Júlio Marcelo, procurador: não existe governo grátis
O procurador do Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União, Júlio Marcelo de Oliveira, foi o principal investigador das chamadas pedaladas fiscais do governo de Dilma Rousseff. Suas apurações levaram ao parecer do TCU que rejeitou as contas de 2014. Especializado na questão fiscal, Oliveira segue apurando irregularidades fiscais do governo e foi […]
Da Redação
Publicado em 8 de junho de 2016 às 20h37.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h37.
O procurador do Ministério Públicojunto ao Tribunalde Contasda União, Júlio Marcelo de Oliveira, foi o principal investigador das chamadas pedaladas fiscais do governo de Dilma Rousseff. Suas apurações levaram ao parecer doTCUque rejeitou as contas de 2014. Especializado na questão fiscal, Oliveira segue apurando irregularidades fiscais do governo e foi chamado pela acusação para sustentar a validade do impeachment de Dilma no Senado nesta quarta-feira. A EXAME Hoje, o procurador falou sobre a dificuldade de auditar alguns órgãos, como o BNDES, e que espera que a população entenda que não existe “governo grátis”.
O que motivou o senhor a investigar as contas de Dilma Rousseff?
Foram os sinais que fomos captando. Começou a se falar sobre contabilidade criativa, operações suspeitas com os bancos federais. A Caixa pediu, em determinado momento, que se fizesse uma arbitragem num conflito entre ela e o Tesouro, pela AGU. Conversando com colegas auditores, entendemos que havia algo que tinha de ser investigado. Era estranho o conflito. Teve também a notícia que o Banco Central teria identificado 4 bilhões de reais em uma conta classificada erroneamente pelo banco. Tudo isso nos levou a propor uma auditoria.
O senhor esperava encontrar problemas nessa extensão?
A situação foi se agravando. A presidente queria manter um nível elevado de gastos para dar essa sensação de governo operante junto à sociedade. Quando começou a ter sinais de fraqueza na economia, começaram a surgir expedientes para aumentar artificialmente a arrecadação e adiar despesas. Faz-se, por exemplo, uma antecipação de dividendos do BNDES para pagar despesas. Isso já é contabilidade criativa. Práticas que, embora legais, são ruins porque descasam o desenvolvimento natural do fluxo de caixa e de receitas e despesas. A partir do segundo semestre de 2013, Dilma começou a usar os bancos públicos como cheque especial mesmo. Dinheiro que ela tinha que mandar pra Caixa, BB e BNDES e foi deixando um saldo negativo se acumular, que passou de 40 bilhões de reaisem 2014. Isso foi conjugado com uma omissão do Banco Central, que não registrava esse passivo nas estatísticas fiscais.
A denúncia que pede o impeachment de Dilma no Congresso não contemplou diversos pontos explorados por sua investigação. O senhor acha que isso enfraqueceu o pedido?
Esses pontos não entraram porque o Eduardo Cunha não quis. A denúncia incluía tudo de 2014, de 2015 e Lava-Jato. O Cunha tirou Lava-Jato, tudo de 2014 e um pedaço de 2015. Só deixou o Banco do Brasil e os decretos. Evidentemente, se tivesse um conjunto maior de fatos, a denúncia seria mais robusta. Mas os fatos que remanesceram são suficientemente graves para caracterizar os crimes de responsabilidade.
A defesa da presidente diz que os governadores também pedalaram…
O que ela fez, que foi usar banco federal para se financiar, nenhum deles fez.
Há um ano, o BNDES era tido como o próximo alvo das investigações das autoridades. Vai surgir um escândalo no BNDES?
No BNDES, existe uma dificuldade histórica porque o banco se negava a fornecer informações. Isso retarda e dificulta as auditorias. Espero que a nova presidente tenha uma postura de abertura dos dados, porque a sociedade tem direito de saber o que acontece. É necessário auditar essas grandes operações, entender quais foram os riscos de crédito autorizados. Não é só analisar se houve pagamento de propina ou não, mas avaliar se aquilo é um negócio que faz sentido para o país. É uma transferência de renda da sociedade para grupos empresariais escolhidos de forma não transparente.
Dos 27 estados, somente o Espírito Santo conseguiu sanar suas contas. O que isso mostra sobre a responsabilidade fiscal dos governadores?
É um problema de duas faces. A primeira é a cultura. A qualidade do governo é medida pelo gasto, e não pelo equilíbrio das contas. Isso é irresponsabilidade fiscal. A outra face da moeda é a irresponsabilidade fiscal federal atingindo os estados. Quando o governo resolve fazer desonerações fiscais, redução de IPI e outros impostos, está fazendo cortesia com o chapéu alheio. É um poder imperial que a União tem de baixar alíquotas de produtos, como carros e linha branca, que afetam a arrecadação dos estados.
Qual o legado que a discussão das contas públicas pode deixar para o país? A consciência de responsabilidade fiscal. Não existe governo grátis. Tudo o que ele faz custa caro para a sociedade. É também um legado que a responsabilidade fiscal não se opõe ao gasto social, é um pressuposto para a sustentação dos gastos sejam eles sociais ou não. Se o equilíbrio das contas passar a ser um ingrediente da política para selecionar melhores governantes, será um grande avanço.
(Luciano Pádua)