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Rodovia urbana

A vida e os negócios na Sapopemba, 45 quilômetros, a maior avenida de São Paulo e do país

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h57.

A árvore sapopemba, comum na Amazônia, é conhecida pela exuberância de suas raízes. Vigorosas, elas crescem até 2 metros e enrolam-se em seu tronco. Em São Paulo, a avenida homônima segue o mesmo trajeto irregular das raízes em volta da árvore. Mas, em vez de limitar-se ao tronco paulistano, suas raízes expandem seus domínios por incríveis 45 quilômetros. O asfalto da avenida Sapopemba corta os municípios de São Paulo, Mauá e Ribeirão Pires -- e compõe a maior rua de São Paulo e do país. Desprotegida, a via é mais conhecida por trechos de violência. Versátil, guarda surpresas para quem tenta descobri-la.

É no número 36500 que o empresário Abraham Kasinsky, conhecido atualmente pela marca de motocicletas que produz, mantém um orquidário com 90 000 plantas em pleno número 36500. "Vendemos cerca de 1 000 mudas por mês, a maioria para produtores", afirma o biólogo Luiz Walcyr Barreto, que há três décadas trabalha para Kasinsky. As mudas mais comuns, como as da Laelia purpurata, são vendidas por 5 reais (sem flor) até 15 (com flor). Espécies raras, como a Catlleya leopoldii "cetro de esmeraldas", chegam a custar 50 reais por muda. Outras mais sofisticadas são desenvolvidas no laboratório local, como os híbrido Lc Abraham Kasinsky ou Lc Yvonne Kasinsky -- ambos devidamente registrados na Inglaterra.

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Inaugurado em 1986 numa casa que pertence à família Kasinsky desde o início do século passado, o orquidário Cor & Sabor emprega oito pessoas, todas da região de Mauá. "Estamos na Sapopemba, mas aqui nada lembra a fama da avenida", afirma Barreto. A rua, explica-se, é mais conhecida pelo seu trecho paulista, com habitação de baixa renda, comércio popular e áreas de violência. O orquidário de Kasinsky situa-se na área administrada pelo Departamento de Estradas de Rodagem (DER), que começa no quilômetro 35 e vai até o seu final.

Mas é no município de São Paulo, do início até o quilômetro 35, que a Sapopemba mostra toda a sua diversidade, com casas de classe média baixa, pequeno comércio e ruas estreitas em seu início aos enormes conjuntos habitacionais e pista mais larga na metade da via. Após o número 27000 -- e aqui a numeração é confusa e irregular --, a via torna-se tortuosa, com asfalto bastante precário, favelas e indícios de desmanches de carros. E, na proximidade da divisa com Mauá, o gado na beira de estrada e as pequenas plantações ainda dão o tom rural da Sapopemba. É nesse trecho final que Rosângela do Rosário Barbosa de Moraes embala verduras e legumes para ser vendidos em Santos e no Ceasa.

A simplicidade rural e o comércio de peças e funilaria de carros no fim da Sapopemba contrastam com o seu início, onde, no número 2079, a AZ Veículos vende BMWs e Mercedes. "Comecei com os importados, pois achava que era o futuro. Hoje tenho também os nacionais, zero ou usados", diz George Soares de Holanda, dono da loja. Por mês, são comercializados atualmente 20 carros, uma média que já foi maior. "O mercado está difícil, e a concorrência cresceu", afirma ele.

Do outro lado da avenida, a corretora de imóveis Maria Amélia Possani, sócia da Nicolau Imóveis, diz que Sapopemba significa "caminho longo". "Os italianos usavam a rua para ir de suas chácaras à cidade, e era uma longa caminhada", explica. Na verdade, os imigrantes italianos a chamavam de Monte Rosso, pela sua terra vermelha, própria para a agricultura e para a fabricação de telhas e tijolos. Foram os portugueses os responsáveis pelo povoamento do bairro, com as suas chácaras de verduras nas terras férteis da região. O nome Sapopemba veio depois, em homenagem ao exemplar da árvore amazônica plantado na via.

Há 40 anos no bairro, a Nicolau Imóveis acompanhou a urbanização da avenida. A via onde os ônibus não passavam em dias de chuva manteve o trânsito complicado não só na estação das águas, mas se transformou num disputado corredor comercial. "Há dois anos, os donos de imóveis estão cobrando luvas para alugar um ponto na avenida", afirma Maria Amélia. O ágio recente é resultado da procura por bons lugares na avenida. A imobiliária calcula em torno de 500 reais o valor do metro quadrado para venda no local. "Mas só a Sapopemba é valorizada. Nas travessas e ruas paralelas, o preço cai ao menos pela metade", conta. Maria Amélia sonha com a construção de áreas de lazer, com um parque onde os meninos do bairro possam jogar bola em vez de ocupar trechos da avenida. Na própria Sapopemba, ela sente falta de uma padaria, com um saboroso pão doce. "A boa padaria próxima está na Mooca e há público na Sapopemba para um ponto com um pouco de sofisticação", afirma.

