Por que a renda do brasileiro é a menor em 10 anos — mesmo com o desemprego caindo
Patamar baixo de renda dos brasileiros mostra os limites da recuperação no mercado de trabalho
Carolina Riveira
Publicado em 12 de junho de 2022 às 08h30.
Na lista das principais preocupações do brasileiro, o mercado de trabalho lidera há algum tempo. Na última edição da pesquisa EXAME/IDEIA, em maio, quando perguntados sobre qual era o principal problema do Brasil, cerca de um quarto dos brasileiros responderam desemprego. (Em segundo lugar veio a inflação, com cerca de 20%.)
Mas quem olha apenas os números gerais da economia pode não entender de cara o porquê. No último trimestre medido pela Pnad, do IBGE, a taxa de desemprego — após atingir seu auge na pandemia — baixou para 10,5%, o menor nível desde 2016.
O número significa que ainda há cerca de 11 milhões de brasileiros procurando emprego, patamar que está longe do ideal, mas não se compara a resultados muito piores há um ano, quando a taxa de desemprego beirava os 15%.
As nuances desses números, no entanto, jogam luz sobre os problemas que o Brasil tem para realmente se recuperar da crise. O grande desafio é que, embora o desemprego venha caindo, a renda da população segue menor do que era em anos anteriores.
Dados do IBGE divulgados nesta semana mostram que o rendimento médio da população em 2021 foi o menor desde 2012, início da série histórica, há uma década.
Se excluída a população desempregada, a renda segue com recorde negativo mesmo entre quem trabalha ou tem alguma outra fonte de ganhos: o rendimento médio ficou pouco acima de R$ 2.550 no trimestre até abril, também abaixo do que era em 2012 (veja no gráfico abaixo).
O número inclui rendas com salário e também aluguéis, auxílios, pensões e outros.
O fim do auxílio emergencial pago no começo da pandemia (e que levou o rendimento médio a um pico em 2020) explica parte do cenário. Mas, além disso, a queda nos rendimentos mesmo com o aumento da população trabalhando significa que os novos postos de trabalho criados, na prática, pagam menos.
“A redução do rendimento médio de todos os trabalhos”, diz o IBGE, “preponderou sobre o aumento da população ocupada no período”.
Um dos motivos é que parte da recuperação no número de vagas veio do mercado informal. De dez trabalhadores brasileiros, quatro são informais. Tais vagas trazem renda pouco estável e sem reajustes anuais que acompanhem a inflação, levando a rendimentos mais baixos na média.
No geral, 70% da população vive hoje com um salário mínimo ou menos.
Enquanto isso, mesmo no mercado formal, a renda da população é impactada pela inflação tendo as piores altas desde o Plano Real nos anos 1990. O IPCA, principal índice inflacionário, acumula hoje mais de 11% de alta em 12 meses, e a projeção é de que siga acima de 10% até o segundo semestre, pressionando a já reduzida renda das famílias.
"A renda das pessoas não têm aumentado. Os indicadores de emprego mostram uma solidez na redução do desemprego e o consumo aumentou, mas é uma situação onde ainda há muita incerteza", explica a economista Juliana Inhasz, do Insper.
Risco para o crescimento
O encolhimento da renda é um número preocupante nas projeções de cenário para a economia brasileira, porque é exatamente o consumo que vem puxando a recuperação até agora. O produto interno bruto (PIB) do primeiro trimestre subiu 1%, número que ficou acima das expectativas. A alta veio principalmente do crescimento no setor de serviços, enquanto a indústria andou de lado e a agropecuária encolheu.
Os serviços, no entanto, foram influenciados pela alta no consumo das famílias (que cresceu 0,7%), uma vez que os gastos do governo e investimentos em capital produtivo não cresceram.
Parte dessa alta no consumo ainda é um efeito rebote após os dois anos de pandemia com as pessoas saindo menos de casa e gastando pouco em serviços. Por isso, a partir de agora, analistas apontam que manter o crescimento via consumo até o fim do ano não será fácil.
Além do mercado de trabalho longe do ideal, o impacto dos juros elevados para conter a inflação tende a aparecer mais nos próximos meses, e também será um fator a colocar freio no consumo no segundo semestre.
“O grande problema da recuperação econômica neste momento é que a inflação está diminuindo a capacidade de retomada mais efetiva. Se a ocupação já ultrapassou o nı́vel pré-pandemia, o contrário se observa no rendimento médio real”, escreveu o economista-chefe da MB Associados, Sergio Vale, em relatório a clientes neste mês.
Além disso, o relatório traz argumentos de como a queda no desemprego “pelo efeito da pandemia” pode estar se esgotando. Parte da retomada do emprego até agora veio com setores como a construção civil, mas, daqui para a frente, com a desaceleração da economia que é esperada para os próximos trimestres, setores que historicamente empregam muito, como indústria e serviços, sentirão os efeitos da crise e podem não contratar.
O nível de emprego “dependeria agora de condições de demanda para continuar crescendo”, apontou a MB.
A lenta recuperação no mercado de trabalho brasileiro é sobretudo desigual nesses tempos de crise. Trabalhadores do topo da pirâmide e com emprego formal tiveram mais segurança e possibilidade de aumentar a poupança durante a pandemia diante dos menores gastos com serviços, enquanto o contrário aconteceu com os mais pobres.
O IBGE mostra que, no grupo que está entre os 5% a 10% dos brasileiros com menor renda, os ganhos caíram mais de 30% no ano passado. Entre o 1% com a maior renda, a renda caiu menos, cerca de 6%.
Em suma, a média do 1% dos brasileiros mais ricos ganhou em 2021 quase 40 vezes a média dos 50% mais pobres. Essa metade mais pobre recebeu, em média, R$ 415 por mês, ante R$ 15,9 mil na média do 1% mais rico.
Em carta de conjuntura no primeiro trimestre, o Ipea também chamou atenção para o fato de que, dentre os brasileiros que ainda estão desempregados, um terço procurava trabalho há dois anos no fim de 2021. "Em que pese a melhora no dinamismo da ocupação, o aumento do tempo de permanência no desemprego mostra que a situação do mercado de trabalho continua desafiadora", diz a nota do Ipea.
Esse cenário ajuda a explicar com mais clareza dados tristes como os do Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar, também divulgados nesta semana, que mostram que 33 milhões de pessoas no país passaram fome recentemente. É algo como 15 em cada 100 brasileiros cuja preocupação com questões básicas de sobrevivência tem sido alta.
Está difícil conseguir um emprego para parte significativa da população e, quem consegue, corre um risco alto de acabar em vagas piores e com menores salários. Para esse grupo, ainda é difícil dizer que a economia está em plena recuperação.