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Da Redação
Publicado em 12 de novembro de 2008 às 11h41.
Autor de livros clássicos, como “A América Latina e a Economia Mundial”, o economista e historiador Coatsworth acredita que no governo Obama, Brasil e EUA se aproximarão e que os americanos vão buscar a ajuda de seus principais parceiros internacionais para reformar instituições como o FMI e o Banco Mundial. Abaixo, os principais da entrevista exclusiva concedida ao Portal EXAME.
Barack Obama deve seguir os passos de Lula – um líder popular que, como Obama, foi eleito com o apoio dos setores da esquerda, mas que adotou políticas de centro, que uniram o país?
Sim. Obama precisa fazer exatamente o que fez o Lula. Seguir políticas econômicas responsáveis e consistentes do ponto de vista fiscal, que façam sentido na superação de desequilíbrios externos e internos. E assim como Lula, Obama deve buscar políticas econômicas que sejam adaptáveis às circunstâncias. Ao mesmo tempo, Obama deve usar o crescimento econômico resultante, que esperamos alcançar a partir dos próximos dois anos, para superar uma série de problemas que temos tido em políticas sociais, em função da paralisia política em Washington na última década.
O que podemos esperar das relações Brasil-EUA no governo Obama?
Possivelmente veremos uma aproximação dos dois países, porque em primeiro lugar existem afinidades filosóficas entre os dois presidentes. Em segundo lugar, porque historicamente os EUA vêem o Brasil como seu parceiro mais importante na América do Sul. E de sua parte, o Brasil vê os Estados Unidos como uma forma de equilibrar a influência de seus vizinhos hispânicos. Temos uma história de parcerias, marcada por algumas tensões no passado. Mas os Estados Unidos têm uma considerável boa vontade em relação ao Brasil e também do Brasil em relação aos Estados Unidos. Além disso, o governo Obama vai se afastar das prioridades de Bush na região, que dizem respeito ao combate às drogas e ao terrorismo. Obama vai tentar enxergar a América Latina num contexto mais amplo, em que o interesse dos EUA em comércio e investimentos será associado ao compromisso americano de facilitar e encorajar o progresso social e econômico na região.
Mas para os brasileiros, o protecionismo americano em relação ao etanol brasileiro é tanto uma questão diplomática quanto comercial. Como os produtores de etanol de milho são um dos maiores doadores da campanha de Obama, o que podemos esperar nesse sentido?
É difícil saber. Uma forma de ver a questão é encará-la apenas do ponto de vista comercial, em que os EUA têm uma política protecionista que favorece o lobby dos produtores de milho. Mas outra maneira de vê-la é abordá-la num contexto mais amplo – e acho que será a forma a ser abordada pelo governo Obama. E creio que ele vai trabalhar no sentido de ter uma política para uma grande variedade de combustíveis alternativos, que incluem energia nuclear, eólica, solar etc. E nesse contexto, creio o governo Obama não estará tão interessado em etanol como é o caso do governo Bush. Parte da razão tem a ver com o efeito negativo da produção de etanol de milho sobre o preço dos grãos no mercado mundial. Creio que ao final, no contexto de uma política mais ampla de fomento de novas fontes de energia, o etanol de milho vai diminuir de importância dentro da estratégia americana e que isso pode aliviar as tensões que existem entre os Brasil e os EUA nesse campo.
E como serão as relações dos EUA com seus principais parceiros hispânicos, México e Colômbia, durante o governo Obama?
As relações dos EUA com o México vão melhorar à medida que as negociações para uma reforma na lei de imigração avançar no Congresso americano. O governo Obama certamente estará interessado nisso. Mas a rapidez de tal reforma é incerta, mas creio que ela será enviada ao Congresso nos primeiros dois anos do novo governo. E no caso do México e da Colômbia, a guerra contra os traficantes é um compromisso americano que transcende os partidos. Ela deverá ser mitigada com políticas que ajudem os dois países a pagar os altos custos hoje arcados por esses dois países. Os EUA deverão ser mais colaborativos do que hoje, cuja ação está mais focada em ações policiais e na execução da lei internacional de proibição de narcóticos.
E no caso da Venezuela?
Haverá uma disposição do governo Obama de começar de novo e de considerar uma melhora na relação com a Venezuela. E se o governo Chávez decidir que ele também que ir na direção de uma aproximação com o Washington, ele verá que os EUA terão mais disposição para serem flexíveis. Essa nova atitude de ambas as parte deve produzir resultados, desde que Chávez isso como seu interesse. À medida que o preço do barril de petróleo cai, devemos ver mais moderação retórica da parte do governo Chávez.
E quanto à Argentina?
Essa será uma questão difícil para o governo Obama. Ao contrário do governo Bush, que não fez nada para ajudar a mitigar os efeitos da crise argentina, haverá um interesse por parte do governo Obama para ser construtivo e ajudar os argentinos. Mas não sei se o governo argentino terá se organizado de forma a enxergar com clareza o que eles gostariam que os EUA fizessem. É preciso haver uma evolução de ambos os lados, desde que os argentinos arrumem a própria casa, sendo mais fiscalmente responsáveis, para poderem contar com um papel mais construtivo da parte dos americanos.
No governo Obama o capitalismo americano será mais intervencionista? Acabaram os dias de laissez-faire em Wall Street?
