Economia

Uma defesa de Wall Street

Why Wall Street Matters Editora: Penguin Books Autor: William D. Cohan. 192 páginas. ———————– David Cohen Alguns dos melhores jornalistas financeiros dos Estados Unidos já tiveram grande experiência no mercado financeiro – o que lhes dá não apenas um acesso mais íntimo a inúmeras fontes como também uma perspectiva privilegiada dos assuntos que cobrem. É […]

TOURO DE WALL ST.: livro de William Cohan aborda a história de Wall Street e como as recentes regulações podem estar enforcando o mercado financeiro / Drew Angerer/Getty Images

TOURO DE WALL ST.: livro de William Cohan aborda a história de Wall Street e como as recentes regulações podem estar enforcando o mercado financeiro / Drew Angerer/Getty Images

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Da Redação

Publicado em 8 de abril de 2017 às 08h02.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h38.


Why Wall Street Matters
Editora: Penguin Books
Autor: William D. Cohan. 192 páginas.

———————–

David Cohen

Alguns dos melhores jornalistas financeiros dos Estados Unidos já tiveram grande experiência no mercado financeiro – o que lhes dá não apenas um acesso mais íntimo a inúmeras fontes como também uma perspectiva privilegiada dos assuntos que cobrem. É o caso de William D. Cohan, colunista do jornal New York Times e da revista Vanity Fair, que trabalhou como banqueiro de fusões e aquisições e como banqueiro de investimentos. O primeiro livro de Cohan, The Last Tycoons (“Os últimos magnatas”, numa tradução livre), é uma história repleta de fofocas e insights sobre seu ex-empregador, a firma Lazzard Frères & Company, que foi considerada durante mais de um século a grande referência em bancos de investimento no mundo. Seus dois livros seguintes, House of Cards (Castelo de cartas, na edição brasileira) e Money and Power: How Goldman Sachs Came to Rule the World (“Dinheiro e poder: como o Goldman Sachs passou a governar o mundo”, numa tradução livre) são relatos sobre a queda do banco de investimentos Bear Sterns, que faliu com a crise de 2008, e a ascensão do Goldman Sachs. Em ambos os casos, os relatos são críticos em relação à cultura e aos abusos de Wall Street, o centro financeiro do mundo.

Desta vez, porém, Cohan assumiu o papel de escudo, em vez de flecha. Seu pequeno livro Why Wall Street Matters, lançado no final de fevereiro, é uma defesa de Wall Street contra a percepção generalizada de que a ganância e os abusos tomaram conta das finanças e que há um constante embate, por vezes inconciliável, entre Wall Street e Main Street (o símbolo de uma suposta “economia real”, não financeira). Não é que não haja algo de podre no reino das finanças, é que algo é diferente de tudo. E o reino, segundo ele, confere muito mais valor às nossas vidas do que havia antes, sem os mirabolantes instrumentos de crédito proporcionados pelos diversos tipos de banqueiros.

O livro é uma espécie de manifesto contra a onda regulatória que se abateu sobre Wall Street após a debacle de 2008. As 2.300 páginas da lei Dodd-Frank, que restringem a tomada de risco dos agentes financeiros, e as estimadas 22.000 páginas de novas regulamentações que a complementam, diz Cohan, estão paralisando — ou no mínimo freando — a recuperação econômica americana e, por consequência, mundial.

Cohan diz apoiar boa parte da agenda progressista do Partido Democrata americano, especialmente de sua ala mais à esquerda, representada pelos senadores Bernie Sanders e Elizabeth Warren. Mas apoia a principal posição econômica do Partido Republicano, mais identificado com a desregulamentação da economia.“Votei no Partido Democrata toda a minha vida adulta”, diz. “Mas eles não têm a menor ideia de como Wall Street funciona.”

Sem Wall Street e sua espetacular maneira de promover o giro de capital — de combinar empreendedores que precisam de dinheiro com investidores dispostos a emprestá-lo em troca de um retorno razoável — nada do que a sociedade tanto preza estaria disponível, diz Cohan, pelo menos não no ritmo e na quantidade que existe hoje: nem smartphones, nem TVs digitais, restaurantes sofisticados, hotéis bacanas para passar as férias ou planos de previdência que permitam usufruir dessas férias.

As paliçadas dos holandeses

O manifesto de Cohan é composto de duas partes: uma análise histórica de como Wall Street se tornou Wall Street e uma crítica das políticas postas em prática para evitar crises como a de 2008, combinada com uma sugestão do que seria a solução para corrigir os desatinos do mundo financeiro.

A primeira parte – que identifica a origem e o alcance dos problemas de Wall Street – é de longe a mais convincente.

