Economia

"Exagero tem custo"

Para o ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, o grande desafio dos empresários é não deixarem que o noticiário político contaminem seus planos

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h55.

O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Luiz Fernando Furlan, afirma que a democracia brasileira é sólida o bastante para resistir à crise política enfrentada pelo governo Lula. Por isso, recomenda cautela aos que desejam blindar a economia a todo custo. "Blindagem significa pôr mais peso; significa ter um custo maior para o mesmo resultado", diz. Leia, a seguir, a íntegra da entrevista concedida a EXAME.

EXAME Até quando a economia e o setor produtivo vão ficar à margem da crise política? É preciso blindar a economia?
Luiz Fernando Furlan O Brasil é uma democracia madura. Já tem passado por vários testes que comprovam isso. O Brasil vai sair melhor depois dessa turbulência. E não tem que blindar a economia. Blindagem significa pôr mais peso; significa ter um custo maior para o mesmo resultado. Se você tem um automóvel comum, custa menos e gasta menos se ele não for blindado. Exagero tem custo. O grande desafio é não deixar que o ânimo empresarial se contamine com o negativismo do noticiário político. Os fundamentos do Brasil são muito fortes. As empresas apresentaram balanços muito positivos nesse primeiro semestre. É um cenário de oportunidade e por isso os investimentos estão crescendo.

EXAME Qual é a estratégia para evitar que esse desânimo contamine o empresariado?
Furlan Existe uma pregação de diálogo. Dialogamos com os setores, como o de calçados e couro e o de móveis. Estive em Petrolina (PE), com o pessoal de agronegócio e frutas. Mostramos que cada segmento tem que olhar o seu negócio, seu município, sua região, suas exportações e começar a raciocinar com fatos e dados, e não com ilações, que é isso tudo que está diariamente nessa novela que não sabemos quando acaba.

EXAME O empresário deve então separar Brasília do resto do Brasil?
Furlan Eu acho. Ignorar. Deixar para quem de direito. Cada um de nós elegeu um governante, um membro do Senado e da Câmara e entregou a cada um deles um mandato para nos representar. Pôr pressão nesses representantes para que tomem as atitudes necessárias, e deixar para os agentes econômicos a continuidade dessa mobilização.

EXAME Mas há uma série de projetos importantes para a economia que ainda não foram tocados pelo Congresso e outros sequer chegaram lá.
Furlan A ministra Dilma [Rousseff, da Casa Civil] está autorizando esses temas. Ela tem disciplina e compromisso com resultados. Acho que essas coisas vão andar. A lei geral das micro e pequenas empresas vai andar. A MP 252 vai andar. O relatório tem muitas coisas além do que nós tínhamos inicialmente cogitado, mas, no geral, continua sendo uma MP do Bem. E pode vir uma MP do Bem 2, com alguns temas negociados com as lideranças da Câmara. O que precisamos fazer é concentrar em produzir e aumentar a demanda interna. Ela pode vir por desoneração e por instrumentos novos de crédito e facilitação.

EXAME O que poderá vir da MP do Bem 2?
Furlan Vários assuntos. No Conselho Nacional de Desenvolvimento Industrial, estamos fazendo reflexões sobre isso. Um deles é a desoneração de produtos de consumo de massa. Por que a população tem que pagar impostos elevados sobre produtos de consumo obrigatório? Óleo vegetal, por exemplo? Toda família compra óleo vegetal. Hoje, já foi desonerado arroz, feijão, farinha de mandioca. Na MP do Bem, foram incluídos leite em pó, queijos. Mas tem que desonerar mais largamente. Inclusive os bens de higiene, que se consomem em todos os lares.

"Os objetivos da política conduzida pelo Banco Central foram não só alcançados, como ultrapassados."

EXAME Os juros continuam em um patamar elevado e o Brasil é o campeão dos juros reais. Essa política de juros não tem jeito?
Furlan Acho que tem jeito sim. Os objetivos da política conduzida pelo Banco Central foram não só alcançados, como ultrapassados. Era impensável, em janeiro, que tivesse alguém do governo ou do setor financeiro que apostasse em uma inflação na casa dos 5% este ano. Seria internado se dissesse que a inflação desse ano será de 5,5%. Algumas commodities internacionais que pressionaram muito no ano passado estão decrescendo. É o caso do aço. E você tem um sonho realizado, que é a auto-suficiência em petróleo. Nós desmamamos de uma âncora que segurava o Brasil. Chegamos em um patamar de taxas de juros e minha ênfase é que, em vez de ficarmos nos comparando ao que éramos no passado, temos que nos comparar com quem é efetivamente nossa concorrência. Temos que pegar Índia, China, México e a Rússia. Ou vamos disputar o campeonato mundial ou vamos ficar nessa lenga-lenga.