Sim. Isso é verdade em dois sentidos. Em primeiro lugar, os EUA precisam modernizar e racionalizar a moldura regulatória do mercado financeiro. Até mesmo as pessoas que trabalham no mercado financeiro reconhecem essa necessidade, porque elas estão vivendo o trauma resultante da pouca supervisão do governo Bush. Mas também é verdade que todo o sistema internacional de governança econômica, criado em Brenton Woods depois da Segunda Guerra Mundial, e que foi sacudido e depois remodelado na década de 1970, chegou a um ponto em que precisa ser redesenhado. Existem muitas questões e problemas na economia global que não estão sendo cobertos pelas atuais instituições e acordos multilaterais. Logo, precisamos cooperar com nossos parceiros econômicos ao redor do globo sobre as formas mais sensatas para coordenar políticas macro-econômicas. Por exemplo: quais são as formas criativas para se confrontar a necessidade de termos reservas financeiras internacionais, proporcionando mais estabilidade às atuais moedas? Também precisamos pensar numa nova moldura regulatória que torne o fluxo de capitais menos volátil. E há questões que têm a ver com a governança global, como o papel do Fundo Monetário Internacional e a missão do Banco Mundial. Logo, além de trabalhar para a recuperação econômica, o novo governo americano também terá que engajar nossos parceiros a fim de reconstruir as principais instituições globais, que por sua vez deverão ajudar na tarefa de liberalização do comércio internacional.
Todas essas tarefas são tão ambiciosas que certamente num primeiro mandado o presidente Obama só terá dar a largada nas reformas.
É verdade. Mas justamente por isso precisamos começar a abordar essas questões agora, num momento em que existe um amplo reconhecimento do fracasso e a necessidade de mudança.
Qual a sua opinião sobre a agenda fiscal de Obama? Ele tem insistido que apenas 5% da população, os contribuintes mais ricos, pagarão mais impostos no seu governo.
Creio que ele terá apoio para aprovar junto ao Congresso uma grande porção de suas propostas fiscais. Em primeiro lugar, ele ganhou a eleição com uma ampla maioria da população americana. Em segundo lugar, existem senadores republicanos que aprenderam a lição. E um terço dos atuais senadores vão concorrer a novas eleições daqui a dois anos. E também existem republicanos comprometidos com políticas fiscais sensatas, congressistas que se opuseram às políticas do governo Bush ou as adotaram com relutância. Logo, creio que pelo menos nessa fase de lua-de-mel de Obama, nos próximos seis meses, ele terá facilidade para mudar a lei fiscal americana. A questão mais importante é saber se num período mais longo de tempo o governo Obama será capaz de realizar uma verdadeira reforma fiscal, reescrevendo e aprimorando o código fiscal americano. Isso será uma tarefa muito mais difícil.
O pacote de estímulo fiscal planejado pelos democratas vai funcionar?
A resposta fácil para a sua pergunta é que ninguém sabe ao certo. Os economistas ainda estão divididos sobre quão profunda e prolongada será a atual recessão. Desde 1929, essa é a primeira vez que temos uma crise no sistema financeiro e também na economia real. O perigo é que elas se realimentam. Estamos em meio a uma perigosa espiral que vai se prolongar. Se pensarmos em recessões passadas, em média, desde a Segunda Guerra Mundial, as recessões duraram de dois a três trimestres. Logo, segundo essas estatísticas, a economia americana deve começar a se recuperar no primeiro ou no segundo trimestre de 2009. Mas se essa for uma recessão muito severa, ela poderá durar todo o próximo ano ou até a primeira metade de 2010. A próxima questão a ser respondida é se depois da recessão teremos uma rápida recuperação. Não sabemos isso, mas sabemos que com uma equipe econômica competente, junto com um Congresso cooperativo e um comandante engajado e inteligente, como o presidente Obama, estamos numa situação muito melhor para enfrentarmos o que vier por aí.
De que maneira o sistema de saúde americano deve ser reformado?
Adotando o modelo de pagamento único, em que o governo é o pagador e tem mecanismos para se certificar que o serviço proporcionado é de boa qualidade, como acontece nos países mais civilizados. E de fato existe uma parte do sistema de saúde americano que utiliza a figura do pagador único – os sistemas Medicare e Medicaid. E esses são os mais eficientes sistemas nos EUA. Os custos de custeio no Medicare são de 2%, basicamente relacionado aos custos de processamento. Já os mesmos custos nos seguros privados de saúde nos EUA são da ordem de 20% a 30%. Mas dada a natureza do sistema de saúde americano, seria muito difícil e custoso nacionalizá-lo de uma única vez. Mas os EUA precisam urgentemente dessa reforma, por dois motivos: o primeiro é que os EUA hoje estão na 29 posição no ranking mundial de mortalidade infantil, a pior posição entre os países desenvolvidos. Cuba, que tem um décimo da renda per capita dos EUA se encontra na 27 posição no mesmo ranking. Além disso, os americanos estão se tornando mais baixos do que os demais povos do mundo. Os EUA já tiveram a mais alta população nativa entre os países desenvolvidos, mas agora somos os mais baixos de todos os países desenvolvidos ocidentais. E essa tendência se estende aos americanos mais ricos, que estão se tornando mais baixos do que os europeus mais ricos. E o mesmo se aplica à classe média. Isso tem a ver com o nosso sistema de saúde, porque os EUA são o país que mais gastam com saúde, proporcionalmente, entre os países desenvolvidos. Logo, é uma questão de ineficiência, que tem prejudicado a economia, tanto para o governo como para o setor privado. A equipe de Obama nesse ramo, que é liderada pelo economista de Harvard David Cutler, tem realizado um trabalho impressionante, em pensar de que maneira o atual sistema de saúde poderá ser estendido para quase toda a população, ao mesmo tempo em que sua eficiência seja aumentada.