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Por que, segundo o Enem, usar a internet causa demissões?

Questão sobre economia no Enem faz uma correlação peculiar entre os efeitos da tecnologia e o mercado de trabalho; entenda

Enem: questão da prova trata dos efeitos da tecnologia para o mercado de trabalho (Marcos Santos/USP Imagens)
DR

Da Redação

Publicado em 31 de outubro de 2015 às 14h22.

Você que agora está acessando a internet : PARE! Alguém no mundo está perdendo o emprego por causa disso. Ao menos é o que o elaborador ou elaboradora de uma das questões do Exame Nacional do Ensino Médio ( Enem ) deste ano pensa.

Brincadeiras à parte, as redes sociais foram inundadas de opiniões extremadas sobre o último Enem. Umas aplaudiram a escolha de temas abordados, outras disseram que tudo era apologia ao Marxismo e doutrinação de alunos para a ideologia de esquerda.

Dei uma olhada na prova. Tem coisa controversa, sim, mas, em geral, é tudo dentro de contextos específicos. Por exemplo, diante de passagem de determinado autor, pede-se para o candidato assinalar a alternativa correta “com base no que está escrito na passagem”. Não se diz que o que está escrito é verdade absoluta.

Mas uma das questões, que tem a ver com economia, deixou uma pulga atrás da orelha. Veja só:

No final do século XX e em razão dos avanços da ciência, produziu-se um sistema presidido pelas técnicas da informação, que passaram a exercer um papel de elo entre as demais, unindo-as e assegurando ao novo sistema uma presença planetária. Um mercado que utiliza esse sistema de técnicas avançadas resulta nessa globalização perversa.

SANTOS, M. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2008 (adaptado).

Uma consequência para o setor produtivo e outra para o mundo do trabalho advindas das transformações citadas no texto estão presentes, respectivamente, em:

a) Eliminação das vantagens locacionais e ampliação da legislação laboral.

b) Limitação dos fluxos logísticos e fortalecimento de associações sindicais.

c) Diminuição dos investimentos industriais e desvalorização dos postos qualificados.

d) Concentração das áreas manufatureiras e redução da jornada semanal.

e) Automatização dos processos fabris e aumento dos níveis de desemprego.

No gabarito a resposta correta é a letra e. Mas não tem nada no trecho citado que implique isso. De acordo com a passagem, o processo é “perverso”, mas não ficou claro quais são exatamente as mazelas associadas ao avanço tecnológico e à globalização – aquecimento global, ataques terroristas, discriminação contra minorias, sei lá. Logo, é um salto enorme concluir que haverá o efeito sobre o mercado de trabalho sugerido: “aumento dos níveis de desemprego”.

O que a teoria econômica diz sobre o efeito da tecnologia sobre o mercado de trabalho? Sob quais condições a tal perversidade pode ocorrer?

Avanços tecnológicos tornam empresas mais produtivas. Em outras palavras, com as mesmas quantidades de insumos (trabalho, máquinas, terra, etc.), consegue-se produzir mais. E isso também eleva a lucratividade das companhias. Esse resultado, por sua vez, estimula a firma a produzir ainda mais. Para isso ser possível, é necessário contratar mais insumos, o que inclui, em particular, novos trabalhadores. Ou seja, esse efeito vai contra o argumento da questão do Enem, em que o desemprego aumenta conforme a tecnologia avança.

Outro modo de entender as mudanças tecnológicas: elas permitem que se produza a mesma coisa que antes, mas com menos insumos. Para que tenhamos o tal efeito “perverso” no mercado de trabalho, precisamos de mais: que a mudança tenha um viés contra o trabalho. A firma deve conseguir produzir o mesmo que antes e, ao mesmo tempo, economizar proporcionalmente mais trabalho do que outros insumos – isso, provavelmente, tem a ver com a “automação dos processos” citada na alternativa e.

Mas, ainda assim, para gerar contração no mercado de trabalho (e, potencialmente, desemprego), esse viés precisa ser muito, muito forte. Poderoso o suficiente para que as empresas possam elevar suas produções em resposta à lucratividade mais elevada, mesmo contratando menos trabalhadores.

