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Os desafios de lula

A volta ao trilho do crescimento sustentado poderá ser mais difícil do que parece

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 10h49.

Quais as condições para o Brasil retomar o crescimento econômico? Essa pergunta, que há duas décadas vem sendo subjugada pelo debate sobre políticas de estabilização, recuperou a importância nos últimos meses, quando um cenário global favorável e o bom manejo das políticas domésticas abriram caminho para uma recuperação incipiente da economia brasileira. No entanto, transformar essa recuperação de curto prazo em crescimento sustentado não será tarefa simples. Para voltar a crescer para valer, o Brasil terá de suplantar dois importantes desafios: reduzir o custo do dinheiro e conseguir fazer a economia crescer. São questões freqüentemente tratadas sem distinção, mas que lidam com problemas diferentes.

O primeiro desafio diz respeito às altas taxas de juro que assolam o país desde 1994. O Brasil tem um risco-país muito elevado, e isso torna difícil reduzir os juros sem que ocorra simultaneamente uma bolha especulativa no mercado de câmbio. Para compreender o problema, basta olhar sua situação atual. O tão falado risco Brasil está atualmente em cerca de 6% ao ano. As taxas de juro globais de longo prazo giram ao redor de 4% ao ano. Também em 4% está o chamado custo de cross-border -- ou seja, a margem que os investidores cobram para aplicar no Brasil ao levar em conta riscos como o cambial e o de que o governo adote um controle de capitais e ainda custos como o da CPMF. Considerando tudo isso, as taxas de juro reais de equilíbrio resultam em 11%. É um patamar incompatível com crescimento econômico e estabilidade da dívida pública. Resultado: o Banco Central pode até prosseguir com a política de cortes na taxa Selic, mas esse movimento saudável não deve durar muito. À medida que a taxa se aproximar dos 16%, a política monetária estará entrando numa "zona de perigo", em que novos cortes de juros aumentarão a probabilidade de uma bolha especulativa no câmbio.

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Como procederá o Banco Central diante desse desafio? A história recente é ilustrativa: nos últimos três anos, o país esteve por duas vezes na "zona de perigo" -- no primeiro trimestre de 2001 (Selic de 15,5%) e no segundo trimestre de 2002 (Selic de 18%). Em ambos os casos, a redução dos juros foi acompanhada de uma desvalorização da moeda. No final, um choque exógeno desequilibrou o sistema (no primeiro caso, o choque veio da Argentina; no segundo, das eleições brasileiras). Seguiram-se desvalorizações agressivas, que forçaram o BC a subir os juros.

Em 2003, no entanto, a estratégia do Banco Central deve ser distinta. Os economistas brasileiros já perceberam os riscos advindos da tentativa de "furar" a chamada "zona de perigo". É razoável imaginar que o BC não vá corrê-los. A taxa Selic deve se estabilizar acima da "zona de perigo". Nessas circunstâncias, choques exógenos não criam bolhas no câmbio, e a depreciação da moeda é apenas temporária. Foi o que aconteceu em junho, quando um aumento nas taxas de juro globais fez o dólar subir de 2,85 reais para 3,07. Como o país operava com taxas de juro reais altas -- fora, portanto, da "zona de perigo" --, em questão de semanas a depreciação foi contida. Tudo bem, então? Nada disso. O custo da estratégia é um juro real acima de 11%, crescimento econômico abaixo de 2,5% e dívida pública atingindo 59% do PIB -- apesar do superávit fiscal primário de 4,25%.

A esperança é que condições externas favoráveis permitam novas diminuições do risco Brasil, jogando a "zona de perigo" cada vez mais para baixo. Assim, taxas de juro reais eventualmente cairiam para um patamar compatível com crescimento e estabilidade da dívida. Nesse meio tempo, no âmbito doméstico, o governo buscaria uma redução naquelas distorções que colocam o custo de cross-border em 4%, fazendo uma sintonia fina sobre a CPMF, impostos sobre transações financeiras e volatilidade do câmbio.

Isso nos leva ao segundo desafio. Assumindo que o primeiro desafio seja resolvido e que as taxas de juro reais caiam para níveis asiáticos, terá o Brasil condições de crescer a taxas de crescimento asiáticas? A resposta, infelizmente, é não. Desde meados da década de 50, o Brasil vem procurando crescer por meio do acúmulo de um único insumo de produção -- capital físico. As políticas econômicas sempre foram direcionadas para permitir o maior acúmulo, a melhor alocação e a maior produtividade de máquinas e equipamentos. Foi assim entre 1955 e 1980, quando as políticas econômicas procuraram estimular poupança e investimento doméstico. Foi assim também a partir de 1994, quando o Brasil tentou retomar o crescimento por meio de poupança e investimento externos. No entanto, esse tipo de crescimento está sujeito a uma dura restrição econômica -- a lei dos rendimentos decrescentes -- e tende a se exaurir. Não por outro motivo, a taxa anual de crescimento despencou de 7,4% entre 1960 e 1980 para menos de 2,1% entre 1981 e 2002. É claro que crises externas contribuíram para a queda, mas, mesmo que elas não tivessem existido, e mesmo que todas as reformas fossem aprovadas, o crescimento pós-1994 terminaria se exaurindo, exatamente da mesma maneira como aquele tentado entre 1955 e 1980.

O ponto é que, para crescer de forma sustentada, é preciso acumular os dois insumos de produção: capital físico e capital humano. Nessas circunstâncias, a lei dos rendimentos decrescentes deixa de ser um fator limitante do crescimento -- apesar de se aplicar a cada insumo individualmente, ela não mais se aplica ao PIB como um todo. Lamentavelmente, a educação nunca recebeu a importância devida como fonte de crescimento -- na verdade, ela sempre esteve no âmbito das políticas sociais, e nunca das políticas econômicas. Além dos investimentos tradicionais em educação, o governo brasileiro poderia pensar em subsidiar empresas que investissem em treinamento de mão-de-obra. Essa é uma mobilidade particularmente importante de investimento em capital humano, pois procura aproveitar ao máximo a interação com o capital físico existente.

Resumo da ópera: o Brasil precisa superar dois desafios para ter crescimento sustentado. O primeiro diz respeito à "zona de perigo" dos juros. O país precisa conseguir reduzir suas taxas de juro reais sem causar uma bolha especulativa no mercado de câmbio. Já o segundo desafio está relacionado à capacidade de o Brasil crescer sustentadamente -- e, para isso, a educação precisa urgentemente ser vista como problema econômico, e não mais como problema social. Para repetir o fenômeno da Ásia, não basta ter a taxa de juro dos países asiáticos. É preciso também ter o padrão asiático de educação.

Paulo Tenani é Ph.D. pelo departamento de economia da Universidade Colúmbia e autor do livro Human Capital and Growth (MBooks)

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