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Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h31.
Leia a seguir a participação do presidente da Vivo, Francisco Padinha, no EXAME Fórum - "O Futuro das Telecomunicações".
Francisco Padinha: Vou tentar abordar aqui o setor celular, até porque estou em minoria. Há cinco desafios fundamentais em qualquer mercado neste setor. O desafio na evolução social e econômica, na capacidade de comunicar, de o futuro absorver os produtos e serviços desenvolvidos e também na capacidade que os operadores têm de desenvolver e prestar esses produtos e serviços. Nisso, o Brasil não é exceção. É claramente um pioneiro no setor. Sem dúvida esse é o setor dos serviços de telecomunicações em que mais se tem inovado em todo o mundo. É o que mais tem disseminado o acesso ao futuro da comunicação. É o que mais tem contribuído, enfim, para a diminuição da exclusão digital. Mas a questão do mercado tem aspectos também delicados, que têm a ver com a evolução sócio-econômica. Gostaria de partilhar aqui uma informação que vivi em Portugal, em 1990, no Grupo Portugal Telecom. Fizemos uma projeção sobre o que seria a comunicação móvel lá em Portugal, no ano 2000. Dava sempre cerca de 10% da população. No ano 2000, Portugal já tinha 75% de comunicação celular, hoje tem 92%. E é uma economia humilde, modesta na União Européia. Portanto, a questão do mercado não tem muitas vezes uma correlação tão grande com o PIB. Normalmente seguimos o setor de telecomunicações, mas também tem muito a ver com a dinâmica como os players de fato oferecem soluções que o mercado considera de valor.
Outro desafio que o setor tem é o da regulamentação. A regulamentação no Brasil, eu não pretendo aqui fazer nenhum juízo de valor, é demasiado voltada para um modelo de negócio, muitas vezes até limitando a criatividade. É uma regulação sem dúvida rigorosa, mas existe muito espaço para torná-la mais voltada para a concorrência e menos voltada para a determinação do detalhe de como deve ser desenhado este ou qualquer outro modelo de negócio. A seguir há também o desafio da tecnologia. É óbvio no setor celular que em tecnologia há uma concorrência fortíssima, embora o mercado, enfim, se interesse muito pouco por toda essa sopinha de letras. É certo que a tecnologia é um ponto fundamental para as operadoras no setor celular. No campo da tecnologia, eu não quero entrar aqui nas guerras entre o GSM e o CDMA, só pela mera razão que, na Europa, o GSM já mudou para CDMA na terceira geração. Mas a tecnologia tem um aspecto extremamente importante, que tem a ver tanto com o fixo quanto com o móvel. É irreversível um caminho para IP (protocolo de internet). Hoje estamos todos já com uma percentagem enorme de comunicações baseadas em IP. Se tentarmos imaginar um modelo de negócio que eletriza o mundo IP, ele é bem diferente do negócio que nós temos hoje. O modelo de IP é um modelo completamente diferente do modelo que hoje gerimos. Infelizmente nesse modelo não há essas discussões internas de longa e curta distância. É um modelo talvez fisicamente muito mais próximo do que temos, por exemplo, com energia elétrica, um modelo em que estou permanentemente conectado, onde pago no fundo por quantidade de informação, mas, acima de tudo, pela qualidade e pelo tipo da informação. Esse é um grande desafio que se coloca em todo mundo, não apenas nos celulares, mas nos fixos. Como dominar, como gerir um futuro modelo de negócio baseado em IP, em que o tempo não é mais um fator, a distância não é mais um fator?
Outro tema que aqui no Brasil é importante, penso que tem sido um constrangimento forte ao desenvolvimento do setor de telecomunicações em geral é o desafio, digamos, da carga tributária. No setor de telecomunicações do Brasil, a carga tributária não se compara à que existe em outros países, tanto na Europa quanto nos Estados Unidos. Não entendo, por exemplo, a diferença entre a carga tributária de energia e de telecomunicações. Somos hoje claramente, fornecedores de uma riqueza fundamental, de um bem essencial. E existe um diferencial tremendo de carga tributária em várias atividades. Também temos, particularmente os fixos, as obrigações de serviço universal.
E, por último, há o desafio de acesso ao mercado de capitais. É fundamental, para todos nós, termos nossas empresas abertas ao mercado de capitais. É fundamental que exista estabilidade de modelo de negócio, estabilidade social, política, estabilidade de regras. É fundamental para nós ter capacidade de insinuação no mercado de capitais, para ir buscar na fonte o oxigênio de que precisamos, porque somos, de fato, um setor de capital bastante intensivo. Muitas vezes cair 10% ou 11% em vendas pode não parecer tão significativo em termos de um investimento numa operadora de telecomunicações. Mas, quando traduzido para o longo prazo, muitas vezes é muito mais.
Finalmente, faço uma sugestão e duas mensagens. Como estamos num âmbito celular, diria que não há dois SMS, a volta da dicotomia entre produtor e consumidor. É preciso interiorizarmos que de fato não existem consumidores felizes se não existirem também produtores de celulares. O consumidor faz parte integrante da cadeia de valor de toda produção. E, portanto, temos de evitar essa dicotomia, muitas vezes utilizada de forma exaltada. Por outro lado também, a criação dos grupos fortes não é forçosamente um mal para o mercado. Tenho visto várias reservas em relação a grupos que se vão formando e que já existem no Brasil. Não é papel do regulador iniciar uma futurização nas questões da concorrência e muito menos no modelo de negócio. Eu terminaria com uma proposta, uma proposta que pode ser útil. Muitas vezes temos, como é óbvio, profundas divergências de opinião. Isso é saudável. Penso que, se todos tivermos a mesma opinião, não há qualquer valor a acrescentar. O senhor ministro destacou falou na criação de uma comissão parlamentar. Eu sugeririra que se pensasse na criação de um conselho consultivo da Anatel, onde tivessem assento os players e para onde deveriam se deslocar as principais discussões. Que lá a seriedade dessas discussões e o rigor dessas discussões ficassem incontidos. Porque isso às vezes tem de ser discutido no âmbito público, nos jornais. E, enfim, é bastante negativo muitas vezes passarmos essas discussões para os jornais porque não temos às vezes alternativa. Isso não quer dizer que a Anatel não seja um órgão aberto a discussões, mas a institucionalização de um conselho consultivo poderia ser uma contribuição bastante positiva para a diminuição dessas tensões e para uma abordagem bastante mais rigorosa dos problemas cruciais para o desenvolvimento do setor das telecomunicações.