Banco Central: BC também quer aumentar a eficácia de comunicação com o Conselho de Controle de Atividades Financeira (//Getty Images)
Reuters
Publicado em 7 de fevereiro de 2020 às 14h16.
Última atualização em 7 de fevereiro de 2020 às 14h17.
Brasília — A recente regulação pelo Banco Central de um sistema de combate à lavagem de dinheiro que obriga as instituições financeiras no país a identificarem os beneficiários finais das transações de seus clientes coloca o Brasil em um patamar semelhante ao de países desenvolvidos, ao mesmo tempo que eleva os custos da indústria financeira em diferentes proporções.
A norma entra em vigor em 1º de julho deste ano e, segundo especialistas ouvidos pela Reuters, deve ajudar o país a atrair mais investimentos ao dar uma maior segurança aos investidores, especialmente após os escândalos revelados pela operação Lava Jato.
Na visão do advogado Thiago Luís Sombra, sócio do escritório Mattos Filho, a Circular nº 3.978 do BC publicada no mês passado contribui para diminuir a incerteza jurídica, em um momento no qual o Brasil pleiteia ingresso na Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
"O novo normativo aproxima o Brasil das práticas internacionais fixadas pela OCDE (Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico) e acaba por aumentar a transparência do país e a segurança para investimentos", diz.
A circular amplia o número de pessoas que serão monitoradas por políticas de riscos das instituições financeiras em razão de serem ou estarem ligadas às chamadas "pessoas politicamente expostas" (PPE).
Isso inclui desde vereadores e deputados estaduais a parentes de segundo grau, bem como pessoas relacionadas.
De acordo com Antônio Carlos Vasconcellos, ex-corregedor-geral da União/CGU e professor de compliance e anticorrupção do IBMEC, uma vez que o crime de lavagem de dinheiro é um delito de difícil detecção, a participação do setor privado é essencial para que políticas de enfrentamento possam ser aperfeiçoadas.
"A nova norma regulamenta justamente como tal exigência deve ser cumprida pelas instituições autorizadas a funcionar pelo Banco Central, apresentando regras mais completas e deixando evidente a necessidade de uma abordagem lastreada na avaliação de riscos para detecção de casos suspeitos", afirmou.
O advogado Tiago Severo, sócio do escritório Mattos Engelberg Advogados, destaca que antes da norma entrar em vigor grandes bancos e até cooperativas de crédito terão que aplicar uma política de prevenção à lavagem de dinheiro que terá que ser aprovada obrigatoriamente pelo alto escalão da instituição regulamentada.
"Independentemente de qual seja o tamanho da instituição e do segmento, a alta cúpula vai ter que refazer toda sua política contra lavagem com base nos novos princípios do BC", disse Severo. Um desses pontos é a identificação do beneficiário final da operação financeira.
"Se eu não estou vendo com clareza quem é que vai beneficiar-se de uma operação, pode haver uma atividade suspeita. O usuário pode estar (mascarado) por um grupo de empresas, holding, que está em outro país, e insere-se em um paraíso fiscal", disse Severo.
Com a nova legislação, o BC também quer aumentar a eficácia de comunicação com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), estabelecendo prazos específicos para etapas de monitoramento, seleção, análise e informação ao órgão, disse Sombra, do Mattos Filho.
Ele afirmou que a partir do momento em que a norma entrar em vigor em julho, a tendência é que mais casos de lavagem de dinheiro sejam investigados. "Já em uma perspectiva de longo prazo, desestimulará a quantidade de ilícitos que envolvam lavagem de dinheiro e financiamento ao terrorismo, em decorrência de uma maior quantidade de elementos fiscalizatórios", prevê.
Mas todo o trabalho para se chegar ao beneficiário final das transações deve elevar os custos do setor financeiro, que tem passado por um momento de forte aumento da competição, principalmente no segmento de meios de pagamentos, com o surgimento de centenas de fintechs no país.
Questionada, a Federação Brasileira de Bancos (Febraban)informou que a área técnica está "analisando todos os impactos da nova norma". Em razão disso, informou não haver, ainda, estimativa de custos extras decorrentes dos novos dispositivos.
Adriano Vargas, sócio da PWC Brasil (Pricewaterhouse Coppers), afirmou ser difícil precisar, em um primeiro momento, os custos que as instituições terão com os aditivos impostos.
"Cada instituição vai estar em um nível de organização, de maturidade. Por exemplo, se pegarmos uma cooperativa de crédito, ela vai ter um nível de maturidade diferente de uma instituição financeira de grande porte ou de um banco de varejo", exemplificou.
No entanto, um ponto essencial que pode ser determinante nos custos finais, segundo ele, é o nível da digitalização de negócios, que tem grande peso no segmento financeiro.
"No momento em que você tem um ambiente muito mais digital, com muito mais alavancagem de tecnologia e competências da sua equipe voltada à tecnologia, você vai ter ganhos de eficiência em custo muito significativos, especialmente nas alterações regulatórias", complementou.
Sombra, do Mattos Filho, reitera também que cada caso é individualizado, a depender do tamanho da instituição, bem como da disposição em alocar recursos em torno dos procedimentos demandados pelo BC.
Ele afirma já ter recebido "diversas consultas" em relação à adequação aos requisitos estipulados pelo Banco Central, Coaf e Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
Entre as principais demandas dos clientes, o advogado ressalta as dúvidas em torno das alterações de procedimentos de reportes de operações suspeitas, estruturação dos departamentos de compliance e questões sobre novas exigências cadastrais.
Severo, do Mattos Engelberg Advogados, afirmou que a nova norma do BC inclui um dispositivo que impede bancos instalados no país que possuem sede no exterior de verificarem fora do Brasil operações financeiras, situação que ocorria anteriormente.
"Isso é um impacto para todos os bancos estrangeiros com sede no Brasil... Os bancos estrangeiros, os quais, por ventura, tenham a parte operacional, de execução, de detecção do beneficiário final de uma operação suspeita, feito no exterior... acabou. Tem de fazer absolutamente tudo no Brasil", disse ele.
Procurado pela Reuters, o Banco Central informou que o dispositivo mencionado "não traz custos relevantes adicionais às instituições financeiras".
"... Os requerimentos normativos levam em consideração critérios de proporcionalidade e já é prática das instituições a manutenção de pessoas com a expertise necessária ao desempenho dessas atividades no país", informou.