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O avanço chinês

Se a instabilidade política e a crise econômica fazem do Brasil um péssimo lugar para se investir, alguém esqueceu de avisar os chineses. Este ano o Brasil deve receber pelo menos 20 bilhões de dólares, cerca de 66 bilhões de reais, em investimentos de companhias chineses, na conta de especialistas. Segundo relatório do jornal britânico […]

CHINA: o passo mais importante que o país pode tomar para promover a internacionalização do renminbi consiste em fortalecer os mercados financeiros nacionais / China Fotos
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Letícia Toledo

Publicado em 15 de julho de 2016 às 20h33.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h46.

Se a instabilidade política e a crise econômica fazem do Brasil um péssimo lugar para se investir, alguém esqueceu de avisar os chineses. Este ano o Brasil deve receber pelo menos 20 bilhões de dólares, cerca de 66 bilhões de reais, em investimentos de companhias chineses, na conta de especialistas. Segundo relatório do jornal britânico Financial Times, o Brasil receberá o maior investimento chinês entre todos os países da América Latina.

Em 2015, essas empresas chinesas já haviam investido 5,5 bilhões de dólares no país, segundo a pesquisa China Global Investment Tracker. Este ano, engana-se quem pensa que os empresários chineses estão esperando o impeachment da presidente Dilma Rousseff se definir para voltar a abrir a carteira. Em 2016, já foram mais de 8 bilhões de dólares, cerca de 26,4 bilhões de reais, em investimentos no país.

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A empreitada se deu, principalmente, no setor de energia elétrica. No início de julho, a estatal chinesa State Grid anunciou a compra de 23,6% da participação da Camargo Corrêa na distribuidora de energia CPFL por quase 6 bilhões de reais. A expectativa agora é que a que a State Grid compre as demais partes da companhia, pagando até 25 bilhões de reais. Além da CPFL, a empresa está negociando a compra de ativos da espanhola Abengoa no país e da participação da carioca Light na Renova Energia, uma das maiores empresas de geração eólica no país.

Outra companhia chinesa que tem agitado o mercado brasileiro é a China Three Gorges (CTG). Neste mês, ela concluiu a compra de duas hidrelétricas em São Paulo, por 13,8 bilhões de reais. “Estamos focados em consolidar o que adquirimos e também estamos olhando oportunidades em geração solar, eólica e hidrelétrica no país”, afirma Li Yinsheng, presidente do CTG no Brasil.

Segundo especialistas consultados por EXAME Hoje, o apetite das chinesas pelo setor de energia no país está só começando. Eles afirmam que há pelo menos outras seis empresas chinesas à procura de ativos no setor de energia no país.

Ativos à venda não devem faltar. O plano de desinvestimentos da estatal Eletrobras leiloará sete distribuidoras até o fim do próximo ano. A estatal mineira Cemig também deve colocar em prática a venda de ativos que, segundo analistas do banco Itaú BBA, totalizam 4,1 bilhões de reais.

Novos setores

O avanço no setor de energia é só a repetição de uma estratégia iniciada há dez anos. Dos 39 bilhões de reais de investimentos de companhias chinesas que o país recebeu no período, 70% se concentraram no setor de energia elétrica. Além disso, desembarcaram por aqui montadoras como a JAC Motors, a Cherry e a Foton, de caminhões.

Nos próximos anos, a tendência é de que a China comece a investir em outras áreas no Brasil. Charles Tang, presidente da Câmara de Comércio e Indústria Brasil China, que auxilia a entrada de companhias chinesas no Brasil, afirma que está auxiliando a chegada de uma fabricante de ônibus comerciais e uma fabricante de ferramentas. “Também tenho encomenda de uma empresa chinesa que quer adquirir uma companhia de suínos e uma outra que quer entrar na área de supermercados” diz Tang.

Entender o interesse chinês é fácil. Começa pelo fato de a crise derrubar o valor das empresas. Sobram pechinchas no Brasil. Além disso, os chineses gostam de olhar o longo prazo – e, nesse sentido, o Brasil continua sendo uma ótima oportunidade. “O Brasil é enorme e tem um grande potencial de demanda futura. Na parte de energia elétrica, o consumo ainda deve aumentar muito, principalmente à medida em que o país se tornar mais desenvolvido”, afirma Li Yinsheng, da CTG Brasil.

O Brasil também se encaixa à perfeição na estratégia do governo chinês de investir em produtos necessários para abastecer o consumo de sua população de mais de 1,3 bilhão de pessoas. Um exemplo é o interesse por carne suína – só neste ano, as importações devem crescer cerca de 30% na China.

O setor de agricultura e pecuária, aliás, deve ser um dos maiores beneficiados com o apetite chinês. “É uma relação de duplo benefício. Com a desaceleração da economia chinesa, suas empresas têm uma imensa capacidade ociosa e estão buscando países para poder investir. O interesse é por áreas que podem ser fornecedoras importantes de produtos para o país no futuro”, diz o diplomata Luiz Augusto de Castro Neves, presidente do Conselho Empresarial Brasil-China.

