Portos: secos para exportar
Mariana Segala A balança comercial brasileira teve um superávit recorde de 48 bilhões de dólares 2016. Poderia ser uma ótima notícia para os portos secos, imensos terminais de uso público onde ocorre o armazenamento e o despacho aduaneiro tanto das mercadorias vendidas para fora quanto daquelas que são compradas de outros países. O problema é […]
Da Redação
Publicado em 22 de fevereiro de 2017 às 11h53.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h38.
Mariana Segala
A balança comercial brasileira teve um superávit recorde de 48 bilhões de dólares 2016. Poderia ser uma ótima notícia para os portos secos, imensos terminais de uso público onde ocorre o armazenamento e o despacho aduaneiro tanto das mercadorias vendidas para fora quanto daquelas que são compradas de outros países. O problema é que a cifra bilionária camufla um dado sensível. O saldo aumentou não pelo fato de as exportações terem crescido, mas sim porque as importações despencaram – o que significa que o comércio internacional brasileiro, na verdade, minguou.
As empresas de logística sentiram na veia, e muitos grupos que operam portos secos estão mudando de dono, ou até buscando novas atividades. É uma péssima notícia para quem depende do comércio internacional. “Os portos secos são atrativos para os importadores porque os produtos podem ser mantidos estocados neles como se não tivessem sido nacionalizados, como se ainda estivessem no exterior”, explica Mônica Barros, gerente da consultoria Ilos, especializada em logística. A nacionalização das mercadorias – e o pagamento de impostos sobre elas – pode ser feita aos poucos, no ritmo da demanda de quem as importou.
Em 2016, as importações desembaraçadas em portos secos brasileiros somaram 29,7 bilhões de reais, 20% menor do que o valor verificado em 2015, de 37,2 bilhões de reais. O tombo é ainda mais impressionante em uma comparação mais longa. As importações que passaram pelos portos secos no ano passado foram 41% inferiores às de 2011. Nesse período, as exportações despachadas por meio desse tipo de terminal se mantiveram praticamente estáveis, girando em torno de 11,5 bilhões de reais por ano. Os dados foram compilados pela Receita Federal a pedido de EXAME Hoje.
Com a crise, o foco das companhias está mudando. “Precisamos nos voltar cada vez mais para a exportação”, diz Luiz Roberto Carrara Lelis, diretor-presidente da LRCL Participações e Investimentos, que no ano passado comprou a PSC Terminais Intermodais, administradora do Porto Seco do Cerrado, localizado em Uberlândia, em Minas Gerais. A empresa, que pertencia ao Grupo Libra, é praticamente 100% focada nas importações – o que, aliás, não é uma exclusividade dela.
O valor das importações despachadas pelo Porto Seco do Cerrado em 2015 somou o equivalente a cerca de 76 milhões de dólares, número que recuou quase à metade no ano passado, para 41 milhões de dólares. O impacto foi enorme, e as exportações – que foram de apenas 1,6 milhão de dólares em 2016 – não conseguiram compensar o baque.
A empresa mineira não é um caso isolado. No sul, a Multilog – administradora dos portos secos de Itajaí e Joinville, em Santa Catarina – foi quem arrematou, no ano passado, os portos secos que a Ecorodovias operava no Paraná e no Rio Grande do Sul por meio de uma subsidiária chamada Elog Sul. Entre eles está o de Foz de Iguaçu, considerado o maior da América Latina, além de outros em Curitiba e Maringá (PR), Jaguarão, Uruguaiana e Santana do Livramento (RS). “Estamos com uma frente comercial grande para atrair mais clientes exportadores. É um trabalho de, pelo menos, um ano e meio antes de os volumes crescerem mais fortemente”, explica Djalma Vilela, presidente da empresa, que se tornou a principal operadora de portos secos do país depois da aquisição.
O caminho é longo porque hoje, nas unidades originais da Multilog, as importações ainda representam 80% do movimento. Como até pouco tempo atrás os portos tradicionais – ou “molhados”, como também são jocosamente chamados pela turma da logística – andavam abarrotados de produtos vindos de fora, muitos exportadores construíram suas próprias áreas de estocagem por pura falta de opção. Mas os portos tradicionais também estão mais vazios e, por isso, ávidos pelos exportadores. Conquistar esses clientes, então, vai dar um trabalho danado para os portos secos.
Lelis estima que a adequação do Porto Seco do Cerrado para receber os exportadores da região – principalmente os ligados ao agronegócio – consuma algo como 15 milhões de reais nos próximos três anos. É preciso melhorar a infraestrutura para suportar, por exemplo, o armazenamento de cargas congeladas ou adaptar equipamentos para transportar grãos em contêineres, o que não é o mais usual. O empresário calcula que valha a pena – nas contas dele, o volume de exportações da região que a unidade pode capturar é dez vezes superior ao das importações já desembaraçadas lá.
No caso da Multilog, a ideia é aprender o caminho das pedras com os portos secos que vieram da aquisição da Elog Sul, que custou 115 milhões de reais. Ao contrário das unidades originais, as novas – que ficam, basicamente, no interior dos estados em que estão sediadas – têm exportações e importações mais equilibradas. “Estamos mostrando aos exportadores que há vantagens em operar com um porto seco. É possível estocar mercadorias aos poucos, até alcançar um volume viável para mandar para fora, além de iniciar o desembaraço dos produtos para chegar ao porto molhado pronto para, de fato, exportar”, explica Vilela. O foco está em conquistar clientes de setores como o madeireiro, de papel e celulose e de fumo.
Trocando de mãos
As movimentações envolvendo o Porto Seco do Cerrado e a Elog Sul não devem ser as únicas do setor. Mais unidades podem mudar de mãos nos próximos anos. No Rio Grande do Sul, a Rumo quer se desfazer dos portos secos que administra em Uruguaiana e Santana do Livramento. Em dezembro, a companhia formalizou à Receita Federal – órgão que licita os portos secos – a intenção de devolver a operação alfandegada das suas unidades em Uruguaiana e Santana do Livramento, na fronteira com a Argentina.
A empresa afirma que a operação se justificava quando ela detinha operações nas ferrovias do país vizinho – porém, o trecho foi estatizado pelo governo argentino. Com isso, as importações que passavam pelos portos secos da Rumo na região caíram de uma média anual de 300.000 toneladas por ano para 45.000 toneladas no ano passado. “A operação do porto seco se tornou inviável em virtude da queda do volume, resultando em resultado operacional negativo em 2016”, explicou a companhia. As tratativas com a Receita Federal ainda estão em andamento.
Fora isso, há uma série de concessões de portos secos em vias de vencer nos próximos anos. Até 2020, serão 16 – para fins de comparação, atualmente há 65 portos secos e centros logísticos e industriais aduaneiros (ou Clias) licitados no país. “Não há novas concessões em andamento no momento”, diz Antônio Braga Sobrinho, chefe da Divisão de Suporte e Infraestrutura Aduaneira (Disif) da Receita Federal.
Não que não haja demanda – existe interesse na instalação de portos secos em cidades como Teresina, no Piauí, e Sinop, em Mato Grosso, entre muitas outras. A Associação Brasileira de Portos Secos e Clias (Abepra) estima que 15% dos contêineres desembarcados nos portos brasileiros sejam direcionados aos portos secos para lá terem o despacho aduaneiro realizado. Resta saber quanto das cargas que saem do país esses terminais vão conseguir abocanhar daqui por diante.