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Zoellick não cede ao conversar com o Brasil sobre a Alca

Governo brasileiro volta atrás e dá sinais ao representante americano de querer negociar entrada no bloco, mas ainda defende fortalecer o Mercosul

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h01.

Se fosse mais uma etapa oficial de negociações para a formação da Área de Livre Comércio das Américas (Alca), o Brasil teria levantado da mesa como perdedor. Depois de dois dias de visita ao Brasil, Robert Zoellick, secretário de comércio dos Estados Unidos, disse tudo o que o Brasil não queria ouvir: descartou a sugestão de negociar em bloco com o Mercosul no sistema 4+1, como vinha sugerindo o governo brasileiro; reforçou que a prioridade dos Estados Unidos é fechar as negociações da Alca dentro do cronograma combinado (janeiro de 2005); e, por fim, afirmou que temas "sensíveis" não são negociáveis dentro da Alca, mas apenas no âmbito da Organização Mundial do Comércio (OMC).

A boa notícia é que Zoellick admite negociações com o bloco do Mercosul dentro do âmbito da Alca, como, por sinal, já aconteceu na última rodada de apresentação de propostas há dois meses, no Panamá. Na ocasião, os Estados Unidos apresentaram propostas diferenciadas para blocos de países - e a pior delas, diga-se de passagem, foi para o Mercosul. O que Zoellick negou foi a possibilidade de negociações bilaterais Estados Unidos-Mercosul fora da Alca, o chamado esquema 4+1. De qualquer forma, o ministro das Relações Exteriores do Brasil, Celso Amorim, afirmou que o país segue com a intenção de negociar em três "trilhos": Alca-Mercosul, Estados Unidos-Mercosul e

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Nada do que o secretário de Comércio americano disse durante sua visita ao Brasil, entretanto, pode ser considerado definitivo, já que não se tratou de uma rodada de negociações. A presença de Zoellick foi mais uma preparação para o encontro dos presidentes do Brasil e dos Estados Unidos, em Washington, no próximo dia 20 de junho, quando Luís Inácio Lula da Silva se reunirá com George W. Bush na capital americana. "Zoellick veio sentir o clima", diz Gustavo Dupas, presidente do Instituto de Estudos Econômicos e Internacionais (IEEI). "E trazer um recado: a Alca é prioridade do governo Bush."

Na opinião de Dupas, o Brasil deve continuar nas negociações para a formação da Alca, mas deve endurecer seu discurso, como tem feito até agora. "Para que a Alca dê certo, os Estados Unidos têm de ceder em pontos que não querem ceder", afirma ele. "É por isso que, apesar de achar que o Brasil deve dar continuidade nas negociações, sou cético em relação à finalização de um acordo em 2005", diz ele.

Dupas se refere à política protecionista do governo americano em alguns setores da economia. Os mais sensíveis nas relações com o Brasil e outros países latino-americanos são os subsídios agrícolas e as taxas de importação do aço. Se a lógica da Alca é o livre comércio entre os países-sócios, então seria também lógico que os Estados Unidos flexibilizassem sua política protecionista -esse é o centro das discussões entre líderes brasileiros e americanos e o ponto de maior discórdia entre eles. "Cada vez que a taxa de desemprego do país cresce 2%, a taxa de subsídios também aumenta 2%", diz Dupas. No ano passado, o Congresso americano aprovou um pacote de subsídios de 180 milhões de dólares para os agricultores americanos. Também foram impostas pesadas tarifas de importação ao aço, o que fez aumentar o preço de produtos brasileiros e venezuelanos no mercado interno.

Para o Brasil, temas sensíveis são investimentos, serviços, compras governamentais e propriedade intelectual. Se o Brasil aceitar as regras comuns propostas pelos Estados Unidos para a Alca, a balança comercial destes setores seria positiva para o mercado americano.

Zoellick pode ter vindo ao Brasil apenas para ter uma conversa com o comando do país - sem a responsabilidade de negociar ou tomar decisões sobre a Alca -, mas suas declarações deixam claro que o governo brasileiro ainda tem muito que negociar pela frente. Mesmo sendo um "parceiro fundamental" dos Estados Unidos, nas palavras do próprio Zoellick. Neste ponto, todos parecem concordar: a Alca sem o Brasil não faz sentido. O país é o responsável por 40% da produção de todos os países da América Latina, com exceção do México. Junto com a Argentina - seu principal parceiro no Mercosul -, representa perto de 60% de todo o comércio internacional da América Latina. A Alca será formada por 34 países da região e somaria 850 milhões de consumidores no maior bloco comercial do mundo, com uma produção anual de cerca de 13 trilhões de dólares.

O peso da economia brasileira é a principal arma do governo para negociar os termos do acordo. E a aposta do Mercosul - com um Produto Interno Bruto de 714 bilhões de dólares em 2001 - para negociar em bloco. No entanto, o Brasil ainda precisa resolver as divergências internas no bloco sul-americano para ganhar força nas discussões com os Estados Unidos. A apresentação de propostas que aconteceu na última reunião da Alca, há dois meses, no Panamá, mostrou que os quatro países do bloco não se entendem nos setores serviços e investimentos. O Brasil sequer apresentou suas propostas e o Uruguai e o Paraguai apresentaram propostas separadamente. "A reunião do Panamá sem dúvida arranhou a credibilidade do Mercosul", afirma Lúcia Maduros, da diretoria de comércio exterior da Confederação Inacional da Indústria (CNI).

Apesar das dificuldades internas do Mercosul, Lúcia acredita na retomada do bloco depois de um período de dois anos de retração - que começou com a desvalorização cambial brasileira, em 1999, e culminou com a crise da Argentina, no ano passado. "As políticas cambiais dos países estão mais niveladas agora e a força política de Lula fortaleceu a união dos países", afirma ela. "A assimetria econômica, é claro, permanece. As negociações entre os quatros países servem justamente para diminuir tais diferenças até que um acordo seja acertado." Para ela, a idéia de que o Mercosul é apenas uma questão de inserção internacional para o Brasil não se comprovou depois de 10 anos de formação do bloco. Ela cita, por exemplo, a melhora no desempenho do comércio exterior de pequenas e médias empresas brasileiras graças à área de livre comércio. Em seu período mais produtivo, entre 1992 e 1998, o comércio entre os países do Mercosul cresceu de 4 bilhões de dólares para 10 bilhões, no âmbito industrial, segundo Dupas, da IEEI.

Com ou sem negociação bilateral, são poucos os que acreditam que as conversas serão finalizadas dentro do prazo, em janeiro de 2005. Se for tomado como exemplo o acordo fechado entre os Estados Unidos e o Chile, 2005 é mesmo uma data otimista. As conversas com o governo chileno começaram no primeiro mandato Bush e a assinatura do contrato será realizada no próximo dia 6 de junho, em Miami. Os termos do acordo foram finalizados há seis meses, mas a posição contrária do Chile à guerra contra o Iraque suspendeu a assinatura, que foi retomada agora.

* Colaborou Marcos Coronato, de Brasília

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