Portanto, precisamos de hipóteses bem específicas para que a resposta da questão realmente faça sentido. E nada disso é discutido no enunciado. Na verdade, a resposta é simplista. Não estimula o raciocínio crítico do aluno, tampouco o faz pensar sobre os diversos ângulos do problema. Trata-se do velho e ruim senso comum colocado em ação…

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Brincadeiras à parte, as redes sociais foram inundadas de opiniões extremadas sobre o último Enem. Umas aplaudiram a escolha de temas abordados, outras disseram que tudo era apologia ao Marxismo e doutrinação de alunos para a ideologia de esquerda.

Dei uma olhada na prova. Tem coisa controversa, sim, mas, em geral, é tudo dentro de contextos específicos. Por exemplo, diante de passagem de determinado autor, pede-se para o candidato assinalar a alternativa correta “com base no que está escrito na passagem”. Não se diz que o que está escrito é verdade absoluta.

Mas uma das questões, que tem a ver com economia, deixou uma pulga atrás da orelha. Veja só:

No final do século XX e em razão dos avanços da ciência, produziu-se um sistema presidido pelas técnicas da informação, que passaram a exercer um papel de elo entre as demais, unindo-as e assegurando ao novo sistema uma presença planetária. Um mercado que utiliza esse sistema de técnicas avançadas resulta nessa globalização perversa.

SANTOS, M. Por uma outra globalização. Rio de Janeiro: Record, 2008 (adaptado).

Uma consequência para o setor produtivo e outra para o mundo do trabalho advindas das transformações citadas no texto estão presentes, respectivamente, em:

a) Eliminação das vantagens locacionais e ampliação da legislação laboral.

b) Limitação dos fluxos logísticos e fortalecimento de associações sindicais.

c) Diminuição dos investimentos industriais e desvalorização dos postos qualificados.

d) Concentração das áreas manufatureiras e redução da jornada semanal.

e) Automatização dos processos fabris e aumento dos níveis de desemprego.

No gabarito a resposta correta é a letra e. Mas não tem nada no trecho citado que implique isso. De acordo com a passagem, o processo é “perverso”, mas não ficou claro quais são exatamente as mazelas associadas ao avanço tecnológico e à globalização – aquecimento global, ataques terroristas, discriminação contra minorias, sei lá. Logo, é um salto enorme concluir que haverá o efeito sobre o mercado de trabalho sugerido: “aumento dos níveis de desemprego”.

O que a teoria econômica diz sobre o efeito da tecnologia sobre o mercado de trabalho? Sob quais condições a tal perversidade pode ocorrer?

Avanços tecnológicos tornam empresas mais produtivas. Em outras palavras, com as mesmas quantidades de insumos (trabalho, máquinas, terra, etc.), consegue-se produzir mais. E isso também eleva a lucratividade das companhias. Esse resultado, por sua vez, estimula a firma a produzir ainda mais. Para isso ser possível, é necessário contratar mais insumos, o que inclui, em particular, novos trabalhadores. Ou seja, esse efeito vai contra o argumento da questão do Enem, em que o desemprego aumenta conforme a tecnologia avança.

Outro modo de entender as mudanças tecnológicas: elas permitem que se produza a mesma coisa que antes, mas com menos insumos. Para que tenhamos o tal efeito “perverso” no mercado de trabalho, precisamos de mais: que a mudança tenha um viés contra o trabalho. A firma deve conseguir produzir o mesmo que antes e, ao mesmo tempo, economizar proporcionalmente mais trabalho do que outros insumos – isso, provavelmente, tem a ver com a “automação dos processos” citada na alternativa e.

Mas, ainda assim, para gerar contração no mercado de trabalho (e, potencialmente, desemprego), esse viés precisa ser muito, muito forte. Poderoso o suficiente para que as empresas possam elevar suas produções em resposta à lucratividade mais elevada, mesmo contratando menos trabalhadores.

Portanto, precisamos de hipóteses bem específicas para que a resposta da questão realmente faça sentido. E nada disso é discutido no enunciado. Na verdade, a resposta é simplista. Não estimula o raciocínio crítico do aluno, tampouco o faz pensar sobre os diversos ângulos do problema. Trata-se do velho e ruim senso comum colocado em ação…

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