EXAME O senhor sente que o empresariado anda desanimado?
Furlan Alguns setores. O setor automotivo, que era um setor de bastante dinamismo nas exportações, começa a dar mostra de estresse, de perda de contratos. Na hora em que a equação econômica pela taxa de câmbio perde competitividade, uma outra filial, em algum outro lugar, ocupa o espaço. E você, durante um tempo, vai ficar fora, o que também induz o redirecionamento de investimentos.

EXAME Mas isso tem relação com a crise política?
Furlan Isso não tem a ver com o câmbio. Parece que a salvação da lavoura agora para baixar a inflação é o câmbio. Tinha que se entender qual é o limite disso. É um filme que o Brasil já viu algumas vezes. É igual a um estimulante: tem gente que toma, dá uma sensação de euforia, mas depois vem a depressão e o resultado disso é o efeito oposto. Os efeitos do câmbio baixo não são muito visíveis neste momento. Setores que normalmente seriam competitivos deixam de sê-lo com essa equação malévola de juro alto e câmbio baixo. Ali adiante, você vai ter empresas parando de produzir e vai ter atividades que podem ser originadas de fora. Manda fazer com sua marca em outro país, que acaba ficando mais barato. E a nossa política industrial se perde. Acredito que seja uma situação transitória e que ela vai ser corrigida já no curto prazo, por que senão vamos criar danos que dificilmente serão recuperados.

EXAME Há muita decepção com medidas como as PPPs, que já foram criadas, mas não saíram do papel. O governo está perdendo a corrida?
Furlan Essa é uma das coisas que eu até hoje não consegui me acostumar em Brasília, que é a lentidão - como boas idéias demoram para ser concretizadas. O governo tem que pegar um projeto, por mais singelo que seja, e fazer uma PPP, porque aí tem um aprendizado, um projeto-piloto. Não adianta fazer uma PPP fabulosa e não sair do lugar. Uma característica de governo é que as responsabilidades ficam difusas. Dizer quem é o "PPPzista" do governo e dizer que aqui é o guichê. Era no Planejamento, mas hoje tem PPP do Transporte, da Energia, do Ministério das Cidades, da Integração Regional. E envolve Casa Civil, Ministério da Justiça, e por aí afora. Esse coletivo faz a responsabilidade ficar difusa.

EXAME Depois de dois anos e meio de governo, o que o senhor diria a um empresário que reclama da lentidão das decisões ou de rumos equivocados do governo?
Furlan Eu encontro um mar de oportunidades e de melhoria e isso me faz acreditar muito mais no Brasil. Fazendo um pouco, resultados aparecem. Se a gente colocasse grupos talentosos para resolver individualmente alguns problemas que são crônicos, teríamos o encurtamento de prazo igual ao de um país do primeiro mundo. Acho que algumas iniciativas estão sendo tomadas. Agora, com o novo ministro da Previdência, vamos pôr em marcha o projeto de racionalização e simplificação de economia nessa área.

"A vulnerabilidade de quem está em um cargo público é assustadora."

EXAME A coisa não anda porque a máquina é lenta?
Furlan Eu não posso dizer que eu tenha a fórmula e a solução. Algumas coisas, eu percebo, e sei que poderiam andar mais rápido. Em geral, quando você precisa formar um grupo amplo para discutir o assunto, a forma acaba sendo mais importante que o resultado e na minha experiência o resultado é mais importante que a forma.

EXAME Incomoda no seu dia-a-dia as discussões sobre corrupção que estão ocorrendo no Congresso e envolvendo alguns ministros?
Furlan Não incomoda, mas dá para a gente a consciência do risco de exposição, que não existia na minha vida anterior. Você está sujeito, de um momento para outro, a ter seu nome citado por qualquer motivo. E cabe a você o ônus de explicar porque durante 40 anos você trabalhou e construiu uma imagem e de repente um "joão qualquer" levanta uma hipótese sem prova nenhuma e você fica vulnerável. A vulnerabilidade de quem está em um cargo público é assustadora.

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