Assim como no seriado Game of Thrones, em que uma grande muralha protege a civilização de criaturas desconhecidas ao norte do país, Wall Street começou como uma grande parede, construída no século 17 pelos holandeses, para proteger seu pequeno território (o sul da ilha de Manhattan) de todos os supostos terrores que vinham do norte, habitado por diversas tribos indígenas.

As “paliçadas”, como eles chamavam a muralha, começaram a ser construídas quando os holandeses conquistaram o território que chamaram de Nova Amsterdã. Quando os ingleses tomaram o território, em 1699, e o rebatizaram de Nova York, acharam que já não havia o que temer ao norte e desmontaram o conjunto de estacas de 3,5 metros de altura que constituía as paliçadas. O caminho que ficou no lugar da muralha foi apelidado de rua do muro, ou Wall Street.

Muito antes de se tornar o centro financeiro do planeta, a rua foi crucial para a história dos Estados Unidos. Foi ali que se reuniu o congresso contra o imposto cobrado pela coroa inglesa de sua colônia, em 1765, que daria origem ao movimento de independência americana. Foi ali também que se formou o Congresso dos Estados Unidos, onde tomou posse o primeiro presidente da nação, George Washington, em 1789.

De centro político, a região se tornou centro econômico-financeiro, onde se negociavam as ações dos grandes empreendimentos, porque era o local em que se reuniam as pessoas que tinham capital e as pessoas que precisavam de capital.

Hoje, no entanto, Wall Street é mais um conceito do que um lugar. À medida que Wall Street foi ficando mais complexa, o risco foi crescendo. Ninguém reclama quando o aumento de crédito e a eficiência na distribuição de capital elevam a riqueza da sociedade — pelo incentivo à produção. Mas, quando vem a crise, geralmente um fenômeno de correção das expectativas típico dos ciclos do capitalismo, todos se apressam em apontar culpados e se munir de pedras para linchá-los. Para Cohan, a onda de regulamentações a que os governos recorreram está fazendo mais mal do que bem. É normal que as pessoas sintam raiva da ajuda bilionária que o governo deu para salvar os bancos, mas pouca gente sabe que os 750 bilhões de dólares do programa federal foram devolvidos com juros e multas, o que transformou a ajuda em um dos programas mais lucrativos que o governo americano já lançou.

Ou seja, estaria mais do que na hora de deixar os negócios voltarem ao normal. O governo americano inundou a economia com crédito fácil, mas assim como dá com uma mão, tira com a outra: as regulações inibem a liquidez do mercado e encarecem os empréstimos interbancários, imobilizando a economia.

Faz sentido, mas no mês passado o governo americano anunciou que o crescimento da economia estava perto do seu limite pela primeira vez desde 2007. Então as regulações talvez não estejam, de fato, freando a economia…

É claro que as coisas poderiam andar melhor. Atender às novas regras do governo custou mais de 70 bilhões de dólares aos seis maiores bancos americanos em 2013, quase o dobro do que gastaram em 2007, segundo Cohan. No JPMorgan, 43.000 dos 236.000 funcionários estão envolvidos em funções de compliance (vigilância de conduta), quase o dobro do total de 2011.

De qualquer forma, esta é uma discussão que em breve poderá ser iluminada pela experiência. Se o presidente Donald Trump cumprir ao menos em parte suas promessas de campanha, o volume de regras para o mercado financeiro e para a economia como um todo deverá encolher significativamente. Quando isso acontecer, o que impedirá que Wall Street volte a cometer o tipo de abusos que levou à crise de 2008?

A recomendação de Cohan – mudar a forma de compensação dos agentes financeiros, abandonar a cultura dos bônus e voltar à cultura da sociedade – não parece nada má. O problema é que não há nenhuma pista, no livro, de como fazer isso.

“Esta é a receita para curar todos os males de Wall Street: os líderes das grandes firmas devem de novo ter toda a sua riqueza na linha de tiro se alguma coisa der errado com seus negócios. Eles precisam saber que tudo o que construíram ao longo dos anos — a cobertura na Quinta Avenida, a casa nos Hamptons, sua coleção de arte, sua conta bancária — estará suscetível de ser tomado pelos credores.”

Como fazer isso, Cohan não explica. Obrigando os bancos a fechar seu capital e diminuir de tamanho? Criar uma nova lei que emende as proteções aos empresários em voga desde os anos 1930?

Mais: uma vez que as firmas renunciem ao capital público a que têm acesso por serem companhias abertas, não haveria menos dinheiro para investir? Dessa forma, encolhida, Wall Street não reduziria o ritmo de crescimento da economia?

Cohan faz um excelente trabalho em apontar os limites do dilema entre regulação e liberdade, entre inovação e cautela, entre visão de longo prazo e ganância de curto prazo. Mas está longe de ter apontado as soluções.

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