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Lazzarini: o BNDES no governo Temer

De 2001 a 2013 os desembolsos anuais do BNDES, o banco estatal de fomento, passaram de 25 bilhões para 190 bilhões de reais. O governo tentou criar campeões nacionais e aumentar as taxas de investimento no Brasil. Deu no que deu. Como o novo governo, do presidente interino Michel Temer, deve agir com os empréstimos […]

LAZZARINI: “as grandes empresas vão ir ao governo e dizer que precisam de recursos” / Claudio Gatti
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Da Redação

Publicado em 20 de maio de 2016 às 16h05.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h03.

De 2001 a 2013 os desembolsos anuais do BNDES, o banco estatal de fomento, passaram de 25 bilhões para 190 bilhões de reais. O governo tentou criar campeões nacionais e aumentar as taxas de investimento no Brasil. Deu no que deu. Como o novo governo, do presidente interino Michel Temer, deve agir com os empréstimos para empresários, principalmente diante da necessidade de um ajuste fiscal, com uma dívida de quase 70% do PIB, e de investigações que prenderam empresários e políticos? São temas tratadas com EXAME Hoje por Sergio Lazzarini, professor de organização e estratégia do Insper e co-autor do livro Leviatã nos Negócios: as Diversas Formas de Capitalismo de Estado, publicado pela Harvard Press.

O senhor define em seu livro que “capitalismo de Estado é a influência do governo na economia tanto por ter ações de empresas, como por prover crédito e outros privilégios. Como o novo governo vai se comportar nesse sentido?
Essencialmente, devemos ver duas grandes mudanças na economia brasileira, que mudam essas relações. Uma delas é a necessidade de ajuste fiscal. Isso faz com que seja preciso reduzir, necessariamente, a conta de subsídios e suporte que as empresas recebem. Ou seja, os subsídios e contratos vantajosos vão ser reduzidos. O outro movimento importante é que essas investigações, como a Lava-Jato, e a necessidade de as empresas terem maior controle interno, está pressionando para que diminuam sua exposição ao governo. Algumas mudanças institucionais, como a eliminação dos financiamentos de campanha, podem fazer com que as empresas tenham menos instrumentos para entrar nesse ciclo. Mas tudo vai depender do quanto o governo vai efetivamente caminhar nessa agenda de ajuste fiscal e o quanto essas mudanças institucionais em curso no Brasil vão se perpetuar.

A relação entre dívida e PIB beira os 70%, intensificada pelos empréstimos subsidiados que o governo concedeu às empresas. Existe alguma maneira de o governo investir em empresas privadas e conceder subsídios sem tantos danos à economia?
Para bancar as operações do BNDES o governo teve que transferir uma montanha de recursos para o banco, e isso aumentou o endividamento. Não tem saída, esses investimentos têm custo. É necessário fazer o ajuste e ter subsídios seletivos. O BNDES, por exemplo, privilegia grandes empresas. Essas empresas poderiam se capitalizar com fontes privadas, caso fossem dados os incentivos corretos. Então, nesse caso tem que cessar os subsídios. É preciso apoiar empreendedores de menor escala, inovadores, projetos dificilíssimos de infraestrutura que o mercado privado não pode financiar e assim por adiante. Eu me reunia com empresários e dizia “esse projeto não poderia ser financiado pelo setor privado?”. E eles respondiam que sim, mas que o BNDES era muito mais barato, mais conveniente.

Podemos esperar que esse novo governo invista mais em empresas menores?
Devemos caminhar nessa linha, salvo se existirem pressões corporativas. As grandes empresas vão ir ao governo e dizer que precisam de recursos. Além disso, não é só uma questão de ser grande ou pequena. Claro que as empresas pequenas são importantes, mas o foco deve ser nas empresas menores, empreendedoras, com bons projetos e potencial de negócio que ainda não viu a luz do dia por que não tem acesso a crédito. Não é qualquer pequena empresa que pode ter acesso ao crédito facilitado. Já a empresa grande pode até participar e receber crédito subsidiado, desde que os projetos de participação dessas empresas desempenhem benefícios sociais tangíveis: um projeto de saneamento básico, por exemplo. É muito complicado e gera um impacto social muito grande investir nisso.

O que é necessário para que os bancos e investidores privados voltem a ocupar o espaço que era dos bancos públicos?
Na realidade é necessário um conjunto de medidas complementares e importantes. O ajuste fiscal, junto a uma sinalização de uma condição mais estável da economia e queda da inflação, deve reduzir os juros no longo prazo e isso facilita o mercado empresarial. Pode-se dizer que isso não vai resolver a falta de capital de longo prazo, e algumas empresas precisam de capital para 10, 15, às vezes até 30 anos. Nesses casos, não se precisa necessariamente de um banco público emprestando, ele poderia atuar como facilitador ou garantidor de crédito. As empresas privadas podem emprestar de fontes privadas e o banco público entrar para garantir parte do pagamento. Existem formas mais inteligentes e eficientes de reduzir essas falhas de mercado.

