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Desafios não discutidos na estratégia do mercado de carbono brasileiro

Ao importar o modelo europeu sem suficientes adaptações, país pode deixar ouro na mesa

Diferentemente da maior parte dos países, onde em média o setor energético representa 73% das emissões, no Brasil corresponde a apenas 18%. (Qilai Shen/Bloomberg)

Diferentemente da maior parte dos países, onde em média o setor energético representa 73% das emissões, no Brasil corresponde a apenas 18%. (Qilai Shen/Bloomberg)

Publicado em 21 de agosto de 2024 às 17h17.

A narrativa predominante, tanto a nível global quanto nacional, é que o Brasil estaria atrasado em relação ao resto do mundo no processo de descarbonização. O argumento central é a falta de um mecanismo de precificação de carbono, já adotado em 89 jurisdições no mundo, inclusive em países próximos, como Argentina, Chile e Uruguai. Esse argumento é falho por subestimar a contribuição brasileira à agenda climática, além de superestimar as expectativas sobre a contribuição de um mercado de carbono (no padrão internacional) às nossas metas de emissões.

É importante lembrar que a criação de um mercado regulado ou um imposto de carbono são apenas duas das soluções possíveis para descarbonizar. Com base em estratégias alternativas, o Brasil construiu a matriz energética mais renovável dentre as grandes economias. No entanto, mesmo em ambientes especializados, uma minoria reconhece que aproximadamente 90% da eletricidade, 30% da gasolina e 15% do diesel consumidos aqui têm origem renovável, seja hídrica, solar, eólica, biomassa, etanol ou biodiesel. O resultado é que as emissões associadas à matriz energética brasileira são de apenas 2,0 tonCO2 por habitante por ano, menos da metade da média global (4,8 tonCO2/habitante/ano).

Esse pioneirismo não teria sido possível sem significativos desembolsos do poder público e de consumidores nas últimas décadas. Para ilustrar, mesmo com um enorme potencial hidroelétrico inexplorado, desde 2010, o Brasil tem evitado projetos de grande porte. Com isso, o país deixou de construir hidrelétricas na região amazônica, enquanto pagava até três vezes mais em leilões de outras fontes. No mesmo sentido, o país subsidiou o aumento expressivo de geração solar distribuída, que já alcança quase 15% da nossa capacidade instalada, mesmo a um custo nivelado de duas a três vezes superior.

Em conexão mais direta com o preço do carbono, o Renovabio foi criado em 2017 para reduzir as emissões da matriz de transportes. O programa estabeleceu metas para as distribuidoras de combustíveis, por meio da compra de créditos de descarbonização (CBIO) de produtores de biocombustíveis. No último ano, a sua precificação média ficou em US$ 20/ton CO2, representando um investimento climático de R$ 3,5 bilhões. Na mesma linha, tem-se o exemplo da política de mistura obrigatória de biodiesel no diesel. Na última década seu prêmio médio ficou em 33%, que, considerando as flutuações de mercado, resultou em um preço implícito do carbono evitado pelo biodiesel variando entre cerca de US$ 10 e 100/tonCO2.

Com esses esforços em eletricidade renovável e biocombustíveis, o Brasil alcançou uma condição diferenciada. Diferentemente da maior parte dos países, onde em média o setor energético representa 73% das emissões, aqui corresponde a apenas 18%. Metade das emissões brutas do Brasil decorre do desmatamento e um quarto da agropecuária. No entanto, da mesma forma que todos os países com preço de carbono (exceto a Dinamarca), a agropecuária não está no escopo da proposta de mercado regulado de carbono brasileiro.

Desse modo, se o mercado de carbono fosse implementado hoje, seu alcance seria de até 15% das emissões líquidas do país (na verdade, seria bem menor porque a proposta se aplica somente a agentes com emissões relevantes, ou seja, acima de 25 mil tonCO2/ano). Ainda que esse mercado entregue uma ambiciosa redução de 10-20% das emissões dentro de seu escopo, isso representaria somente 1,5-3% das emissões líquidas locais. Esse resultado seria insuficiente para atingir as metas do Acordo de Paris, onde o Brasil se comprometeu a reduzir suas emissões líquidas anuais para 1,2 GtCO2 até 2030. Como em 2023 o país emitiu 1,69 GtCO2e, será preciso reduzir esse montante em 29% para cumprir a meta. Portanto, o mercado de carbono, tal como concebido, pode ter uma contribuição marginal em relação às políticas públicas de combate ao desmatamento.

Outro aspecto relevante é o impacto sobre o comércio internacional. No ano passado, a União Europeia implementou o CBAM (Carbon Border Adjustment Mechanism), que taxará as emissões dos produtos importados de acordo com o seu preço de carbono. As discussões legislativas no Brasil ainda não propuseram valores específicos. Considerando referências de países em desenvolvimento, os preços têm variado entre US$ 1 e US$ 20 por tonelada de CO2 e as projeções mais otimistas esperam que alcance US$ 50/tonCO2 no final década.

Enquanto isso, a Europa já atingiu US$ 100 e deve chegar a US$ 150 até o fim da década em seu preço interno de carbono. Ou seja, os produtos brasileiros seriam taxados pelo diferencial no desembarque. Considerando a estratégia de neoindustrialização verde nacional (ex. aço, alumínio, fertilizantes...), faria sentido conceber um mecanismo doméstico de precificação de CO2 mais elevado para as exportações à Europa de produtos no escopo do CBAM, que aplicasse uma taxa sobre a diferença entre o preço de lá e o daqui. Essa solução seria neutra para os produtores nacionais, apenas mantendo recursos climáticos no Brasil ao invés de transferi-los à UE.

Ao mesmo tempo, a indústria brasileira vem enfrentando desafios nas últimas décadas, com declínio de sua participação no PIB nacional e menos exportações. Com efeito, produtos chineses já correspondem a um quarto do consumo total brasileiro de produtos industrializados. Com a instituição de um preço de carbono no Brasil, os importados poderão ter uma vantagem competitiva não-isonômica em relação à produção doméstica, dado que a produção nacional seria taxada por suas emissões, enquanto as importações podem não ser. Conclui-se que, ao começar a aplicar o preço do carbono sobre sua indústria, o Brasil teria que estudar a criação de um mecanismo doméstico semelhante ao CBAM para nivelar o campo de jogo.

Igualmente importante é nivelar as expectativas sobre o tamanho do futuro mercado regulado de  carbono. Considerando as emissões atuais no escopo da proposta e a redução proposta de 10-20%, valorada por um preço de carbono de US$ 10 a 50 por tonelada de CO2, a arrecadação anual média seria de cerca de US$ 1 bilhão. Tendo em vista que é um montante limitado no contexto dos custos de descarbonizar a nossa economia, os recursos precisarão ser investidos de forma eficiente para gerar impacto relevante, inclusive por meio do combate ao desmatamento e substituição de combustíveis fósseis por alternativas renováveis.

Em suma, a definição do mercado regulado de carbono precisa ser adaptada às especificidades nacionais, incluindo (i) mecanismos de incentivo econômico à preservação florestal e ao reflorestamento; (ii) destinação da tributação de recursos climáticos das exportações à Europa ao tesouro brasileiro; e (iii) garantia de um campo de jogo nivelado à indústria nacional em relação a produtos importados de nações com um menor preço de carbono. A integração desses mecanismos é essencial para que o mercado de carbono tenha um impacto relevante sobre as metas climáticas brasileiras, preservando a sustentabilidade da indústria brasileira.

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