O imenso fluxo de pessoas explica o poder de atração da avenida. Não é possível contar quantos passam pela via, mas cálculos da consultoria Geografia de Mercado apontam uma população de 1,45 milhão de habitantes espalhados entre os sete distritos paulistanos e as duas cidades vizinhas por onde passa a avenida. Como conseqüência, a Sapopemba atrai os mais diversos tipos de comércio e serviços. Rubens Martins, diretor do Euro Data, conta ao longo da avenida pelo menos cinco empresas de cursos de informática, além das escolas informais. A rede inaugurou há quatro meses sua segunda filial na Sapopemba, motivada pelas 1 100 matrículas na primeira unidade. "Nossos alunos são das classes C e D, mas com perfil bastante diversificado", afirma. São moradores da região que apostam na informática como forma de tentar subir na vida.

A quantidade de serviços é maior nos primeiros 10 000 metros da Sapopemba e rara no final , numa proporção semelhante à renda de seus moradores. Na numeração até o 5000, a renda familiar corresponde a 7,5 salários mínimos, ante 3,8 salários dos habitantes entre os números 25000 e 30000. A queda da renda não impede o crescimento dos serviços. "A área comercial do distrito de Sapopemba cresceu 172% entre 1991 e 2000, chegando a 1,01 milhão de metros quadrados", afirma Kazuo Nakano, técnico do núcleo de urbanismo do Instituto Polis. Segundo ele, segurança e moradia são as maiores demandas da região, na qual a avenida Sapopemba é o principal corredor. O arquiteto vislumbra espaço para atividades ligadas a crianças. "Há uma demanda grande por creches, particulares e públicas", afirma.

Para aliviar a aura de violência, o 29o Distrito Policial, no número 3259, tem em sua fachada a Branca de Neve e os Sete Anões. "É para tirar o clima frio de uma delegacia", afirma o delegado titular Calisto Calil Filho, há sete anos na avenida. Na área de responsabilidade do distrito predominam as ocorrências de pequenos furtos. "A avenida é tradicional, e os moradores antigos zelam pela sua região."

Constatação semelhante faz Walter Montefusco, consultor de área do McDonalds. Com duas lojas na Sapopemba, ele conta que são raros os assaltos e os danos ao patrimônio, ao contrário do que o senso comum poderia pressupor. "Nossos clientes vêem o restaurante como o passeio do mês", conta. Muitos dos consumidores são famílias inteiras, cujas crianças vibram com as promoções de sanduíches e batatas fritas e cujos pais pedem apenas um refrigerante para não comprometer o contado orçamento. "Nossos brindes são, muitas vezes, o brinquedo que as crianças não ganham", afirma Montefusco. Cada loja atende 27 000 clientes por mês, com 50 funcionários, e participa da comunidade, como a recente melhoria de um campo de futebol local.

A diversidade religiosa também tem sua marca na avenida. Pelo menos 20 igrejas dos mais diversos cultos recebem pobres, classe média e até novos-ricos, do vizinho bairro de Anália Franco. Mais uma prova de que a avenida Sapopemba, por seus contrastes, é um autêntico retrato do Brasil.

À SOMBRA DE SAPOPEMBA

O perfil da região cortada pela avenida de 45 quilômetros

Total população (2000): 1 450 936

Renda média do chefe de família (salários mínimos por mês): 5,7

Com uma pista de cada lado na maioria da extensão, os congestionamentos são freqüentes. "A rápida ocupação da antiga estrada de Sapopemba tornou a avenida estreita para receber um grande volume de tráfego", diz o arquiteto Ricardo Rebello, analista de transporte e tráfego da CET. O comércio também contribui para o aumento do trânsito. Das 3 400 farmácias paulistanas, 36 estão na avenida, que tem ainda 13 agências bancárias e 29 postos de combustível em toda a sua extensão.

O Barateiro atende 10 500 pessoas por dia em suas quatro lojas na avenida. "Vendemos itens de consumo universal, com destaque para muita carne e verdura", afirma Antônio João Andraves, diretor da operação da bandeira popular do grupo Pão de Açúcar. Na praça Felisberto Fernandes da Silva, está a loja da marca líder de vendas em São Paulo. Para o varejo, a avenida é uma região potencial, mas com muita concorrência. O Dia, do Carrefour, Nagumo, Wal-Mart e Econ também atuam na avenida, além das lojas menores.

Quarenta linhas de ônibus cruzam a via diariamente, muitos com pontos nos dois terminais locais, o São Mateus e o intermunicipal. Na altura do número 13500, a avenida forma uma importante ligação viária entre Guarulhos e os municípios do ABC, num ponto de trânsito sempre confuso.

Os grandes conjuntos habitacionais, construídos em mutirão ou com financiamento estadual ou municipal após a década de 70 na beira do asfalto, contribuem para tornar o distrito de Sapopemba o segundo mais populoso de São Paulo, atrás apenas do Grajau. Próximos aos conjuntos estão várias favelas.

Uma placa do DER marca a divisa de município São Paulo-Mauá. No trecho de cerca de 10 quilômetros, a sensação é de uma estrada do interior. Em algumas curvas, cercas de madeira alegram a paisagem e revelam uma possível preocupação com a segurança. Só o ar não é tão puro, conseqüência da proximidade de um lixão -- o Aterro Sanitário Sítio São João, da prefeitura paulistana, no quilômetro 33. Os diversos pesque-e-pague são a principal atividade de lazer.

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