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PPPs deslocam avaliação de obras públicas para longo prazo

Especialista da KPMG afirma que materiais mais caros podem reduzir custo total da obra, por demandar manutenção mais barata ou depreciar menos

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 11h06.

As parcerias público privadas só são novidade por aqui. Elas se tornaram uma espécie de coqueluche dos governos europeus na década de 90. Uma novidade no início da década, as parcerias exigiram um intenso processo de aprendizado que deve se repetir no Brasil. Apesar de insubstituível, dadas as peculiaridades de cada país, esse processo de aprendizado pode ser abreviado, a partir de uma avaliação acurada da experiência internacional.

O diretor internacional da consultoria KPMG para parcerias, Timothy Stone, acompanhou a experiência em diversos países do continente. Um dos mais respeitados especialistas do assunto no mercado, ele identificou três erros básicos que não podem ser repetidos. "Aperfeiçoar as parcerias demanda uma mudança cultural, o que é difícil e leva tempo. Mas, no longo prazo, compensa. Os serviços ganham em qualidade e consistência e acabam ficando mais baratos para a comunidade", diz Stone.

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O primeiro equívoco a ser evitado é pensar no investimento a ser feito como um trabalho de curto prazo. "Quando um político decide fazer uma obra, ele em geral quer saber apenas se há recursos no orçamento daquele ano, e como fazê-la mais barato. Nem sempre essa é a melhor maneira de decidir. As decisões de um político vão afetar gerações e gerações".

Para Stone, é preciso calcular, no custo de cada obra ou serviço a ser implantado, fatores como depreciação e manutenção das instalações, além de possíveis mudanças no funcionamento dos serviços, como automação e informatização. Esse tipo de raciocínio permitiria adotar, por exemplo, materiais mais caros, mas de manutenção mais barata, ou que se depreciam menos, diminuindo o custo total da obra.

Apesar de ser uma lógica familiar ao setor privado, ela nem sempre era adotada na construção de obras públicas, mesmo quando esse cálculo de custos era feito por empresários. Segundo as estimativas feitas por Stone a partir da experiência inglesa, uma escola, um hospital ou uma rodovia construídos considerando-se os custos no longo prazo podem ficar até 20% mais baratos do que uma obra feita considerando-se custos imediatos.

Na opinião do professor Samuel Pessoa, da Fundação Getúlio Vargas, essa diferença de custos acontece principalmente por causa dos modelos de escolha adotados tradicionalmente pelas licitações, que privilegiam custos e não resultados. "As concessões atuais estão começando a mudar isso, mas durante muito tempo mesmo o setor privado não tinha interesse em fazer um cálculo que o fizesse perder a concorrência. Daí, quando faltava dinheiro, vinham aditivos e mais aditivos."

O diagnóstico de Pessoa resume um segundo equívoco identificado por Stone nas PPPs inglesas -- focar em especificações técnicas de cada obra e esquecer de cobrar resultados. "O setor público deve colocar o menor número de restrições possível na fase de construção, e concentrar as exigências nos resultados a serem obtidos com os serviços", diz Stone. Essa é uma premissa que está sendo observada, por exemplo, na parceria paulista para a construção da linha 4 do metrô, a chamada linha amarela. Pelo modelo proposto pelo governo de São Paulo, a remuneração do parceiro privado será feita a partir de indicadores de desempenho e de qualidade do serviço.

Na Inglaterra, um dos exemplos mais bem acabados desse tipo de iniciativa é a rodovia conhecida como M40, que liga Londres a Birmingham. Como a estrada teria de ser construída num trajeto com muitas chuvas, o poder público exigiu na concorrência para a PPP, que a rodovia apresentasse o menor índice de acidentes possível. Outras exigências foram que a estrada fosse de fácil acesso e silenciosa. Ganhou a concorrência o consórcio que propôs utilizar na rodovia um material conhecido como "pista porosa", uma espécie de asfalto esponjoso que absorve água e ruído rapidamente. Apesar de ser muito mais caro que asfalto e concreto tradicionais, o material exige menos manutenção e tem maior durabilidade. A M40 é hoje uma das dez estradas com menor taxa de acidentes do Reino Unido, segundo um ranking elaborado pela rede de TV BBC.

Outro item importante a ser considerado na confecção de um contrato de parcerias é a maneira de cobrar os resultados dos serviços. Para Stone, é preciso manejar de maneira apropriada os incentivos -- e também as punições. "É preciso pensar que a única maneira pela qual construímos obras públicas é o que elas fazem pela população, e não o que elas são. A razão pela qual o setor privado muitas vezes funciona melhor do que o setor público é que eles estão acostumados a usar incentivos", diz Stone.

Na base desse tipo de sistema, estão regras que permitem premiar um bom desempenho e punir o mau de maneira contundente. Um bom exemplo é o modelo adotado nos hospitais ingleses, muitos deles construídos via PPPs. O setor público contrata auditorias independentes que utilizam "help desks" como forma de aferir a qualidade do atendimento. Assim, quando há, por exemplo, um vazamento de água na maternidade, o pedido de conserto é registrado pelo "help desk", assim como o tempo que leva para consertá-lo. Cada procedimento leva uma pontuação e, conforme sua qualidade, gera descontos no pagamento mensal a ser feito pelo governo. Um número muito grande de falhas pode inclusive deixar os concessionários sem pagamentos. "O sistema de incentivos visa ajustar comportamentos. Mas para isso é preciso que o setor público também adote uma nova mentalidade", diz Stone.

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