Fala-se muito em privatizações e concessões públicas no governo interino de Temer. Vamos ver uma guinada na direção oposta daquilo que o senhor define como capitalismo de Estado?
O capitalismo de Estado brasileiro se calcou nessa relação mútua de um banco público oferecendo capital a empresas privadas. Mas esses empresários se conectam com os politicos de diferentes maneiras, inclusive com doações de campanha. Tudo isso gerou efeitos colaterais, incluindo o que está sendo investigado na Lava-Jato. Se essas operações avançarem e, ao mesmo tempo, houver uma necessidade de ajuste fiscal e de cortar os subsídios, então forçadamente vamos ter que caminhar numa linha de participação privada. Não tem saída. O que pode inibir isso é a pressão corporativa das empresas. Porque os empresários falam que não querem mais impostos, mas são os primeiros a pedir subsídio de bancos estatais nas negociações. Subsídio com pouco imposto não dá.

O BNDES realizou grandes aportes em empresas, promovendo a criação dos famosos campeões nacionais. Com o fim desse ciclo, podemos dizer que essa política falhou totalmente?
Sim, essa política foi falha. A taxa investimento ficou estagnada. Desde os anos 2000 nós estamos com a taxa ao redor de 16-17% do PIB, apesar dos desembolsos terem aumentado de forma bárbara. Isso é uma evidência muito nítida de que fizemos algo muito errado. A indústria perdeu participação no PIB, nós não temos setores inovadores como se pretendia. Então tudo deu absolutamente errado. É o momento de se pensar radicalmente essa forma de política e suporte industrial. Eu não sou contrário a essa ideia de incentivo, mas é preciso fazer de uma forma técnica, como aprendemos a partir de estudos e experiências recentes, que mostram como tem de ser feito.

O senhor pode citar exemplos?
Há várias iniciativas recentes como parcerias público-privadas, concessões mais centralizadas, desburocratização de processos. As agências reguladoras precisam ser reforçadas para dar uma maior estabilidade às intervenções: para que o governo não “meta a mão” e reduza as tarifas como bem quiser, pois esse tipo de atitude aumenta a percepção de risco do investidor e dificulta a captação de recursos no mercado.

Os empréstimos realizados no passado pelo BNDES foram de juros subsidiados. Esses empréstimos eram de longo prazo e ainda estão sendo pagos. Como o governo vai lidar com esses pagamentos?
Existem esqueletos de pagamento ao governo que têm que ser ajustados. Mas as transferências que foram feitas já foram feitas. Agora é refocalizar o banco para não precisar dar mais esse tipo de aporte. Reduzir empréstimo com subsídio e empréstimos atrelados a taxas de longo prazo. É preciso ser mais seletivo com esses empréstimos, fornecendo somente para quem precisa mesmo. Os ajustes vão sendo feitos ao longo do tempo.

(Thiago Lavado)

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De 2001 a 2013 os desembolsos anuais do BNDES, o banco estatal de fomento, passaram de 25 bilhões para 190 bilhões de reais. O governo tentou criar campeões nacionais e aumentar as taxas de investimento no Brasil. Deu no que deu. Como o novo governo, do presidente interino Michel Temer, deve agir com os empréstimos para empresários, principalmente diante da necessidade de um ajuste fiscal, com uma dívida de quase 70% do PIB, e de investigações que prenderam empresários e políticos? São temas tratadas com EXAME Hoje por Sergio Lazzarini, professor de organização e estratégia do Insper e co-autor do livro Leviatã nos Negócios: as Diversas Formas de Capitalismo de Estado, publicado pela Harvard Press.

O senhor define em seu livro que “capitalismo de Estado é a influência do governo na economia tanto por ter ações de empresas, como por prover crédito e outros privilégios. Como o novo governo vai se comportar nesse sentido?
Essencialmente, devemos ver duas grandes mudanças na economia brasileira, que mudam essas relações. Uma delas é a necessidade de ajuste fiscal. Isso faz com que seja preciso reduzir, necessariamente, a conta de subsídios e suporte que as empresas recebem. Ou seja, os subsídios e contratos vantajosos vão ser reduzidos. O outro movimento importante é que essas investigações, como a Lava-Jato, e a necessidade de as empresas terem maior controle interno, está pressionando para que diminuam sua exposição ao governo. Algumas mudanças institucionais, como a eliminação dos financiamentos de campanha, podem fazer com que as empresas tenham menos instrumentos para entrar nesse ciclo. Mas tudo vai depender do quanto o governo vai efetivamente caminhar nessa agenda de ajuste fiscal e o quanto essas mudanças institucionais em curso no Brasil vão se perpetuar.

