Opinião: Economia evoluiu de filosofia a ciência e também como profissão
Economistas estão dando mais importância aos dados, estão mais preocupados com a desigualdade e estão dispostos a questionar hipóteses consagradas
João Pedro Caleiro
Publicado em 4 de agosto de 2018 às 08h00.
Última atualização em 4 de agosto de 2018 às 08h00.
A profissão de economista passa por grandes mudanças, mas pouca gente parece notar. Talvez seja por causa do fluxo constante de estudos que reiteram as mesmas críticas datadas. Talvez por causa da memória coletiva do tempo em que os economistas se apresentavam como libertários. Talvez porque institutos de pesquisa e aqueles que aparecem frequentemente na mídia apresentem uma caricatura da economia.
Percebidas ou não, as mudanças são reais e significativas. Primeiramente, a profissão ficou bem mais empírica, dando maior importância a evidências e dados em detrimento de conjecturas teóricas. Em segundo lugar, os economistas se mostram bem mais preocupados com desigualdades ultimamente. E por último, estão dispostos a questionar hipóteses consagradas, como a de que os agentes são perfeitamente racionais.
Em uma apresentação recente, Henrik Kleven, economista da Universidade de Princeton, discutiu como a profissão mudou nos últimos anos. Ele usou software para fazer buscas nos estudos submetidos ao Escritório Nacional de Pesquisa Econômica dos EUA.
A busca se limitou ao campo da economia pública, que lida com impostos, gastos do governo e assuntos semelhantes. As conclusões dele provavelmente refletem tendências presentes em toda a disciplina.
A primeira conclusão de Kleven foi que o empirismo está em ascensão. Cresceu o número de estudos que mencionam a palavra “identificação”, ou seja, testar os modelos contra os dados.
A revolução empírica se mostra de diversas formas. Mais estudos utilizam dados coletados por agências governamentais e técnicas como aprendizado de máquinas estão se popularizando. No entanto, a maior mudança é a ênfase na separação entre correlação e causação.
Muitos estudos divulgados pela mídia se baseiam em correlação. Por exemplo, uma reportagem sobre um estudo que liga vinho tinto a risco de câncer faz as pessoas pensarem que o vinho tinto é perigoso, mas talvez as pessoas que bebem mais se exponham a mais riscos para a doença.
Economistas enfrentam o mesmo desafio quando avaliam políticas públicas. Por exemplo, se o salário mínimo subir e o desemprego cair, talvez seja porque o salário mínimo é bom para o mercado de trabalho ou mera coincidência.
Para separar causação e correlação, mais economistas usam abordagens experimentais, que podem ser testes aleatórios controlados (no qual os pesquisadores podem testar uma política pública, como microfinanciamento, para ver se funciona).
Também são usados os chamados experimentos naturais, nos quais pesquisadores tentam medir o efeito de eventos aleatórios (como a fuga em massa de cubanos do Porto de Mariel para os EUA, em 1980).
Eles podem também fazer experiências em laboratório, vendo o comportamento das pessoas em ambiente controlado e generalizando suas observações. Segundo Kleven, os três tipos de experiência estão em alta.
Os economistas também estão mudando as teorias usadas para avaliar suas conclusões. A economia comportamental, antes relegada aos porões da disciplina, se tornou comum na economia pública.
Conceitos comportamentais abrangem o distanciamento do que é perfeitamente racional. Algumas pessoas não enxergam longe, outras não conseguem descobrir o melhor jeito de consumir ou investir e precisam de ajuda de uma empresa, do governo ou de um familiar que os oriente a tomar a decisão mais inteligente. Kleven também percebeu a ascensão desses conceitos.
Por outro lado, modalidades mais antigas de teoria econômica ficaram menos populares. Ele descobriu que a teoria do equilíbrio geral — que descreve toda a economia de uma vez — vem sendo menos utilizada.
Talvez isso seja reflexo da maior humildade dos economistas. Em vez de modelar toda a economia de uma vez, como costumavam fazer antes da crise financeira, muitos se concentram em um pedaço por vez.
A classe começou a se importar com outros temas. O impressionante aumento da desigualdade nos países desenvolvidos e nas nações em desenvolvimento preocupa economistas, que estão usando com mais frequência expressões como a que se refere aos “1 por cento mais ricos”.
A profissão segue em evolução. Atualmente, os economistas agem mais como cientistas e menos como “filósofos matemáticos”, como dizia David Card. Eles prestam mais atenção às evidências e lentamente abandonam algumas das hipóteses menos realistas. Talvez a preocupação com a desigualdade tenha demorado para aparecer, mas agora eles sabem que isso importa.Todas essas mudanças são positivas, saudáveis e necessárias, mostrando que a disciplina não está moribunda ou descolada da realidade, como acusam alguns críticos.
Esta coluna não necessariamente reflete a opinião do comitê editorial ou da Bloomberg LP e seus proprietários.