Nike quer o fim do trabalho escravo - e a China não está feliz com isso
Depois de se posicionarem contra a compra de algodão de região chinesa, marcas tem sofrido represálias e ataques virtuais
Maria Clara Dias
Publicado em 27 de março de 2021 às 09h00.
Última atualização em 13 de abril de 2021 às 17h20.
Nos últimos dias as marcas Nike , Burberry , Adidas e H&M se tornaram o centro de uma discussão ideológica e ética no mercado de consumo. As empresas se posicionaram contra o trabalho escravo e anunciaram que deixariam de comprar o algodão que vem da região chinesa de Xinjiang.
Xinjiang, no noroeste asiático, abriga o grupo étnico minoritário uigur, muçulmanos que representam pouco menos da metade dos 25 milhões de habitantes da região e têm intenções separatistas. É também responsável por 20% da produção de algodão mundial e por abastecer boa parte das gigantes do setor têxtil.
No entanto, a região tem sido palco de atentados atribuídos aos separatistas, o que levou as autoridades de Pequim a decretarem vigilância policial constante. A atuação política em Xinjiang desencadeou uma série de acusações de tortura, prisão arbitrária e opressão contra os uigures, que aparentemente têm sido vítimas de trabalho escravo em campos de detenção.
Pequim sempre negou as acusações, afirmando que se tratam de campos de “reeducação” e que têm como propósito isolado o combate ao terrorismo.
Na última quinta-feira, a história ganhou um novo capítulo após internautas resgatarem uma publicação recente da empresa sueca de moda H&M na qual a empresa diz ser contra as atitudes da China em Xinjiang e que deixaria de comprar algodão produzido na região.
As redes sociais chinesas foram tomadas de manifestações de usuários insatisfeitos com o posicionamento da empresa. Nomes de outras companhias que adotaram posições semelhantes no passado como Nike, Adidas, Burberry, Zara e a americana Gap também passaram a ser mencionados. Os usuários passaram a reivindicar boicotes às marcas que decidiram cortar relações com Xinjiang.
Os sites T-Mall, JD.com e Taobao, do grupo Alibaba, suspenderam, na última quarta-feira, a venda de roupas da confecção H&M. Nike e Burberry também perderam contratos com personalidades chinesas que atuavam como embaixadores das marcas no país.
A decisão das companhias foi tomada em 2020, após a publicação de um estudo do instituto de políticas estratégicas australiano (ASPI) sobre os "trabalhos forçados" na região. Desde então, o Ocidente estuda aplicar medidas restritivas contra a China pelos episódios e cobra das empresas mencionadas no estudo um maior distanciamento com a cadeia de abastecimento de Xinjiang.
Em resposta, Pequim aplicou sanções a personalidades e instituições do Reino Unido, proibindo suas empresas de fazerem negócios no país.
Velha história
Essa não é a primeira vez que as marcas se envolvem em episódios que colocam à prova seus posicionamentos ligados à agenda ESG. A gigante de tecnologia Apple também foi recentemente acusada de usar mão de obra escrava uigur em suas produções.
Há anos a Nike vem lutando para desconstruir a imagem de empresa associada ao trabalho escravo.
Em 2020, a farmacêutica Johnson & Johnson suspendeu as vendas de seu talco para bebês depois de uma série incansável de lutas judiciais causadas pela afirmação de que o produto continha substâncias cancerígenas, como o amianto. Foram mais de 19 mil acusações, testes da agência reguladora norte-americana (FDA) e multas bilionárias até a decisão final.
O destino das empresas anti-Xinjiang em território chinês ainda é incerto. Porém, ao passo em que um número cada vez maior de companhias do ocidente se posiciona e reforça compromissos voltados aos critérios ESG - que seguem os preceitos sociais e ambientais - é cabível que consumidores tenham bons olhos para as atitudes das envolvidas, mesmo aquelas que tenham sido tomadas com certa timidez.