A relação entre dívida e PIB beira os 70%, intensificada pelos empréstimos subsidiados que o governo concedeu às empresas. Existe alguma maneira de o governo investir em empresas privadas e conceder subsídios sem tantos danos à economia?
Para bancar as operações do BNDES o governo teve que transferir uma montanha de recursos para o banco, e isso aumentou o endividamento. Não tem saída, esses investimentos têm custo. É necessário fazer o ajuste e ter subsídios seletivos. O BNDES, por exemplo, privilegia grandes empresas. Essas empresas poderiam se capitalizar com fontes privadas, caso fossem dados os incentivos corretos. Então, nesse caso tem que cessar os subsídios. É preciso apoiar empreendedores de menor escala, inovadores, projetos dificilíssimos de infraestrutura que o mercado privado não pode financiar e assim por adiante. Eu me reunia com empresários e dizia “esse projeto não poderia ser financiado pelo setor privado?”. E eles respondiam que sim, mas que o BNDES era muito mais barato, mais conveniente.

Podemos esperar que esse novo governo invista mais em empresas menores?
Devemos caminhar nessa linha, salvo se existirem pressões corporativas. As grandes empresas vão ir ao governo e dizer que precisam de recursos. Além disso, não é só uma questão de ser grande ou pequena. Claro que as empresas pequenas são importantes, mas o foco deve ser nas empresas menores, empreendedoras, com bons projetos e potencial de negócio que ainda não viu a luz do dia por que não tem acesso a crédito. Não é qualquer pequena empresa que pode ter acesso ao crédito facilitado. Já a empresa grande pode até participar e receber crédito subsidiado, desde que os projetos de participação dessas empresas desempenhem benefícios sociais tangíveis: um projeto de saneamento básico, por exemplo. É muito complicado e gera um impacto social muito grande investir nisso.

O que é necessário para que os bancos e investidores privados voltem a ocupar o espaço que era dos bancos públicos?
Na realidade é necessário um conjunto de medidas complementares e importantes. O ajuste fiscal, junto a uma sinalização de uma condição mais estável da economia e queda da inflação, deve reduzir os juros no longo prazo e isso facilita o mercado empresarial. Pode-se dizer que isso não vai resolver a falta de capital de longo prazo, e algumas empresas precisam de capital para 10, 15, às vezes até 30 anos. Nesses casos, não se precisa necessariamente de um banco público emprestando, ele poderia atuar como facilitador ou garantidor de crédito. As empresas privadas podem emprestar de fontes privadas e o banco público entrar para garantir parte do pagamento. Existem formas mais inteligentes e eficientes de reduzir essas falhas de mercado.

Fala-se muito em privatizações e concessões públicas no governo interino de Temer. Vamos ver uma guinada na direção oposta daquilo que o senhor define como capitalismo de Estado?
O capitalismo de Estado brasileiro se calcou nessa relação mútua de um banco público oferecendo capital a empresas privadas. Mas esses empresários se conectam com os politicos de diferentes maneiras, inclusive com doações de campanha. Tudo isso gerou efeitos colaterais, incluindo o que está sendo investigado na Lava-Jato. Se essas operações avançarem e, ao mesmo tempo, houver uma necessidade de ajuste fiscal e de cortar os subsídios, então forçadamente vamos ter que caminhar numa linha de participação privada. Não tem saída. O que pode inibir isso é a pressão corporativa das empresas. Porque os empresários falam que não querem mais impostos, mas são os primeiros a pedir subsídio de bancos estatais nas negociações. Subsídio com pouco imposto não dá.

O BNDES realizou grandes aportes em empresas, promovendo a criação dos famosos campeões nacionais. Com o fim desse ciclo, podemos dizer que essa política falhou totalmente?
Sim, essa política foi falha. A taxa investimento ficou estagnada. Desde os anos 2000 nós estamos com a taxa ao redor de 16-17% do PIB, apesar dos desembolsos terem aumentado de forma bárbara. Isso é uma evidência muito nítida de que fizemos algo muito errado. A indústria perdeu participação no PIB, nós não temos setores inovadores como se pretendia. Então tudo deu absolutamente errado. É o momento de se pensar radicalmente essa forma de política e suporte industrial. Eu não sou contrário a essa ideia de incentivo, mas é preciso fazer de uma forma técnica, como aprendemos a partir de estudos e experiências recentes, que mostram como tem de ser feito.

O senhor pode citar exemplos?
Há várias iniciativas recentes como parcerias público-privadas, concessões mais centralizadas, desburocratização de processos. As agências reguladoras precisam ser reforçadas para dar uma maior estabilidade às intervenções: para que o governo não “meta a mão” e reduza as tarifas como bem quiser, pois esse tipo de atitude aumenta a percepção de risco do investidor e dificulta a captação de recursos no mercado.

Os empréstimos realizados no passado pelo BNDES foram de juros subsidiados. Esses empréstimos eram de longo prazo e ainda estão sendo pagos. Como o governo vai lidar com esses pagamentos?
Existem esqueletos de pagamento ao governo que têm que ser ajustados. Mas as transferências que foram feitas já foram feitas. Agora é refocalizar o banco para não precisar dar mais esse tipo de aporte. Reduzir empréstimo com subsídio e empréstimos atrelados a taxas de longo prazo. É preciso ser mais seletivo com esses empréstimos, fornecendo somente para quem precisa mesmo. Os ajustes vão sendo feitos ao longo do tempo.

(Thiago Lavado)

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