Disposição do novo governo em negociar parece não faltar. A primeira viagem do presidente Michel Temer após a decisão do Senado sobre o impeachment (se ele continuar presidente) terá como destino a China. O objetivo é desembarcar em Pequim em setembro para vender aviões da fabricante brasileira Embraer e ampliar as exportações de carne. “Enquanto a China é o nosso principal parceiro comercial, na China o Brasil está em décimo na lista dos maiores parceiros. O governo Temer deve tentar mudar isso”, avalia Neves.

Ao redor do mundo

A expansão chinesa não acontece só no Brasil. No último ano, os chineses bateram recordes de investimentos no exterior. Foram mais de 600 negócios que totalizaram 112,5 bilhões de dólares.

O aumento de investimentos chineses é o que alguns especialistas têm denominado de segunda fase da política “Going Out” chinesa, implantada no início do século com o objetivo de promover investimentos no exterior.

Em um primeiro momento, os investimentos foram feitos, principalmente, por companhias estatais em infraestrutura em países subdesenvolvidos. O maior exemplo são os países da África subsaariana, que receberam 220 bilhões de dólares em investimentos chinês nos últimos 10 anos. O dinheiro financiou obras como a construção de rodovias, minas, sistemas de telecomunicações e energia elétrica. O interesse da China na África é criticado por muitos especialistas que veem nas investidas africanas uma tentativa de colonização.

Na segunda fase dessa política, as companhias têm aumentado investimento em países desenvolvidos com o que seria uma nova classe de empresários, mais preparados para negociar com ativos de alto valor.

Um grande exemplo são os Estados Unidos, que recebeu mais de 22 bilhões de dólares em investimentos chineses em 2015. Nos últimos cinco anos, foram quase 80 bilhões de dólares em investimentos no país, ante 36 bilhões no mesmo período no Brasil.

Ao contrário dos investimentos em países subdesenvolvidos, nos Estados Unidos as aquisições chinesas se concentram cada vez mais em grandes empresas. A principal razão é adquirir marcas, tecnologias e talentos que a economia chinesa ainda não tem e que serão importantes para o país manter o ritmo de crescimento (apesar da queda recente, a China anunciou nesta sexta um avanço de 6,7% no último trimestre).

As investidas chinesas este ano nos Estados Unidos incluem o conglomerado General Electric, que vendeu sua divisão de eletrodomésticos ao segundo maior fabricante de eletrodomésticos na China, Qingdai Haier, por 5,4 bilhões de dólares. Na lista entra também a compra da produtora de filmes Legendary Entertainment, que produziu Jurassic World e Batman: O Cavaleiro das Trevas, pelo Dalian Wanda Group por 3,5 bilhões de dólares. As investidas chinesas chegaram até mesmo à Bolsa de Valores de Chicago, que foi vendida para o grupo chinês Chongqing Casin Enterprise Group.

O risco chinês

Na Europa, os investimentos em setores como energia, automóveis, alimentos e imobiliário totalizaram 35 bilhões de dólares em 2015.

No início deste ano, a estatal chinesa China National Chemical fez uma oferta para adquirir a companhia agrícola suíça Syngenta. O valor do negócio é de 43 bilhões de dólares – se concretizado, será a maior aquisição já feita por uma companhia chinesa fora de seu país.

Como a Syngenta tem operações em mais de 90 países, o acordo precisa da aprovação de diversas autoridades. A aprovação dos americanos tem tornado a operação complexa. O Comitê de Investimentos Estrangeiros nos Estados Unidos discute se a venda poderia comprometer a alimentação americana e se os endereços da empresa combinada seriam muito perto de bases militares nos Estados Unidos.

O tamanho do acordo reacendeu as preocupações sobre os perigos de um avanço chinês (e seu governo totalitário) pelo mundo. Por aqui, uma discussão que ainda vai dar o que falar é a venda de terras para estrangeiros.

O governo Temer já colocou o assunto em pauta e disse que estuda maneiras de autorizar a compra de terras por investidores internacionais. A permissão foi suspensa em 2010, durante o governo Dilma, para, segundo a então presidente, “assegurar a soberania nacional em área estratégica da economia e o desenvolvimento”.

O temor principal era de que empresas chinesas adquirissem grande lotes de terra para assegurar a oferta de alimentos para seus cidadãos, eventualmente comprometendo o abastecimento dos próprios brasileiros.

No governo Temer, a visão é que a retomada da venda de terras a estrangeiros pode aumentar a atratividade de investimentos em concessões como a de portos, por exemplo. Os chineses, por essa lógica, poderiam ter acesso a uma cadeia agrícola integrada, da terra ao canal para exportar os produtos. Se os planos de Temer saírem do papel, os 20 bilhões de dólares de investimentos chineses no previstos para 2016 podem bem virar 40 em 2017. O quanto o país tem a ganhar, e o quanto tem a perder com isso deve ser tema de intensos debates num futuro próximo.

(Letícia Toledo)

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