Juros baixos serão a herança bendita da crise
Itaú acredita que o Brasil poderá manter a Selic em um dígito até 2013 - e não é o único que pensa assim no mercado
Da Redação
Publicado em 4 de junho de 2009 às 11h47.
Nos últimos 15 anos, os juros sempre estiveram no centro do debate econômico no Brasil. Tanto nos mandatos de Fernando Henrique Cardoso quanto nos de Luiz Inácio Lula da Silva, os partidários das taxas mais baixas foram rotulados como a ala desenvolvimentista enquanto os defensores do Banco Central estariam entrincheirados na ala monetarista. Talvez um dos maiores méritos da crise tenha sido o de obter um consenso entre esses dois grupos. Agora até banqueiros concordam que o Brasil poderá ter taxas de juros mais civilizadas por um longo período de tempo.
Uma grande demonstração do milagroso efeito da crise foi uma análise divulgada pelo Itaú nesta semana. A corretora do maior banco do Brasil afirmou no relatório intitulado "Brave New World" (em português, "Admirável Mundo Novo") que o Banco Central poderá manter a Selic abaixo de 9% até 2013 - algo impensável num país que nos últimos anos carregou a pecha de campeão mundial dos juros.
O Portal EXAME procurou outros economistas para comentar o assunto e apurou - pasmem - que o Itaú não está sozinho. Já existe muita gente no mercado que acredita que a economia brasileira ganhou a musculatura necessária para continuar atrativa aos investidores estrangeiros e para manter a inflação sob controle mesmo diante da redução prolongada das taxas de juros e do consequente aquecimento da atividade produtiva.
No relatório, o Itaú relembra uma frase dita recentemente pelo ex-economista-chefe do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kenneth Rogoff: "A não ser que o Brasil deixe de pagar a dívida, terá de baixar os juros". Como o Brasil há muito tempo não parece tão longe da moratória quanto agora, o que Rogoff defendeu, de maneira irônica, é que uma forte redução da Selic é inevitável. Para o Itaú, a taxa de juros poderia cair para até 8,25% ainda neste ano e para 7,5% em 2010. Nos três anos seguintes, o juros continuariam baixos, inferiores 9%.
Para essa projeção, a equipe do Itaú em consideração três variáveis principais: Produto Interno Bruto (PIB), inflação e estabilidade do dólar. Para a corretora, como a economia brasileira demorou demais para reagir à crise, a queda do PIB neste ano deverá ser de 2% - contra um crescimento de 1% a 0,5% esperado pelo governo. "Apesar disso, acreditamos que não é um índice ruim se comparado ao de outros países. Devemos ter uma forte recuperação no ano que vem, com o PIB positivo em 3,7%", diz Cida Souza, analista da Itaú Corretora.
Tamanha queda do PIB neste ano acompanhada de inflação sob controle e da taxa de câmbio em baixa justifica a forte redução da Selic no curto prazo. Segundo o Itaú, no médio prazo os juros continuariam na lona por "características inerciais". Estudos mostram que os juros cobrados em um mês são 90% formados a partir de taxas passadas. Dessa forma, o que é uma taxa baixa atualmente favorecerá um juro futuro também reduzido.
Já no longo prazo, a manutenção das taxas de juros em patamares baixos ajudará a elevar os investimentos em infraestrutura - pois viabilizará a implementação de muitos projetos do setor privado. Além disso, o governo terá menores gastos com os juros da dívida pública e poderá realizar investimentos ou reduzir impostos. Esses investimentos serão suficientes para aumentar o "PIB potencial" brasileiro ou seja, o quanto o país pode crescer sem despertar o dragão da inflação.
Mas juro baixo é realmente vantagem?
Em maio, durante o EXAME Fórum, um evento produzido pela revista EXAME que reuniu três ganhadores do Prêmio Nobel de Economia pela primeira vez em São Paulo, o ex-ministro Delfim Netto ironizou a redução dos juros às custas de um forte desaquecimento da economia brasileira. "Nós trocamos uma Brigitte Bardot de 18 anos por outra de 81", disse ele, demonstrando que ainda preferia os tempos em que o Brasil tinha uma Selic maior, mas crescia 6% ao ano.
Outros economistas, no entanto, veem uma redução prolongada dos juros com mais otimismo. "A capacidade produtiva ociosa e a demanda reprimida vão permitir a queda dos juros para um patamar inédito", afirma o chefe da assessoria econômica da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio), Fabio Pina. Mas, ao contrário do que foi visto nos ciclos anteriores de relaxamento monetário, dificilmente a retomada da economia vai provocar uma corrida às compras - e o retorno da inflação.
Para a professora do Instituto de Economia da Unicamp, Maryse Farhi, também vai favorecer a queda inédita nos juros a forte desvalorização do dólar. "O custo das matérias-primas, seja ela nacional ou importada, fica menor e isso ajuda a reduzir o preço final dos produtos", afirma
O mercado não espera a reversão dessa tendência de enfraquecimento do dólar nos próximos meses. Segundo o chefe do departamento econômico da Confederação Nacional do Comércio (CNC) e ex-diretor do Banco Central, Carlos Thadeu de Freitas, a manutenção dos preços das commodities em patamares altos e o pré-sal são fatores que devem sustentar a entrada de dólares no Brasil no longo prazo.
Por último, a Selic baixa não deverá levar à saída de dólares do país em busca de investimentos em renda fixa mais atraentes em outros países. "Mesmo na casa de 8% ao ano durante vários anos, o juro brasileiro ainda seria altíssimo porque as taxas lá fora derreteram", afirma Maryse, da Unicamp.
Se os economistas ouvidos por EXAME estiverem certos, o Brasil dos juros baixos estará diante de uma chance única de se livrar do estigma do crescimento anêmico intercalado com leves períodos de euforia - os chamados voos de galinha. Haverá implicações positivas no mercado de capitais, na infraestrutura, em projetos imobiliários, no crédito e no consumo, entre outras áreas. Resta saber se a diretoria do Banco Central terá ousadia para apostar nesse "admirável mundo novo".