Promessas de Lula podem custar R$ 32 bilhões
Em 22 anos de oposição, o PT sempre brigou por um salário mínimo "decente e digno" para o trabalhador. O valor foi exaustivamente debatido na campanha eleitoral. Cada candidato deu seu lance, de olho nos votos. Lula se comprometeu a dobrar o salário em quatro anos, mas deixou no ar a dúvida sobre quanto deveria […]
Da Redação
Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h00.
Em 22 anos de oposição, o PT sempre brigou por um salário mínimo "decente e digno" para o trabalhador. O valor foi exaustivamente debatido na campanha eleitoral. Cada candidato deu seu lance, de olho nos votos. Lula se comprometeu a dobrar o salário em quatro anos, mas deixou no ar a dúvida sobre quanto deveria ser o mínimo para 2003. Há duas propostas em discussão. O número preferido pelo PT, 220 reais, custaria R$ 1,5 bilhão a mais no orçamento. O mínimo a R$ 240, defendido até há pouco pelos tucanos e pelo PFL, sairia mais R$ 4,7 bilhões. O presidente do PSDB, José Aníbal, disse ter identificado R$ 6,8 bilhões em receitas extraordinárias que poderiam, em parte, ser destinados ao aumento.
"A pressão sobre o salário mínimo é pesada", afirma Velloso. Ele diz que alguns petistas pedem ao governo de transição que use uma estimativa inflacionada de receita para aumentar o mínimo. Trata-se de um truque. A volta da inflação para a casa dos dois dígitos ao ano eleva a projeção de receita para 2003. Mas não é um aumento real. "Não se pode prever gastos para essa receita inflacionária", diz Velloso. "O próprio presidente do PT, José Dirceu, já deu uma declaração dando a entender que não teria como explicar um aumento do mínimo com receita inflacionária."
Foi, porém, na reunião com governadores tucanos que Lula fez a primeira promessa para os estados, que poderá comprometer mais R$ 3 bilhões do orçamento. Ele consentiu em manter por um ano um repasse para compensar perdas causadas pela Lei Kandir, que isenta de ICMS exportações de produtos básicos. "No Orçamento que enviou ao Congresso, o governo FHC não previa a continuidade do repasse", diz Callegari, da Tendências. Ele afirma que a concessão aos governadores joga fora o ganho de receita que o governo teria com a prorrogação, por um ano, da cobrança da alíquota de 27,5% do Imposto de Renda para pessoa física. "A alíquota daria ao PT um refresco de caixa de quase R$ 4 bilhões, mas boa parte dele deve ser doado aos estados", diz Callegari.
Questão resolvida, certo? Errado. "O dinheiro do BID não alivia o Orçamento. Pelo contrário, entra como despesa", diz Callegari. "O dinheiro não é seu, não faz parte da receita." Lula terá de cumprir as promessas sociais com o mesmo dinheiro que tem hoje, apenas a arrecadação federal, afirma Raul Velloso. O governo Lula ainda não disse de onde tirará dinheiro para colocar o Fome Zero em prática, mas parte deve sair dos atuais programas sociais do governo federal. Segundo um porta-voz do partido, parte deve vir do Fundo de Combate à Pobreza. Não será dinheiro novo, mas remanejado de um projeto social que já existe.
O PT também começa a receber pressão do Movimento dos Sem Terra. O MST, que havia prometido uma trégua de três meses nas invasões de terra, já apresentou a conta do apoio a Lula. Até maio de 2003, ele quer que Lula cumpra a seguinte lista: 1) assentar 85 mil famílias e incluí-las no programa Fome Zero; 2) providenciar custeio de R$ 2000 para cada uma das 350 mil famílias assentadas, segundo números do MST; e 3) contratar um técnico do Incra para cada cem famílias assentadas, o que representaria cerca de 3.500 novos funcionários públicos federais. Só uma das reivindicações, o custeio emergencial, custaria cerca de R$ 700 milhões à União. O governo de transição ainda não disse se o governo Lula acatará os pedidos do MST.
Some tudo:
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Cabe ao ex-prefeito de Ribeirão Preto, Antônio Palocci, coordenador do governo de transição e provável novo ministro da Fazenda, o desafio de encaixar no orçamento de 2003 as promessas e compromissos do governo Lula. "Não gostaria de estar na pele do Palocci", diz Velloso. Como receitas extraordinárias, Lula poderia contar, se tanto, com os 4 bilhões da alíquota de 27,5% do Imposto de Renda. "A conta vai fechar no papel, porque o papel aceita qualquer coisa", diz Callegari, da Tendências. "A pressão é grande para que se aprove um número relativamente irrealista." O PT pode cair na tentação de criar um orçamento superestimado que atenda a todas as vontades, mas que, na prática, não seja viável. Mas, afirma Velloso, as declarações da equipe de transição até agora têm sido irrepreensíveis. " Palocci e José Dirceu estão sendo duros na negociação", diz ele. "Tudo leva a crer que não irão cair na tentação." Em entrevista a ser publicada na próxima edição de EXAME, Palocci declarou: "É preciso que o novo governo comece agindo com muita consistência. Não haverá frouxidão na questão fiscal".