gás como prioridade.

Será que isso é tudo que a Petrobras tem a oferecer para a transição energética do país? E o país, será essa a posição mais estratégica no atual contexto - a de coadjuvante em um mercado com teto cada vez mais baixo, em plena crise climática, ou ter um papel de protagonismo no cenário econômico e energético que se apresenta? Vamos perder ou puxar esse bonde da história?  E o presidente Lula, vai entrar na história por ter insistido na abertura de novas fronteiras na Amazônia ou como o líder que conseguiu torná-la uma zona livre das ameaças do petróleo?

O Brasil tem a oportunidade de estar, pela primeira vez, na vanguarda política e econômica do mundo, pelo privilégio de abrigar, em abundância, os recursos naturais que sustentarão a economia global nos próximos anos. E a Petrobras tem tudo para ser a peça-chave, com os recursos técnicos dessa equação - a hora da transformação é agora.

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